“A época que atravessamos é única, há uma crise com origem biológica que gera impactos económicos e financeiros” com impacto na saúde da população, disse Maria João Heitor, em entrevista à agência Lusa.
Segundo a psiquiatra, está a aumentar o número de casos de ansiedade, depressão e de problemas ligados ao álcool e à toxicodependência.
“Vamos ver mais situações de perturbação de stress pós-traumático, por exemplo, em sobreviventes da COVID-19, na fase pós-pandemia. Há outros aspetos que vão agravar-se, tais como violência doméstica, abusos e maus-tratos”, salientou.
Sobre se há mais pessoas a recorrer a consultas de psiquiatria, a especialista afirmou que inicialmente houve uma diminuição generalizada da procura de cuidados médicos nos centros de saúde e nos hospitais.
“Esta falta de procura de cuidados é que nos deve preocupar mais, por enquanto”, disse, defendendo que é preciso “estar atentos” em particular, a dois tipos de situações: “pessoas com doença mental grave, prévia, que agora se possa agravar e indivíduos em que a pandemia ou a crise económica tenham precipitado o eclodir de uma perturbação psiquiátrica latente”.
Destacou o “papel insubstituível” da psiquiatria e da saúde na prevenção, identificação e abordagem de problemas que decorram do impacto da pandemia e da crise económica.
“A situação atual não é como um desastre natural que geralmente é um acontecimento que ocorre num determinado momento limitado, como um furacão, um incêndio, uma cheia ou um tsunami. A situação que estamos a viver não é uma guerra, mas também é algo que se arrasta no tempo”, sublinhou.
Nesse sentido, defendeu, “os serviços de saúde mental têm de estar atentos e preparados para darem resposta a todo o leque de doenças psiquiátricas que surjam, mas não podemos, de forma alguma, descurar os indivíduos que já estejam a ser acompanhados”.
Os cuidados de saúde primários também têm um “papel fundamental” nesta resposta pela sua proximidade das comunidades.
“Tem de haver uma boa articulação entre a medicina geral e familiar e a psiquiatria, num modelo de cuidados colaborativos”, mas não chega o papel da saúde.
A presidente da Sociedade de Psiquiatria e Saúde Mental defendeu que também têm de existir ações coordenadas, que mobilizem muitos outros setores como a segurança social, educação, emprego, economia, justiça, agricultura, transportes, meio ambiente, habitação e cultura.
“É com este envolvimento intersetorial que conseguiremos fazer a diferença em prol da saúde mental e do bem-estar”, salientou.
Maria João Heitor lembrou que devido à pandemia os serviços de saúde mental tiveram de reorganizar-se, com planos de contingência implementados com “a máxima rapidez e segurança possível”.
“O acesso aos serviços ficou comprometido com as medidas de confinamento e consequente afastamento das pessoas dos locais de prestação de cuidados”, sublinhou.
Agora, defendeu, “há que criar mecanismos e canais para evitar atrasos de diagnóstico, falhas na medicação e descompensação clínica com pior evolução da doença”.
“Mais do que nunca, e igualmente nas fases de desconfinamento, temos de reforçar a articulação entre serviços de saúde mental, cuidados de saúde primários, autarquias, IPSS, Organizações Não Governamentais e outros parceiros da comunidade, para que uma pessoa, que tenha um problema de saúde mental grave, não fique perdida sem saber onde e como se dirigir”, salientou.
Questionada se é necessário reforçar o número de especialistas no Serviço Nacional de Saúde, Maria João Heitor afirmou que “há rácios desejáveis que deveriam ser respeitados e não são.
“Não apenas de psiquiatras, mas também de outros profissionais de saúde mental, por exemplo enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais”, salientou.
Na última década, tem havido uma tendência de aumento das consultas principalmente nos hospitais estatais, mas também nos privados.
“Na pandemia, em geral, assistiu-se a uma redução marcada das consultas privadas”, mas a nível do SNS não se registou uma diminuição do número total de consultas de psiquiatria e psicologia, comparando com o período homólogo de 2019.
Mas “se há uma redução das respostas de ambulatório, os doentes de maior risco podem descompensar, recorrem aos serviços de urgência e são internados”.
Na fase de desconfinamento, os profissionais de saúde mental vão procurar estabilizar o número de consultas, devendo as primeiras serem realizadas presencialmente e as subsequentes por teleconsulta, videoconsulta ou presencial.
Portugal contabiliza 1.218 mortos associados à covid-19 em 29.036 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia.
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