A menopausa ainda é um tabu no mundo laboral, apesar de afetar diretamente o desempenho e o bem-estar de milhares de mulheres. Segundo o estudo “Saúdes – Menopausa e o trabalho – a urgência de agir sem rotular?”, 63% das mulheres sentem impacto da menopausa no seu dia a dia profissional, e 68% escondem os seus sintomas no trabalho, temendo serem vistas como menos produtivas ou incapazes de desempenhar as suas funções. A fadiga, a falta de concentração e os afrontamentos são alguns dos sintomas que dificultam a rotina profissional, levando 22% das mulheres a ponderar mudar de carreira ou até mesmo abandonar o mercado de trabalho.
Maria do Carmo Silveira, Responsável de Orquestração Estratégica do Ecossistema de Saúde do Grupo Ageas Portugal, analisa os resultados do estudo e reflete sobre o impacto desta realidade na retenção de talento feminino. A responsável alerta para a necessidade de ações concretas por parte das empresas e defende que o diálogo e a implementação de medidas de apoio podem fazer a diferença na construção de ambientes de trabalho mais inclusivos e preparados para acolher as mulheres nesta fase da vida.
A menopausa ainda é um tema pouco debatido no contexto laboral. Por que acha que esse assunto tem sido ignorado durante tanto tempo?
A menopausa tem sido ignorada em todos os contextos, não apenas o laboral. Desde logo, é um tema que os próprios médicos e profissionais de saúde não abordam com frequência, algo que não faz parte da sua formação nem das suas rotinas com utentes. É um tema difícil para a maioria das mulheres, para quem a menopausa chega, muitas vezes, como uma declaração de velhice. Por isso mesmo, algo que tendem a calar, sofrendo em silêncio e, pior, normalizando muitas vezes esse sofrimento (como aliás mostrou o estudo que fizemos em 2022 no Projeto Saúdes, sobre a Saúde da Mulher). Também não é um assunto falado entre mães e filhas (como o são, com naturalidade, a menstruação ou a gravidez). Sendo este enorme tabu uma espécie de fase “obscura” - um Adamastor - do ciclo de vida da mulher, é “normal” que a menopausa não chegue à mesa do contexto laboral. Como haveria de chegar?
Como vê a evolução da discussão sobre menopausa no ambiente de trabalho, especialmente nos últimos anos?
Nos últimos anos, em todo o mundo, mas também em Portugal, a discussão sobre a menopausa tem vindo a ganhar maior visibilidade, impulsionada por diversas iniciativas. Destaco sobretudo a ação da VIDAs - Associação Portuguesa de Menopausa – que representa milhares de mulheres nesta fase e com quem a Médis colabora de perto. Foi pela mão da VIDAs que, entre outros, a temática foi levada ao Parlamento, à Comissão de Saúde, e foi incluída no Orçamento do Estado de 2025.
Vemos também, com agrado – somos precisos muitos para derrotar o tabu - mais marcas a levantarem a sua voz no tema. A própria Médis, em 2024, lançou uma campanha que dizia” A Sociedade não está preparada para falar da menopausa, mas a Médis está”, onde um dos filmes da campanha era a forma como menopausa afeta o trabalho (no caso, representada por uma entrevista de emprego).
No entanto, apesar de vermos progresso, continuamos a achar que se discute pouco a menopausa em contexto laboral. Temos, segundo dados PORDATA, 1,6 milhões de mulheres em Portugal entre os 45 e os 65 anos, das quais 1 milhão e 100 mil trabalham. Tal significa 22% de toda a população empregada. Sabemos, pelos dados deste estudo que agora lançámos, que 63% das mulheres sentem que a menopausa afeta o seu dia a dia laboral, sendo que 13% se sentem muito afetadas a este nível. Este é o “tamanho da besta”, para a qual não vemos ainda discussão – e muito menos ação – à altura.
O estudo indica que 63% das mulheres sentem impacto da menopausa no seu dia a dia laboral. Quais são os principais desafios que enfrentam?
Sim, segundo o nosso inquérito do Projeto Saúdes, a menopausa impacta o dia a dia laboral de 63% das mulheres, sendo o desconforto (87%), a falta de memória e a falta de foco (ambos nos 82%), assim como a quebra de produtividade (81%) os desafios mais significativos. A consequência direta está nos receios que isto provoca: 73% tem medo de não conseguir fazer bem o seu trabalho, 61% acha-se incompreendida, 47% teme não progredir em termos de ordenado, 40% tem medo de ser despromovida, a mesma percentagem que assume o receio de ser despedida. Percebendo que este é o sentimento dominante, acabam por ficar mais claros outros números que o estudo também nos traz: 68% confessa aceitar ou disfarçar os sintomas em contexto de trabalho e, quando os mesmos levam a que se falte, 58% não assume que a menopausa esteja na origem dessa falta.
Nos EUA, onde o debate da questão está mais avançado, estudos publicados pela Clinica Mayo e pela Elektra, em 2023, davam conta de um impacto direto da menopausa na economia – via perda de energia/produtividade, redução de horas trabalhadas, perda de talento qualificado (por abandono e/ou mudança de carreira), e gasto em despesas de saúde – na ordem dos 26,6 mil milhões de euros.
Muitos dos sintomas da menopausa, como insónias, fadiga e falta de concentração, afetam diretamente a produtividade. Como as empresas podem apoiar as colaboradoras que passam por essa fase?
Não existe uma fórmula ou uma resposta única, depende muito do tipo de empresa, do trabalho, do setor de atividade. Ainda assim, diria que o primeiro, e mais fundamental, passo é que as empresas demonstrem abertura, empatia, interesse e compromisso em apoiar as Colaboradoras durante esta fase, promovendo um ambiente de trabalho positivo e dialogante. Se isso existir, e dependendo da empresa e do setor, podemos falar de medidas mais concretas, que podem ir da flexibilização dos horários ou dos espaços, à troca de funções (por exemplo, mudar de front office para back office, se falarmos de atendimento ao público e de afrontamentos), a climatização, a criação de pausas e autorização de ausências. Há muitas fórmulas possíveis, mas tudo começa, claro, na criação de um ambiente informado, de abertura, de troca, com enorme sentido de humanismo. Pensar que alguém pode fazer o seu trabalho em sofrimento físico ou emocional e ser indiferente a isso, é, no mínimo, desumano.
De acordo com o estudo, 22% das mulheres consideram mudar de carreira ou até pedir demissão devido aos sintomas da menopausa. O que pode ser feito para evitar esta perda de talento?
É verdade e se pensarmos que muitas destas mulheres estão em topo de carreira, que os lugares de chefia são escassos e que, finalmente aí chegadas, estas mulheres têm na menopausa a sua maior concorrente, é duro. Novamente valendo-me do estudo da Elektra, nos EUA, em 2022, 1,8 milhões de mulheres a abandonarem o seu trabalho. É muito!
Além das medidas já mencionadas, evitar isto implica duas coisas: por um lado, que se perceba, de uma vez por todas, que a menopausa não é uma doença, mas sim uma fase natural, pela qual todas as mulheres passam. E que esta fase traz – como de resto também a menstruação ou a gravidez – especificidades às quais as mulheres têm de se adaptar, logo, naturalmente, também nos locais de trabalho. Por outro lado, temos de preparar e “muscular” mentalmente as mulheres nesta fase, investir em programas de mentoria e desenvolvimento de carreira, que as preparem e ajudem a enfrentar os desafios da menopausa. Com esta dupla componente não só se minimiza o impacto dos sintomas na vida profissional, como, ao mesmo tempo, se promove um ambiente de trabalho mais inclusivo.
Ainda no mesmo estudo, 77% das mulheres nunca falaram sobre a menopausa com as suas chefias. Por que existe essa resistência em abordar o tema?
A resistência acontece pelo tabu que ainda é a menopausa e, claro, porque a maioria das chefias são masculinas. No nosso estudo, essa foi umas das principais causas apontadas para silenciar o tema. Um país onde, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), os homens ocupam quase o dobro dos cargos de chefia em relação às mulheres, não facilita a que a abertura se crie. Mas, ainda assim, porque também sabemos que mesmo entre mulheres muitas vezes não se fala, a razão principal é mesmo o tabu e a conotação – muito negativa – associada à menopausa. Para além de ser preciso falarmos mais, também é preciso que não foquemos apenas o lado mau e negativo. Há um lado de libertação que a menopausa traz, que é/pode ser bom, e ninguém fala nisso.
Há ainda 68% das mulheres que escondem os sintomas no trabalho. Como podemos quebrar esse tabu e tornar o ambiente mais acolhedor?
É fundamental promover a educação e consciencialização sobre a menopausa, tanto para as mulheres, quanto para os homens.
As empresas podem criar grupos de apoio e espaços de diálogo seguros que permitam que as mulheres partilhem as suas experiências e quebrem o silêncio.
Apenas 25% das mulheres no Reino Unido afirmam que as suas empresas têm políticas claras para a menopausa. Que medidas poderiam ser implementadas em Portugal?
A criação de medidas, independentemente de ser para Portugal ou qualquer outro país, deve ter como princípio fundamental o apoio a estas mulheres, mas sem com isso criar rótulos ou acentuar desigualdades (de idade e género). No pequeno-almoço que a Médis organizou para debater a questão, este foi um tema consensual. Ainda que a menopausa tenha de sair da esfera do privado para chegar ao domínio ocupacional, às empresas, existe de facto o perigo da estigmatização. Por outro lado, a legislação, ainda que possa ajudar, não chega para criar a mudança. Dito e salvaguardado tudo isto, em Portugal, as empresas devem promover o diálogo e partilha sobre o tema e incentivar medidas ajustadas às suas realidades próprias.
A maioria das chefias ainda é masculina, o que pode dificultar a compreensão dos desafios da menopausa. Como se pode sensibilizar os gestores para esta realidade?
Falando e debatendo o tema, não há outro caminho. Quanto mais o fizermos, em sociedade, em família, em comunidade, em empresa, mais sensibilizamos todos, gestores incluídos.
Algumas empresas já adotam horários flexíveis e condições específicas para mulheres nesta fase. Acredita que estas práticas podem ser uma solução viável?
Sem dúvida. Reafirmo a ideia de que não há uma fórmula única e que cada empresa, junto da sua equipa, tem de encontrar o conjunto de medidas que mais se adequa. Mas mostrar preocupação, flexibilidade e apoio, é o único caminho para respeitar, cuidar e valorizar estas mulheres, o que, ao fim do dia, contribui para a retenção de talentos e o aumento da produtividade da empresa.
O estudo destaca medidas como ajustes de climatização e opções de vestuário mais confortáveis. Quais destas recomendações acredita que teriam maior impacto imediato?
Depende da empresa, do setor de atividade. Uma vez mais: a fórmula não é, nem pode ser, única.
Muitas mulheres relatam sentir insegurança, ansiedade e até síndrome do impostor devido à menopausa. Como pode o meio laboral ajudar a combater esses sentimentos?
Através de uma cultura de apoio e reconhecimento, na qual as Colaboradoras são valorizadas pela sua competência e experiência. Acabemos com o estigma de que profissionalmente estas mulheres estão em declínio. Isso não corresponde minimamente à verdade. Sim, em muitos casos a menopausa tem impactos físicos e emocionais. Mas é uma fase. Se apoiarmos estas mulheres, se as ajudarmos a lidar com os sintomas ou a contorná-los, teremos Colaboradoras mais motivadas, mais empenhadas e muito bem-sucedidas.
Casos como o de Júlia Pinheiro, que falou publicamente sobre o impacto da menopausa na sua carreira, ajudam a normalizar o tema. Nesta semana, a atriz Cláudia Raia esteve em Portugal a apresentar uma peça sobre este mesmo tema. A representatividade de figuras públicas pode acelerar essa mudança?
Sem dúvida que sim. Júlia Pinheiro, Manuela Moura Guedes, Fernanda Serrano, Fátima Lopes e tantas outras figuras que têm passado – e ainda vão passar – pelo podcast da Júlia (que a Médis tem o privilégio de apoiar) têm um papel essencial, pela amplificação que as suas vozes e testemunho dão.
Como podemos garantir que a menopausa seja vista como uma fase natural e não como um fator de desvalorização profissional?
O tabu é grande e não o conseguimos derrubar de um dia para o outro, mas o trabalho que muitos (entre os quais a Médis, marca de saúde do Grupo Ageas Portugal) têm feito, tem dado frutos. Falta muito ainda, mas somos resilientes e vamos continuar.
Qual acha que é o primeiro passo essencial para tornar os locais de trabalho mais preparados para lidar com a menopausa?
De alguma forma já o fui dizendo: o primeiro passo é mesmo a capacidade de ouvir e de me pôr no lugar do outro.
O que aconselharia a uma mulher que sente que a menopausa está a afetar a sua vida profissional, mas tem receio de falar sobre o assunto?
O conselho que lhe daria é que leiam os estudos que temos publicado: “Dar Voz e Ouvidos à Menopausa” ou “Menopausa e o trabalho – a urgência de agir sem rotular”. Rapidamente vão perceber que não estão sozinhas no seu sofrimento.
Qual é a sua mensagem para empresas e trabalhadores sobre a importância de incluir a menopausa nas políticas laborais?
Olhando para a demografia, diria que, mais tarde ou mais cedo, é uma inevitabilidade. Vão ter de o fazer, sob pena de perderem talento e valor.
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