Por que motivos procrastinamos?
Alícia Marques: A procrastinação é um comportamento comum ao ser humano. Em algum momento da nossa vida, todos nós nos encontrámos a procrastinar alguma tarefa. No entanto, é importante reconhecer, que pode haver momentos, em que a procrastinação acarreta consequências mais significativas, interferindo com o nosso desempenho e bem-estar pessoal e profissional. Embora ainda não sejam claros os motivos que levam, especificamente, cada um de nós a procrastinar uma determinada tarefa, num determinado momento, sabemos que a procrastinação resulta da dificuldade em regular as nossas emoções e os nosso comportamentos, bem como em identificar prioridades e necessidades. Ainda, é fundamental reconhecer que a procrastinação não resulta apenas de um fator, mas de uma interação entre fatores. Neste sentido, temos de ter em conta vários aspetos, nomeadamente, características de personalidade, os pensamentos que possam surgir, a forma como regulamos as nossas emoções, a motivação e o próprio contexto em que a procrastinação acontece.
Sandra Xavier: Desta forma, tal como referimos existem diferentes razões que podem motivar a procrastinação e estas razões estão normalmente ligadas a uma emoção específica: o medo. Identificamos de seguida alguns desses medos: medo de falhar (por exemplo, “não tenho competências”, “não vou conseguir”, “a tarefa é muito difícil”), medo da imperfeição (por exemplo, não começar uma atividade/tarefa com medo do resultado não ser “perfeito”, “ou faço bem ou não faço nada”), medo do julgamento do outro (por exemplo, “os outros vão achar que sou um incompetente”), medo do desconhecido e da incerteza (por exemplo, assumir um projeto no qual ainda não tenho muitas aptidões), medo da sobrecarga (por exemplo, “tenho tanto para fazer que não sei por onde começar”). Existem ainda outras razões que potenciam a procrastinação, estas não necessariamente associadas a medo, tais como: fraca gestão do tempo ou distorção do tempo disponível no futuro; incapacidade de estabelecer prioridades; excesso de tarefas num dado período de tempo; dificuldades de concentração; falta de compreensão do que é pedido; falta de conhecimento; falta de relevância pessoal/interesse/motivação; falta de gratificação imediata e inércia (isto é, não estar comprometido ou falta de motivo aparente para a mudança).
Qual foi a inspiração por trás da criação do programa de desenvolvimento de 10 competências para combater a procrastinação?
Andreia Ferreira: O livro "STOP Procrastinação" foi adaptado de um grupo terapêutico desenvolvido previamente nos Serviços de Saúde dos Serviços da Ação Social da Universidade de Coimbra. Cerca de um ano antes do surgimento do livro, avaliamos a necessidade de desenvolver uma resposta específica e especializada na temática da procrastinação, dado o acréscimo no número de pedidos de ajuda que recebemos nesse sentido. Assim, surgiu o grupo terapêutico de gestão da procrastinação que denominamos de "STOP Procrastinação". Este grupo permitiu a canalização de pedidos relacionados com este tema para uma só resposta, garantindo a possibilidade de ajuda a um maior número de pessoas ao mesmo tempo. Por termos percebido e estudado os benefícios do grupo piloto, surgiu então a ideia de adaptarmos esse projeto a um livro de autoajuda direcionado à população em geral, de forma a ajudarmos e abrangermos o maior número de pessoas possível que vê a sua vida condicionada por esta temática tão relevante e atual que é a procrastinação.
Maria João Martins: Adicionalmente sempre nos pareceu importante difundir a ideia de que as pessoas devem ser ajudadas a adquirir competências e ferramentas para cuidarem da sua própria saúde mental. Pensamos que cuidar da saúde mental não deve passar apenas por recorrer aos serviços de saúde (que é importantíssimo que tenham respostas acessíveis e de qualidade) e queremos contribuir para a existência de materiais de autoajuda baseados em intervenções com evidência científica. O "STOP Procrastinação" reflete, assim, o nosso esforço nesse sentido, e pretende dar às pessoas ferramentas e materiais empiricamente validados, para que possam de forma segura e eficaz trabalhar na sua regulação emocional, potenciando o seu bem-estar e funcionalidade.
Como identificar os diferentes aspetos da personalidade e padrões de pensamento que podem contribuir para a procrastinação?
Sofia Caetano: Ainda não é claro o que leva cada um de nós a procrastinar, apesar de já haver muita investigação feita sobre o tema da procrastinação. O que sabemos é que a procrastinação não é causada por apenas um fator. É um ciclo de características de personalidade em interação com a nossa motivação, os nossos pensamentos e as estratégias que habitualmente usamos para gerir as nossas emoções. Para podermos mudar este ciclo vicioso, precisamos então primeiro de entender quais são os fatores que, em nós, contribuem para esta vontade de adiar. Conhecemos também que há aspetos relevantes para o surgimento e manutenção da procrastinação. Nomeadamente, algumas características de personalidade, como o controlo, a impulsividade e o perfeccionismo. Pessoas mais perfeccionistas têm uma maior tendência para um padrão de pensamento chamado dicotómico, o que chamamos a visão a preto e branco. Ora, a mente de um perfecionista diz-lhe que “ou está perfeito ou está mesmo muito mau”, associado a outro pensamento de “Ou é para fazer bem, ou nem vale a pena fazer de todo.”. Quando colocamos estes padrões excessivamente altos, na busca pela perfeição, acabamos por procrastinar ainda mais, porque surge o medo de falhar (medo de não conseguir atingir esses objetivos e de nos podermos desiludir a nós ou aos outros). É uma grande armadilha da mente porque se colocarmos objetivos muito exigentes, vai surgir o stress, a ansiedade, a dúvida…o que depois aumenta o impulso para fugir à tarefa. Livros de auto ajuda guiada, tais como o "STOP Procrastinação", são ferramentas úteis para nos ajudar a identificar os nossos “blind spots”, aqueles fatores que estão a manter a procrastinação. Ainda, a psicoterapia é sem dúvida o método mais eficaz para identificarmos quais das nossas estratégias já não estão a funcionar, e a cultivar o bem-estar através do autoconhecimento e do treino de novas estratégias mais comprometidas com o tipo de pessoas que queremos ser e o tipo de vida que valorizamos.
Podem partilhar algumas das estratégias mais eficazes para lidar com o perfeccionismo e a autocrítica, que frequentemente levam à procrastinação?
Joana Martins: De facto, a procrastinação tem sido associada a traços de personalidade mais perfeccionistas e críticos, causando muito sofrimento. É importante que possamos olhar para as nossas falhas como algo humano e inerente à nossa condição, trazendo menos julgamento e mais gentileza. No nosso livro defendemos muito a máxima de “antes bem feito que perfeito”. Esta visão contribuirá para reduzir emoções e pensamentos difíceis, quer sobre nós mesmos e a nossa competência, quer sobre a tarefa, permitindo reduzir os níveis de procrastinação (que surge muitas vezes como um evitamento a essas experiências internas). A autocrítica mostra-se como um processo para lidar com a vergonha, uma emoção que sinaliza falta de poder e inferioridade, e culmina no desejo de “escondermos” as nossas próprias falhas. Um dos primeiros passos para diminuir a nossa procrastinação é aceitar que a vergonha surge para nos proteger da humilhação, rejeição, exclusão ou possibilidade de criar uma imagem negativa na mente dos outros. A par desta aceitação, há que haver um compromisso com o que é verdadeiramente importante para nós e uma disponibilidade para contactar com o sofrimento inerente a isso.
Marisa Marques: Portanto, sabendo que a autocrítica tem como função proteger-nos (de não sermos perfeitos, de falharmos ou de nos magoarmos) mas nos faz entrar em ciclos viciosos de pensamentos e emoções difíceis, é importante trabalharmos em nós a atitude oposta. No livro STOP Procrastinação é explorada uma competência importante - a autocompaixão - que se constitui como uma alternativa mais saudável e vantajosa à autocrítica, no que diz respeito à procrastinação. A autocompaixão consiste em termos consciência do nosso sofrimento, não fugirmos dele, e termos um desejo genuíno de o aliviar. No que diz respeito ao perfeccionismo e à procrastinação, a autocompaixão permite-nos ter uma atitude de abertura e não julgamento para com os pensamentos e emoções difíceis (ex. pensamentos de “não vou conseguir”, “vai correr mal” que geram por exemplo ansiedade), sem nos deixarmos levar por eles (ex. procrastinar para não nos confrontarmos com a dificuldade da tarefa). Pode ajudar a isto desenvolver e praticar um diálogo interno mais compassivo, usando por exemplo frases como “é normal sentires-te assim, é sinal que é importante para ti saíres-te bem”, ou “Procrastinar é humano mas se começares agora depois vais sentir-te melhor contigo próprio”.
Quais são os elementos-chave que tornam o programa 'STOP Procrastinação!' flexível e adaptável às necessidades individuais dos leitores?
Andreia Ferreira: Creio que reunimos algumas características que permitem que o "STOP Procrastinação" tenha um carácter flexível e adaptável aos nossos leitores, como o facto de usarmos linguagem simples, clara, atual e que faz parte do dia-a-dia de cada um; o tipo de exemplos dados é também um fator inclusivo, pois tentamos dar exemplos da vida diária e real das pessoas; os exercícios experienciais acabam por ter também um papel importante neste sentido pois incluímos neste livro várias meditações, tendo elas objetivos e níveis de exigência diferentes. Apesar destes exercícios já estarem organizados num sentido crescente de exigência, ou seja, as meditações iniciais são mais simples e curtas do que as finais, os leitores terão a flexibilidade de escolher as que gostam mais ou lhes façam mais sentido a cada momento. O mesmo acontece com a estrutura do livro, apesar de nós sugerimos que o livro deva ser lido na ordem em que se encontra, a verdade é que as competências, mesmo relacionadas, são independentes e cada um pode também escolher sobre o que pretende ler num determinado momento. Por exemplo, se num certo momento estiverem a surgir mais dificuldades relacionadas com os valores pessoais e o leitor ainda não chegou a essa competência, nada o impede de poder saltar diretamente para essa competência nesse momento específico.
Existem exercícios específicos de reflexão e escrita que considere particularmente impactantes para ajudar os leitores a superar a procrastinação?
Andreia Ferreira: Todos os exercícios de reflexão têm a sua importância e foram desenvolvidos com o intuito de que quando utilizados como um todo permitam a construção do processo de mudança que garanta aos leitores saber como gerir a procrastinação de uma forma mais eficaz. Ainda assim, podemos salientar dois ou três que consideramos especialmente úteis, por exemplo o exercício de construção de Argumentos Contra a Procrastinação (competência 4) e o exercício do Duplo Padrão (competência 8).
Alícia Marques: Para além de exercícios de escrita, torna-se importante conhecermos a nossa própria procrastinação para lidar com ela de uma forma mais eficaz. Podemos refletir sobre o que pode estar a contribuir para a procrastinação - os fatores podem não ser sempre os mesmos. Ao mesmo tempo que vamos conhecendo o nosso ciclo da procrastinação, podemos começar a desenvolver a competência de mindfulness. Isto é, a capacidade de estar intencionalmente presente, momento a momento, sem julgarmos ou nos afastarmos da nossa experiência, mesmo que ela possa estar a ser difícil. Ao desenvolver esta capacidade, começamos a ficar mais conscientes da nossa procrastinação, assim, criamos espaço para que este comportamento deixe de ser automático e, criamos oportunidade para realizar escolhas mais úteis. Podemos treinar o estar mindful ouvindo e realizando os áudios de meditação disponíveis nas várias competências.
Como é que a meditação pode auxiliar no combate à procrastinação?
Sandra Xavier: A meditação pode auxiliar no combate à procrastinação por vários motivos. Em primeiro lugar, promove o desenvolvimento da nossa autoconsciência, ou seja, muitos dos exercícios e práticas de meditação requerem que notemos e observemos todos os nossos pensamentos e emoções (independentemente de os identificarmos como agradáveis/positivos ou desagradáveis/negativos) com curiosidade, abertura e sem julgamento. Desta forma, será mais fácil identificarmos e tomarmos consciência dos pensamentos e emoções que nos levam a procrastinar e, consequentemente, conseguiremos quebrar o ciclo da procrastinação. Em segundo lugar, ajuda a aumentar os nossos níveis de atenção, isto é, um dos objetivos das práticas de meditação é aprendermos e treinarmos a direcionar a nossa atenção e a trazê-la de volta quando divaga. Nesse sentido, ao trazermos a nossa atenção para o momento presente poderá ajudar-nos a focar a nossa atenção para iniciarmos e a mantermos uma determinada atividade/tarefa ao invés de escolhermos procrastinar. Por fim, auxilia no desenvolvimento das nossas competências de regulação emocional, ou seja, quando procrastinamos experienciamos um conjunto de emoções difíceis (como ansiedade, medo, desconforto, tédio). É importante compreender que a prática de meditação não exacerba ou piora as nossas emoções/sensações físicas, mas sim ajuda-nos a traze-las para na nossa consciência para podermos lidar de forma mais adaptativa com as mesmas quando procrastinamos.
Sofia Caetano: Essencialmente a meditação treina a nossa capacidade de notarmos que estamos em piloto automático, para que possamos escolher voltar para o momento presente. O piloto automático mantém-nos presos aos pensamentos automáticos negativos e aos nossos comportamentos mais inatos de fuga do que é desagradável…o que sabemos não ser muito útil no combate à procrastinação.
Que conselho daria aos leitores que estão ansiosos para iniciar a sua jornada de superação da procrastinação, mas estão com medo de falhar ou desistir a meio do caminho?
Maria João Martins: Não há forma de falhar num processo de desenvolvimento de competências pessoais e emocionais. Todas as melhorias, reflexões, ações, por mais pequenas que sejam contam! O "STOP Procrastinação" é uma ferramenta que pode ser usada e revisitada em qualquer fase de um processo que não tem de ser seguido ou linear. O primeiro passo para combater a procrastinação, ou qualquer problema ou dificuldade, é tomarmos consciência de que ele existe e tem impacto nas nossas vidas. E quando damos este passo não é possível voltar atrás. O "STOP Procrastinação" é um programa flexível precisamente porque somos humanos e a nossa motivação e disponibilidade para mudarmos flutua. Assim, comecem pelo início do livro, comecem pela competência com que têm mais dificuldade, ou comecem pela que vos parece mais fácil ou interessante. Avancem nas competências semanalmente, passem um mês numa competência ou pratiquem exercícios que vos façam mais sentido de diferentes competências. Adaptem o programa às vossas necessidades e ele terá maior probabilidade de funcionar porque terão motivação para ser mais consistentes nas vossas ações. Mas, na verdade, o único conselho é: comecem!
Comentários