Passear pela floresta, ouvir o chilrear dos pássaros ou dar um mergulho no mar são atividades que trazem uma sensação de bem-estar a muitos de nós e isto tem que ver com a relação que temos com a natureza e com os benefícios da mesma na nossa saúde.
Está provado cientificamente que estar em contacto com a natureza, num simples passeio, contribui não só para a diminuição da pressão arterial e para o reforço da função imunológica, cardiovascular e respiratória, como também reduz o stress e estado de depressão.
Isto pode acontecer numa simples caminhada pela floresta, contudo, existe uma atividade que pretende elevar esta relação a outro nível, mais sensorial: os banhos de floresta. “O banho de floresta vem de uma prática japonesa, Shinrin-Yoku, que significa ‘tomar banho na atmosfera da floresta’ e onde se convida os participantes a desacelerar, a despertarem os sentidos e a conectarem-se com o seu corpo”, explica Milene Domingues, guia e terapeuta de florestas.
Esta prática, reconhecida pelas instituições de saúde japonesas, surge no início dos anos 1980 como profilaxia para o karoshi, “morte por excesso de trabalho”. “Além de haver pessoas a morrer por excesso de trabalho, havia uma taxa de suicídio altíssima. As pessoas deixaram de se sentir, o foco era produzir”, acrescenta Milene.
A ideia de que tive um tumor porque não respeitei o meu corpo começou a ressoar muito em mim
Também Milene já sentiu os efeitos do excesso de trabalho e, em 2017, à beira de um esgotamento, procurou ajuda. “Eu trabalhava em design com uma grande empresa municipal, com eventos constantes. E houve uma altura em que trabalhávamos 14/16 horas, sábados domingos. Passava muito tempo sem ver o meu filho, o meu marido, e por consequência, a mim própria. E comecei a perceber que estava a entrar numa grande depressão”, conta. Por isso, decidiu parar e procurar encontrar-se. Começou por ter sessões de coaching onde percebeu que o seu habitat era a natureza e por isso procurou fazer terapia na floresta com Alex Gess, pioneiro destas práticas em Portugal, através da Forest Therapy Hub.
Esta consciência corporal, e necessidade de se escutar, também ganhou maior força quando, aos 30 anos, foi diagnosticada com um tumor maligno. “Eu era uma pessoa muito saudável, nunca fumei, nunca consumi drogas. Gostava de sair, bebia os meus copos, adorava dançar, mas portava-me bem, como eu costumo dizer. Foi uma coisa que me abanou bastante na vida, por isso, comecei a tentar perceber que medicinas alternativas existiam. E a ideia de que tive um tumor porque não respeitei o meu corpo começou a ressoar muito em mim”, conta.
Qual é o preço que estás disposto a pagar para cuidares de ti?
Após a terapia, procurou também ela formar-se na área e há quatro anos deixou a profissão de designer. Primeiro tirou o curso de Guia de Banhos da Floresta e Profissional de Medicina da Floresta, e mais tarde rumou a Itália para se especializar no comportamento das plantas. “O curso de guia de banhos da floresta foi só o fósforo”, conclui.
Atualmente Milene estuda a inteligência das plantas e Neurobiologia Vegetal, área a que se dedica desde 2019. “Não é fácil virares a vida ao contrário, mas é das coisas mais libertadoras que se pode fazer”, desabafa. As pessoas à volta acabaram por fazer juízos de valor e não compreender a tomada de decisão, mas para Milene sempre foi muito clara a voz que teria de ressoar mais alto: a do coração. “O que é mais importante para ti? Os outros, o que pensam, o que fariam, ou és tu e o que te faz feliz? Qual é o preço que estás disposto a pagar para cuidares de ti”, diz. Milene escolheu não pagar nada e seguir o seu coração.
Banhos de floresta: despertar os sentidos e desacelerar
Antes de começar a sessão de banhos de floresta, Milene explica que esta não é uma caminhada pela natureza, como muitos podem confundir. Aqui o objetivo é “explorar os sentidos e desacelerar” através de uma série de convites feitos pela guia.
Os banhos de floresta são uma introdução às terapêuticas que se podem fazer neste meio e à qualidade de vida que estas práticas podem trazer às pessoas, porque, como explica Milene: “Nós temos umas células que se chamam natural killers [células de defesa do sistema imunitário] que são afetadas e vão diminuindo, quando andamos constantemente stressados e ansiosos. Portanto, quando as pessoas perceberem que os altos níveis de stress as adoece, talvez aí consigam alterar o seu estilo de vida, comecem a desacelerar e a cuidar mais de si.”
A anfitriã começa por fazer o primeiro convite: deixar de fora os telemóveis e o relógio. “Aqui não há tempo, não há pressas”, diz.
Os participantes estão prestes a mergulhar na floresta para seis horas onde estarão completamente desconectados de tudo o que não seja a natureza. “Este é o grande desafio da nova era. As pessoas estão constantemente ligadas às redes sociais, estão sempre ligadas a qualquer coisa exterior, nunca a elas. Vivem sempre para fora e nunca para dentro”, explica a guia.
A floresta escolhida tem a curiosidade de ter uma espécie de portal de entrada, em que, depois de a atravessar, sente-se de imediato a diferença de temperatura, do ar que se respira e do ruído. Aqui ouve-se a água a correr, as folhas a deixar o seu ramo, o estalar dos troncos, como se alguém os pisasse, o vento a serpentear as folhas das árvores e o deslizar da lama nas solas de borracha.
As pessoas que se fecham, não conseguem viver nem a experiência, nem a vida delas provavelmente
Logo à entrada é sugerido aos participantes que se aproximem do pequeno ribeiro que corre e que “molhem a testa e a zona do peito junto ao coração.” A explicação está na conexão que se pretende manter com a natureza durante os próximos momentos. “A água é energia e a água tem sabedoria, então, se estamos a entrar num lugar, e se nos queremos relacionar com a energia desse lugar, temos de dar a conhecer a nossa água à água desse lugar. Tem que ver com isso”, esclarece. A água, como elemento mais abundante tanto no corpo humano como no planeta, é também significado de calma e serenidade “faz-nos conectar com algo e dá-nos conforto”, diz Milene.
Este tipo de práticas podem também ser alvo de alguns preconceitos, julgamentos e confundida com rituais paranormais. “Essa seita que são os abraçadores de árvores”, ri Milene.
Por isso é igualmente importante que quem participa nestas experiências, mesmo que não esteja convencido da utilidade ou intenção, se entregue e mantenha o espírito aberto. “As pessoas que se fecham, não conseguem viver nem a experiência, nem a vida delas, provavelmente. Uma pessoa que não consegue escutar e sentir dificilmente é feliz na sua vida”, defende.
Nos banhos de floresta são feitos uma série de convites que visam despertar sentidos. “Nós temos mais do que os cinco — visão, olfato, audição, palato e tato — só que não estamos habituados a usá-los”, diz. O “radar corporal” é um deles.
Os participantes são convidados a vendar os olhos e, com os braços junto ao corpo e as palmas das mãos abertas, a rodarem sobre si próprios com o intuito de escolher um sítio, ou posição, que os deixe confortáveis. “Com este sentido conseguimos detetar uma fonte de atração, algo que não vemos e chama por nós”, explica. A razão porque se escolhe um lugar em particular não é importante, nem mesmo pensar sobre isso, porque aqui a ideia é deixar a parte racional de fora e confiar apenas no corpo.
Durante uma breve caminhada, também se desafia o paladar. “Pretende-se saborear a floresta sem a comer”, diz Milene. A ideia deste exercício é que, de nariz tapado, se inspire de forma profunda, com a boca bem aberta, alguns elementos da natureza, como troncos, folhas ou ramos, e detetar o seu sabor. Para os menos experientes, este pode ser um exercício difícil de concluir com sucesso. “O paladar é um dos sentidos que temos vindo a perder porque começámos a ingerir alimentos processado. No entanto, é um sentido muito importante, por exemplo, para perceber o nosso estado de saúde”, explica Milene.
Após caminhar com o objetivo de saborear a floresta, Milene introduziu um novo desafio para um novo sentido: o sentido do coração, ou “sentir o momento presente”. “Este sentido localiza-se em torno do coração e é incrivelmente sensível e inteligente. Para explorá-lo basta fazer uma pausa e fazer a pergunta ‘como é isto’ e sentir. É diferente de responder à pergunta ‘como é isto’”, explica Milene.
A ideia era escolher um local perto da água – zona de água nascente – e fazer várias aproximações com a mão à água com a finalidade de “sentir as sensações no corpo.” Pôr de parte a mente e usufruir das diferentes sensações só a partir do coração é o desafio. “Porque a partir do momento que se desce da mente para o coração passamos a estar no aqui e agora. Quando se sente é outro tipo de inteligência, é uma inteligência que vai para lá daquilo que explicamos por palavras”, esclarece.
Basta-me ficar 20 minutos ao pé daquela árvore para haver possibilidade de cura
O reino vegetal é a grande paixão de Milene e desde pequena que sonha com uma floresta só sua. O sonho tornou-se realidade e, neste momento, está a desenvolver um projeto que se chama Ngura – Floresta de Cura, que visa “ser a primeira floresta de cura no país”, diz Milene. “Estou a recolher árvores autóctones de Portugal continental e essas, essas árvores são plantadas em função das linhas bioenergéticas do planeta.”
Na zona de Óbidos, em local secreto, existem dois hectares e meio de terra onde já foram plantadas cerca de 1400 árvores e cerca de 100 estão em viveiro a aguardar irem para terra.
Nas suas formações em Itália, Milene cruzou-se com Marco Niere, arquiteto paisagista de formação que começou a explorar a temática das “linhas bioenergéticas” e a perceber que existiam “vetores eletromagnéticos naturais capazes de transmitir as propriedades energéticas das árvores”, como podemos ler no livro de Milene, “Ngura – Floresta de Cura”.
Conhecido isto começaram a ser criadas as chamadas as florestas de cura, em que “as árvores são localizadas com alta precisão” nesses vetores, sendo possível, a conexão a cada órgão do nosso corpo com a mesma vibração. “Se eu tiver uma patologia no fígado, órgão que tem a vibração de determinada árvore, basta-me ficar 20 minutos ao pé daquela árvore para haver possibilidade de cura através da alteração da vibração das minhas células”, exemplifica.
Sabe-se também que grande parte dos fármacos são compostos através de compostos vegetais, extraídos de árvores e plantas, “só que depois são adicionados químicos”, reitera.
Milene acredita que as árvores e plantas têm esta capacidade de interagir e comunicar com o ser humano, mas para isso “é necessário que a árvore nos conheça, que criemos uma relação com ela”.
Rodeados de árvores como aveleiras, eucaliptos e castanheiras, a terapeuta desafia os participantes a criarem uma relação com uma árvore através de um exercício complexo e com alguns passos que envolve contemplação, diálogo e contacto físico (o abraço) com a árvore e que ali permaneça durante alguns minutos. O objetivo pode não ser sentido à primeira, essa relação pode não acontecer, mas a terapeuta assegura que ela acabará por acontecer um dia.
Apesar de Portugal ser um país que ainda não integrou estas práticas no seu sistema de saúde, Milene pretende continuar a seguir o seu sonho e a divulgar a floresta como um meio de cura. E lamenta que as pessoas não tenham uma relação mais próxima com a floresta, como acontece nos países nórdicos.
Também para o preconceito das pessoas, Milene tem uma resposta. “Nós vivemos numa sociedade de imagem. O que é que os outros vão pensar se eu faço isto, se tenho isto vestido, se consumo ou uso isto. Está na hora de deixarmos esta 'Era do Ter' para passarmos a entrar na 'Era do Ser'. Está na hora de perguntar: o que é que tu és?”. A pergunta fica em aberto.
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