A ideia para o projeto, intitulado “COMBURNOUT”, surgiu do facto de "verificarmos, com a nossa investigação, mas também no contacto com os estudantes, que os alunos de medicina e de medicina dentária têm níveis elevados de stress, ansiedade e depressão", conta Ana Telma Pereira.

Além disso, sublinha a psicóloga e investigadora do Instituto de Psicologia Médica da FMUC, "temos constatado que certos traços de personalidade, ou seja, da sua maneira típica de pensar, sentir e comportar-se, são mais prevalentes nestes estudantes, como o neuroticismo e, principalmente, o perfecionismo. Estes são fatores de risco para o sofrimento psicológico, pois diminuem as competências emocionais para lidar com o stress".

Segundo a investigadora, são vários os fatores de risco que potenciam o Burnout nos estudantes de medicina e medicina dentária, nomeadamente, por exemplo, "o ambiente competitivo, a elevada carga horária e a grande quantidade de avaliações e de matérias. Devido à combinação destes fatores, quase metade dos estudantes de medicina e medicina dentária sofre de burnout – significativamente mais do que os estudantes de outras áreas".

"Devido ao estigma, vergonha e ao próprio perfecionismo, a maioria dos estudantes não procura ajuda e o problema tende a piorar ao longo da formação e carreira médica", salienta Ana Telma Pereira.

Ana Telma Pereira
Ana Telma Pereira, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) créditos: UC

O burnout carateriza-se por vários sintomas que ocorrem na sequência de um período prolongado de intenso stresse relacionado com o trabalho ou os estudos, levando a pessoa a sentir-se completamente esgotada, sem recursos emocionais e físicos.

No caso dos estudantes de medicina, alerta a especialista da FMUC, "as consequências do burnout são graves: depressão, ideação suicida, uso e abuso de álcool e de outras substâncias psicoativas… Este estado de exaustão e desânimo pode levá-los a negligenciar a sua saúde e a dos outros, pois o burnout aumenta a probabilidade de erros e negligência médica".

O projeto, que conta com 30 mil euros de financiamento do programa “Academias do Conhecimento” da Fundação Calouste Gulbenkian, é composto por duas fases. Na primeira, a equipa vai identificar os estudantes em risco para, depois, implementar um programa de intervenção em grupo (maioritariamente em formato online), focado na promoção de competências emocionais, como o mindfulness e a autocompaixão - abordagens terapêuticas que ensinam as pessoas a autorregularem os seus pensamentos e emoções, com benefícios cientificamente comprovados.

Na segunda fase do projeto, vai ser realizado um estudo experimental para testar a eficácia desta intervenção, tendo como objetivo final a disponibilização de um programa de intervenção totalmente manualizado e com boas evidências de impacto positivo na redução do burnout e perturbação psicológica em estudantes de medicina e medicina dentária.

"Estamos confiantes, porque já comprovámos, com estudos recentes, que se fomentarmos a autocompaixão podemos atenuar o stresse e o sofrimento psicológico potenciados pelo perfecionismo. A autocompaixão pode ser um antídoto para este veneno", afirma a coordenadora do “COMBURNOUT”, referindo ainda que a equipa do projeto é constituída essencialmente por "psicólogas com formação e experiência em intervenções deste tipo, e por jovens médicos, que são internos de psiquiatria no CHUC e assistentes na FMUC; eles próprios passaram há não muito tempo por estas pressões".

O programa “Academias do Conhecimento” da Fundação Calouste Gulbenkian, criado em 2018, destina-se a apoiar projetos que apostem na promoção de "competências para que as crianças e jovens de hoje sejam capazes de enfrentar um futuro em rápida mudança".