A inflamação tipo 2 presente no nosso sistema imunitário pode responder de forma excessiva perante alérgenos ou outros fatores desencadeantes. Uma resposta que tem um papel determinante nas doenças inflamatórias como a dermatite atópica e a asma; assim como para a rinossinusite crónica com polipose nasal (RSCcPN), a esofagite eosinofílica (EE) ou algumas alergias alimentares.

As pessoas com uma doença inflamatória tipo 2 têm maior risco de conviverem com outra patologia da mesma classe e, apesar de serem normalmente diagnosticadas pela primeira vez na infância, estas doenças podem desenvolver-se em qualquer idade e afetar as pessoas durante vários anos ou até mesmo a vida toda.

O que é a inflamação tipo 2?

A inflamação tipo 2 é um padrão específico de resposta imunológica. A sua função fisiológica é defender o nosso organismo contra infeções como parasitas, mas uma desregulação da resposta inflamatória tipo 2 tem sido implicada na origem de várias doenças. Embora já se tivesse conhecimento deste tipo de inflamação desde há alguns anos, agora é possível perceber com mais pormenor quais os seus mecanismos e como se pode tratar.

Porque ocorre essa desregulação?

A melhoria das condições de vida nas sociedades ditas desenvolvidas com mais condições de higiene e acesso a antibióticos permitiu um decréscimo significativo do número de infeções quer na infância quer na idade  adulta. Em paralelo ocorreu a industrialização, maior poluição ambiental e menor contacto com o meio rural com perda de macro e microdiversidade. Estes dois fatores contribuíram para que o nosso sistema imunológico “diminuísse” o seu alvo de atuação para agentes infeciosos como bactérias e parasitas tornando-se hipersensível a estímulos inócuos do meio ambiente, como por exemplo os ácaros, pólenes, alguns alimentos ou mesmo sem uma causa definida. Há ainda uma predisposição genética/familiar para o desenvolvimento desta inflamação o que faz com que algumas pessoas sejam mais suscetíveis que outras a desenvolver estas patologias.

Como se manifesta a inflamação tipo 2?

Através de doenças inflamatórias crónicas como a asma, dermatite atópica, rinossinusite crónica com polipose nasal e esofagite eosinofílica. Sabemos que quem tem dermatite atópica na infância tem maior risco de vir a desenvolver asma e que um grupo significativo de doentes com asma grave apresenta rinossinusite crónica e polipose nasal, sendo que ambas as patologias se potenciam reciprocamente na sua gravidade. Há, no entanto, doentes que desenvolvem dermatite atópica grave apenas na idade adulta, com sintomas de asma ligeira ou polipose nasal isolada. Ou seja, a inflamação tipo 2 pode num mesmo indivíduo afetar a barreira cutânea, respiratória e gastrointestinal em simultâneo, ou afetar de forma predominante apenas uma delas; pode ocorrer tanto na criança como no adulto, pode ser mais ligeira ou mais grave e pode ir mudando a forma como se manifesta ao longo do tempo num mesmo indivíduo.

Qual a diferença entre doenças alérgicas e inflamação tipo 2?

Podemos dizer que as doenças alérgicas têm na sua base a inflamação tipo 2. A alergia é por definição uma resposta exagerada do nosso sistema imunológico a uma proteína (alergénio) que deveria ser inócua, mas que desencadeia uma resposta inflamatória. A maioria das doenças inflamatórias tipo 2 são alérgicas no entanto há alguns doentes com polipose nasal, dermatite atópica ou asma em que não encontramos um alergénio implicado e que têm inflamação tipo 2.

Porque é importante falarmos destas patologias?

Em primeiro lugar porque têm vindo a aumentar de forma global embora tenham estabilizado em alguns Países Europeus numa prevalência elevada; em segundo lugar porque nas suas formas graves impactam significativamente na qualidade de vida dos doentes e das suas famílias, e em terceiro lugar porque tem havido muita investigação científica nesta área e há novos tratamentos que devemos conhecer.

Quais são esses novos tratamentos?

São tratamentos altamente específicos para os mediadores inflamatórios envolvidos neste tipo de inflamação- ao contrário das terapêuticas mais antigas, não tratam a inflamação de uma forma global, mas sim dirigida a um alvo bem determinado. São muito eficazes, com menos efeitos laterais, mas com maior custo, dado que a sua produção é muito complexa.

Quem pode ou deve ter acesso a estes novos medicamentos?

Estes medicamentos devem ser destinados às formas mais complicadas destas doenças em que há um impacto significativo na qualidade de vida do doente e /ou das suas famílias (no caso das crianças) e em que é difícil obter o controlo dos sintomas.

Os doentes com dermatite atópica de difícil tratamento, asma grave, rinossinusite crónica com polipose nasal recidivante devem ser orientados para consultas especializadas nestas áreas para uma correta avaliação. No hospital onde trabalho, Unidade Local de Saúde Matosinhos existe, por exemplo, desde há 3 meses, uma consulta multidisciplinar que inclui imunoalergologistas, pneumologistas, otorrinolaringologistas, endocrinologistas, oftalmologistas e farmacêuticos hospitalares, e estes doentes são discutidos em conjunto. A visão de uma especialidade complementa as outras e um trabalho de equipa é sempre benéfico quando se trata de escolher a melhor estratégia terapêutica para cada pessoa. Porque cada pessoa com doença é única, com especificidades próprias e deve ser abordada como tal. Nas formas mais difíceis ou graves, ainda mais importante se torna a multidisciplinariedade, abordando todos os aspetos: físicos e emocionais/psicológicos, do indivíduo e da sua família, do seu contexto laboral ou escolar.

As explicações são da médica Cristina Lopes, coordenadora da Unidade de Imunoalergologia do Hospital Pedro Hispano, Professora Auxiliar Serviço e Laboratório de Imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, coordenadora do Grupo de Alergia Cutânea da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica e Conselheira científica da Associação de doentes com Dermatite Atópica (ADERMAP).