22 de abril de 2014 - 13h30

Um estudo sobre a paramiloidose desenvolvido por investigadores da Universidade do Porto provou que esta doença se manifesta mais cedo a cada nova geração e aparece mais tarde nas mulheres do que nos homens.

A investigação, a que a Lusa teve hoje acesso, foi realizada por uma equipa do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade do Porto e recentemente publicada no Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry.

Carolina Lemos, Alda Sousa e a sua equipa descobriram que a Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF), conhecida como paramiloidose ou “doença dos pezinhos”, se torna mais grave de geração em geração e que o aparecimento dos primeiros sintomas surge mais cedo nos homens do que nas mulheres, o que sugere que as hormonas sexuais desempenham um papel na doença.

Com esta descoberta pode prever-se a idade em que os primeiros sintomas poderão surgir, permitindo também conhecer o padrão de transmissão, o que pode ajudar os doentes a lidar com a doença.

A PAF é uma doença neurodegenerativa progressiva e fatal. Embora o mecanismo que a desencadeia ainda não esteja totalmente esclarecido, sabe-se que, tal como outras doenças neurodegenerativas relacionadas com a idade (Alzheimer e Parkinson), está relacionada com depósitos de proteína alterada nos neurónios, que mais tarde morrem, comprometendo as funções que normalmente controlavam.

No caso da PAF, a proteína alterada é a do fígado (Transthyretin). Os sintomas começam por um formigueiro, seguido de perda de sensibilidade nos membros inferiores, que depois se espalha para o resto do corpo. A evolução da doença origina problemas ao nível da respiração e do coração e, a menos que a doença seja travada, podem levar a morte em apenas dez anos.

As zonas com a maior taxa de incidência da doença em Portugal são Póvoa de Varzim e Vila do Conde, onde um em cada mil indivíduos tem a doença e um em cada 538 é portadores do gene mutado.

A equipa do IBMC analisou a maior base de dados de doentes com PAF no mundo, propriedade do Hospital de Santo António, com 2.440 doentes, oriundos de 572 famílias, que foram estudados ao longo de 70 anos.

A partir desta base de dados a equipa usou 926 pares de pais e filhos, de 284 famílias de várias áreas de Portugal. O que descobriram foi “um incrível padrão na transmissão da doença”.

A PAF normalmente surge na idade adulta, mas os investigadores descobriram que o seu aparecimento depende muito de quando os pais dos doentes tiveram a doença.

Os investigadores perceberam, por exemplo, que a maioria dos
pais em que a doença se manifestou tardiamente, depois dos 50 anos,
tinha filhos em que se manifestou mais cedo, por volta dos 40. Pelo
contrário, nenhum progenitor que manifestou a doença cedo teve
descendentes que a tiveram tarde.

Adicionalmente o risco de ter a
doença desde muito cedo, antes de 30 anos, era alto para os filhos de
pais que tiveram a doença cedo, por volta dos 40. E era nulo para
aqueles cujos pais desenvolveram a doença por volta dos 70 anos.

A
equipa descobriu também que as mulheres tendem a ter a doença mais
tarde do que os homens, quer seja ao nível dos pais ou dos filhos,
revelando um efeito de género no aparecimento dos primeiros sintomas.
Isto foi confirmado pela observação de que os filhos de mães afetadas
apresentavam as maiores antecipações (diferença de idade entre o
aparecimento dos sintomas de pai para filhos) enquanto de pai para filha
demonstravam nenhuma antecipação.

“Os nossos resultados podem
ter importantes implicações noutras doenças também causadas por mutações
isoladas. Para os que tem a mutação do TTR (Transthyretin) provar a
existência de antecipação e de um efeito de género revela um padrão na
transmissão da doença que permitirá um melhor acompanhamento e,
sobretudo, uma deteção e um tratamento mais precoces”, consideram os
investigadores.

A equipa refere ainda que “agora que existe mais
conhecimento dos efeitos dos progenitores, a estratégia para identificar
os alteradores genéticos deverão focar-se nas famílias e não nos
indivíduos, de forma a tentar descortinar os mecanismos da antecipação”.

Embora
o que cause antecipação na paramiloidose seja ainda um mistério, “há
suspeitas de que pode resultar de vários fatores inter-relacionados nas
diferentes famílias, incluindo efeitos de outros genes, mecanismos
epigenéticos (mecanismo herdado que não envolve alterações no DNA, por
exemplo de influência do ambiente) ou efeitos hormonais”, acrescentam os
autores do estudo.

A paramiloidose foi descrita em 1952 pelo
neurologista do Hospital de Santo António do Porto Mário Corino de
Andrade, que observara um padrão de formigueiro e adormecimento das
pernas em doentes da Póvoa do Varzim.

Lusa