Num artigo publicado hoje na revista científica da Ordem dos Médicos “Ata Médica Portuguesa”, da autoria de quatro investigadores da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), liderado por Vasco Ricoca Peixoto, sobre o excesso de mortalidade covid e não covid em Portugal, os autores referem que “o impacto do envelhecimento” não justifica “tal magnitude de aumento de mortalidade”.
“A população já estava a envelhecer e há um salto enorme no número de mortes”, disse à agência Lusa Vasco Ricoca Peixoto.
O investigador referiu que, ao analisar-se a evolução do número de mortos nos últimos 20 anos, se verifica que “há uma tendência de ligeiro aumento da mortalidade, mas nada do que aconteceu de 2019 para 2020, em 2021 e em 2022”.
Como seria de esperar, disse, esse excesso de mortalidade acumula-se em faixas etárias mais avançadas, “porque são aquelas em que as alterações nos cuidados, no contexto social, no acesso a medicamentos, na velocidade com que são tratados numa urgência, faz mais diferença, mas esses impactos potencialmente são transversais à restante população”.
No artigo, os investigadores referem que o número de mortes em Portugal desde novembro 2021, mesmo depois da maior sobrecarga dos cuidados de saúde devido à covid-19, tem sido sistematicamente superior aos valores esperados e muitas vezes ultrapassa o limite superior dos intervalos de confiança, o que pode ser observado no ‘site’ da Direção-Geral da Saúde (DGS) em tempo real.
“Há causas de aumento da mortalidade que tendem a ser mais distribuídas ao longo do ano e, portanto, não causam picos de mortalidade, mas conduzem a uma mortalidade global mais elevada como, por exemplo, a mortalidade por cancro devido a alterações no rastreio e atraso nos cuidados de saúde”, afirmam.
Referem também que a mortalidade devido às alterações nos cuidados com a doença crónica também pode ser disseminada, mas é possivelmente maior em períodos de maior carga de cuidados de saúde, assim como pode também ter havido mudanças sociais e económicas devido à pandemia que pode estar a aumentar a vulnerabilidade, o isolamento e a mortalidade dos mais vulneráveis.
“A mortalidade não pode estar a aumentar a um ritmo grande infinitamente”, disse à Lusa Vasco Ricoca Peixoto, defendendo que é preciso saber o que está a causar o excesso de mortalidade não covid-19.
“Esta pergunta é relevante, porque é uma pergunta cuja resposta nos pode mostrar problemas relevantes que não têm impacto sobre o excesso de mortalidade”, mas têm impacto nos serviços de saúde e na saúde das pessoas.
Para compreender esta realidade, o investigador defendeu que a DGS devia divulgar as causas específicas de morte para poder aprofundar a investigação e perceber se há aumentos ou tendências de aumento de mortalidade em algumas dessas causas.
“Assim como já estamos habituados a ver uma curva epidémica dos casos e mortes por covid ao longo do tempo podemos ver também como é que varia ao longo do tempo a morte por enfarte, por AVC, por doenças oncológicas, infeções de vários sistemas orgânicos, por diferentes faixas etárias e eventualmente em diferentes regiões”, defendeu, observando que, segundo vários estudos, a covid-19 também aumenta a probabilidade de morte por algumas dessas causas”.
Através destes dados, disse, é possível tirar informações sobre o que poderá estar a acontecer nos serviços de saúde, “mesmo à medida que nos afastamos do início da pandemia”.
“Esperamos ter períodos de maior tranquilidade, embora alternados com períodos de mais pressão, e essa também é uma razão que acaba por ser importante, porque nós vamos continuar a ter períodos de pressão devido à covid e à gripe nos serviços de saúde”, vincou.
Os dados também são importantes para perceber onde é que se pode estar a falhar em termos de sociedade e dos serviços de saúde que estão a ser garantidos à população, sustentou.
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