Na leitura do acórdão que ontem declarou inconstitucionais algumas das normas do decreto que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, a juíza relatora, Maria Benedita Urbano, disse que os juízes “decidiram não se pronunciar pela inconstitucionalidade das demais normas cuja apreciação foi requerida” pelo Presidente da República.

Assim, passaram no TC as definições de “doença grave e incurável” e a de “lesão definitiva de gravidade extrema”, definições que tinham suscitado dúvidas ao Presidente da República, que questionou se a formulação adotada no decreto "é de molde a corresponder à densificação e determinabilidade exigida pelo antes aludido acórdão do Tribunal Constitucional, tendo em consideração a supressão do requisito da 'doença fatal' e da alusão à 'antecipação da morte'”.

No acórdão, divulgado na página do TC na Internet, os juízes assumem que, em relação à definição de "doença grave e incurável", "não há dúvida que se trata de um conceito jurídico indeterminado", admitindo que "nem sempre é possível formular normas explícitas, de conteúdo certo, sendo necessário recorrer a conceitos jurídicos indeterminados".

"No caso em análise, trata-se de um conceito juridicamente indeterminado, que não é manifestamente vago, e que permite com relativa facilidade o seu preenchimento por parte dos aplicadores da lei sem que haja o perigo de deturpar a vontade do legislador ou de tomar opções políticas por ele", concluiu o TC.

Já quanto ao conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema” o Presidente da República tinha salientado no seu pedido de fiscalização preventiva que nesta definição não era referido o “sofrimento de grande intensidade”, ao passo que na definição de “doença grave e incurável” esta expressão estava incluída.

O chefe de Estado apontava que de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º do decreto, “parece que a exigência de verificação de situação de sofrimento de grande intensidade ocorre tanto quando exista lesão definitiva de gravidade extrema, como nos casos de doença grave e incurável”.

Os juízes do TC deram razão ao Presidente nesta sua observação, no entanto, consideraram que “se trata de um caso típico de má técnica legislativa – como manifestamente o é a utilização, na alínea f), do definido na definição, afirmando-se tautologicamente que sofrimento de grande intensidade é um sofrimento com grande intensidade – que não compromete de forma intolerável a inteligibilidade da lei”.

O TC cita o número um do artigo 3.º, no qual se considera “morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa […] em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável […]” , concluindo-se, “da conjugação dos dois preceitos em análise, que a exigência do sofrimento de grande intensidade se reporta às duas condições clínicas em que a morte medicamente assistida não é punível”.

Foi também considerado constitucional o número 1 do artigo 3.º estabelecendo que “considera-se morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.

Também teve ‘luz verde’ a alínea b) do número três do artigo 3.º que definia que a morte medicamente assistida “ocorre em conformidade com a vontade e a decisão da própria pessoa, que se encontre numa das seguintes situações”, sendo a alínea b) referente à situação de “doença grave e incurável”.

A decisão de não se pronunciarem pela inconstitucionalidade destas normas, teve a concordância de nove juízes: Maria Benedita Urbano (indicada pelo PSD), Gonçalo Almeida Ribeiro (PSD), Mariana Canotilho (PS), Joana Fernandes Costa (PS), Afonso Patrão (PSD), José João Abrantes (PS), António José de Ascensão Ramos (PS), Assunção Raimundo (PS) e José Eduardo Figueiredo Dias (PSD).

Votaram vencido os restantes quatro: João Pedro Caupers, presidente do TC, Pedro Machete, vice-presidente, José António Teles Pereira (PSD) e Lino Rodrigues Ribeiro.