Entre as doenças crónicas mais comuns no mundo, estima-se que a rinossinusite crónica, nas suas diferentes formas, afete 5% da população adulta europeia, estando associada a um maior risco de asma. Nos EUA é a quinta causa mais comum para a prescrição de antibióticos, com custos estimados em seis mil milhões de dólares, implicando uma perda de produtividade correspondente a 50 milhões de dias por ano.
Esta é uma doença impactante e que reduz consideravelmente a qualidade de vida dos doentes, como a perda do olfato, corrimento ou muco nasal, dor/pressão nasal, podendo mesmo acarretar complicações potencialmente fatais caso não seja tratada.
Além destes sintomas, a rinossinusite crónica com pólipos poderá ser diagnosticada quando o otorrinolaringologista verifica a presença dos pólipos. Os pólipos são formações benignas de tecido inflamatório que surgem a partir da mucosa de revestimentos dos seios peri-nasais e nariz, espaços preenchidos por ar no interior dos ossos da face e do nariz. Quando há uma inflamação crónica, com mais de 12 semanas, da mucosa, podemos dizer que a pessoa tem rinossinusite crónica grave com polipose nasal.
Como tal, a doença não deve ser ignorada ou normalizada. Para compreendemos a rinossinusite crónica grave com polipose nasal recolhemos o testemunho de três médicos especialistas em Otorrinolaringologia: Fernando Vales, Gil Coutinho e Laurentino Mendes Leal.
Sucintamente, como podemos definir a rinossinusite crónica grave com polipose nasal e quais os fatores que a desencadeiam?
Dr. Gil Coutinho - A rinossinusite crónica (RSC) é uma doença que afeta o nariz e os seios perinasais e que consiste numa inflamação e irritação persistente (duração superior a 12 semanas) do revestimento, ou seja, da mucosa destas estruturas. Sendo uma patologia crónica, a rinossinusite crónica afeta os doentes por longos períodos, geralmente durante vários anos ou décadas.
Para melhor compreensão e de uma forma simplificada, a rinossinusite crónica poderá ser dividida em rinossinusite sem pólipos nasais e em rinossuniste com pólipos nasais. No subtipo de rinossuniste crónica com pólipos nasais ocorre o desenvolvimento de pólipos nasais que consistem em pequenas massas benignas que crescem dentro da cavidade nasal e dos seios perinasais.
O nosso conhecimento sobre as diferentes formas de rinossinusite tem tido avanços muito significativos ao longo dos últimos anos. No entanto, ainda não é totalmente compreendido o porquê de algumas pessoas desenvolvem rinossunisite crónica e outras não. É provável que cada paciente com rinossinusite crónica tenha uma combinação de vários fatores diferentes, que se unem para produzir inflamação persistente nos seios perinasais.
Alguns desses fatores conhecidos são: fatores genéticos; presença de asma; intolerância aos anti-inflamatórios não esteróides; deficiências do sistema imunitário; infeções víricas; bactérias; tabagismo; e poluição.
Assim, a rinossinusite crónica pode ter origem na doença nasal (primária); mais raramente, ocorrer como parte de uma doença multissistémica (como a fibrose quística ou a imunodeficiência); ou secundária a infeções dentárias.
Quais são os principais sintomas a que devemos estar atentos?
Dr. Gil Coutinho - Os doentes com rinossinusite crónica podem apresentar sintomas como obstrução nasal; corrimento ou muco nasal; diminuição ou perda do olfato; e dor/pressão facial. O diagnóstico da rinossinusite crónica é feito quando existem pelo menos dois destes sintomas presentes há mais de 12 semanas, sendo que é necessário que um desses sintomas seja obstrução nasal e/ou muco nasal.
Além destes sintomas descritos, a rinossinusite crónica com pólipos poderá ser diagnosticada quando o otorrinolaringologista verifica a presença dos pólipos no exame físico ou nos exames complementares (como a endoscopia nasal ou a TAC).
Estamos perante uma doença com uma incidência significativa na população portuguesa?
Dr. Gil Coutinho - A rinossinusite crónica é uma entidade frequente, estimando-se que a sua prevalência ronde os 5 a 10% na Europa e os 2,5% em Portugal. Atualmente, é considerado um problema de saúde pública pelo seu grande impacto na qualidade de vida, no absentismo laboral (média de 5,67 dias/ano) e nos custos de saúde, sendo responsável por mais de 7% de toda a prescrição anual de antibioterapia nos EUA.
É uma doença que afeta alguns grupos populacionais em particular?
Dr. Laurentino Mendes Leal - A rinossinusite crónica com polipose nasal é uma doença com forte impacto na qualidade de vida. Afeta, sobretudo, os adulto, podendo começar a manifestar-se a partir dos 20 anos. Os doentes com doença eosinofílica, como seja a asma grave e a doença respiratória exacerbada pela aspirina, entre outros, têm um risco superior de desenvolver esta forma mais grave da patologia. A rinite alérgica, apesar de a relação causa efeito não estar devidamente esclarecida, também está muitas vezes associada à rinossinusite com polipose nasal. Uma grande maioria dos doentes "apenas" apresenta a rinossinusite crónica com polipose, não tendo outras comorbilidades.
Trata-se de uma doença ainda desvalorizada no nosso país?
Dr. Laurentino Mendes Leal - A asma e a rinossinusite com polipose nasal têm o mesmo mecanismo inflamatório subjacente à doença. De certa forma, podemos entender como um espetro de uma doença da via aérea. Enquanto a dificuldade respiratória provocada pela asma é uma situação de elevada morbilidade, podendo levar à morte, se não for controlada, a dificuldade respiratória nasal é facilmente ultrapassável pela respiração oral. Não tem o mesmo impacto para o doente e para os conviventes. Somando a isso o seu carácter progressivo, os doentes não valorizam muitas vezes os sintomas nasais.
A doença tem causas identificadas?
Dr. Laurentino Mendes Leal - A doença surge quando há um insulto ao epitélio nasal. A lesão do epitélio respiratório desencadeia uma resposta inflamatória mediada por células do sistema imunitário, cujo objectivo é controlar o insulto inicial e iniciar o processo de regeneração epitelial. Na maior parte das vezes é um processo limitado no tempo. A rinossinusite crónica surge quando não há interrupção da resposta inflamatória, mantendo-se e perpetuando a lesão do epitélio. Sabemos muito sobre a resposta inflamatória e os tratamentos disponíveis visam controlar essa resposta descontrolada. Em relação à causa primária, ao insulto epitelial inicial, sabemos muito pouco. Excetuando alguns grupos de doença específicos, como seja os doentes com doença respiratória exacerbada pela aspirina, a causa muitas vezes não é evidente. Há provavelmente uma interação entre fatores genéticos e epigenéticos com agentes víricos, bacterianos, ambientais e fúngicos.
Como é feito o diagnóstico?
Dr. Fernando Vales - O diagnóstico baseia-se nos sintomas e na observação endoscópica do nariz, verificando-se a presença de pólipos nasais, secreções e edema inflamatório da mucosa nasal, complementado, quando indicado, por Tomografia Computorizada dos seios perinasais.
A gravidade relaciona-se com o controlo sintomático, sendo o objetivo do tratamento alcançar e manter o controlo clínico da doença (um estado em que o doente não apresente sintomas ou em que estes não afetem a sua qualidade de vida). Isso pode ser avaliado por escalas visuais/analógicas de 0 a 10 em que 0 é a ausência total de sintomas e 10 a pior gravidade imaginável. Aplicam-se também questionários de qualidade de vida específicos da RSC.
Os doentes que não atingem um nível aceitável de controlo sintomático apesar do tratamento apropriado podem ser considerados com rinossinusite crónica grave.
Que impacto tem a rinossinusite crónica grave com polipose nasal no dia a dia do doente?
Dr. Fernando Vales - Os efeitos adversos na qualidade de vida do doente com RSC grave com polipose nasal são significativos, com um enorme impacto na vida pessoal, profissional e social. A obstrução nasal persistente provoca alterações do sono com consequente fadiga crónica e alterações do humor. As alterações do olfato e do paladar criam grande desconforto e ansiedade. Tem custos diretos elevados para o doente, como as consultas, medicação crónica e tratamento cirúrgico, se necessário; sendo os custos indiretos muito maiores, dado que cerca de 85% dos doentes são de idade ativa (18-65 anos), levando a ausências ao trabalho, escola e diminuição da produtividade.
Quais são os tratamentos atualmente existentes para esta doença?
Dr. Fernando Vales - O tratamento deve ser adequado a cada paciente e individualizado, visando obter o controlo sintomático da doença e consiste em lavagens nasais com soluções salinas, corticóides tópicos ou orais e, se o doente for alérgico, o uso de anti-histamínicos deve ser considerado. Na suspeita de infeção usam-se antibióticos. O objetivo do tratamento é alcançar o controlo satisfatório dos sintomas com a menor terapia possível. Se os sintomas persistirem após dois a três meses de tratamento médico apropriado, deve ser considerada a opção de tratamento cirúrgico.
Dado ser uma doença crónica, a cirurgia endoscópica nasal tem como objetivo, além da remoção dos pólipos nasais, restituir a fisiologia nasal normal, permitir uma ventilação adequada, facilitar a depuração mucociliar e a aplicação de tratamentos tópicos, com consequente alívio sintomático. A cirurgia é uma etapa do tratamento, devendo ser mantido o tratamento médico após a cirurgia dado que os pólipos podem recidivar. Estudos mostram taxas de cirurgia de revisão de 11% em três anos, 21% em cinco anos e 25% em dez anos.
A presença de pólipos nasais com asma brônquica e alergia concomitantes está associada a um maior risco de recidiva.
Na recorrência da polipose, após tratamento cirúrgico adequado e em casos graves pode haver indicação para tratamento com medicamentos biológicos (anticorpos monoclonais).
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