Liliana Monteiro foi diagnosticada com angioedema hereditário aos 14 anos. Até ao momento do diagnóstico, tinha sintomas frequentes como dores abdominais e edemas nos olhos e na face, mas que, na maioria das vezes, desvalorizava. Inclusive os médicos, que associavam estes sintomas a possíveis alergias ou a ansiedade.

Após sucessivos internamentos e um edema ocular, aos 14 anos, foi submetida a uma bateria de testes e, daí, resultou o diagnóstico e a certeza de que viveria com angioedema para o resto da vida. Só depois do diagnóstico e após pesquisa genética, se percebeu que vários membros da família materna são portadores da doença. Muitos deles, devido à idade, apesar dos sintomas, terão ficado por diagnosticar.

1. Quando começaram a surgir os primeiros sinais/sintomas da doença?

Os primeiros sinais da doença surgiram ainda era muito pequena, por volta dos 6 anos, sendo que nessa altura não tinha qualquer diagnóstico de angioedema hereditário. Manifestava-se sobretudo por dores abdominais, vómitos e diarreia. Estes sintomas mantinham-se durante 3 ou 4 dias e depois voltava a normalizar. Só mais tarde, quando a doença me foi diagnosticada, é que associei estes sintomas a angioedema hereditário.

2. O que é o angioedema hereditário? E qual o seu tipo?

O angioedema hereditário é uma doença que se caracteriza por crises agudas de edemas na pele e/ ou nas mucosas. O edema pode atingir em qualquer parte do corpo e/ ou mucosas, nomeadamente, nas vias respiratórias superiores ou no tubo digestivo (o denominado edema da glote, um dos mais graves). As crises agudas podem surgir de forma espontânea ou devido a situações como stress emocional, traumatismos, infeções, procedimentos médico-cirúrgicos ou induzidas por medicamentos estrogénios/ métodos contracetivos. Na maioria dos casos, o angioedema hereditário uma doença hereditária causada por défice de C1 inibidor esterase e existem 2 tipos mais frequentes: tipo I (défice quantitativo) e tipo II (défice qualitativo). O angioedema hereditário com que fui diagnosticada é tipo II.

3. Pelo que nos conta, o seu diagnóstico não foi imediato?

O diagnóstico não foi nem fácil nem rápido. Por volta dos 11 anos, acordei com um inchaço na face sem motivo aparente. Na Urgência não foi possível chegar a um diagnóstico conclusivo, e foram apontadas hipóteses como uma alergia, consequência de uma pancada, uma picada de inseto, etc. Mas a partir dessa altura, começaram a surgir edemas como maior frequência, até que aos 12 anos tive um episódio de edema na garganta. Estive internada no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, durante uns dias, mas continuei sem diagnóstico mesmo após a alta. Entretanto, fui reencaminhada para a consulta de Imunoalergologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde fiz uma bateria de testes a possíveis alergias, todos eles com resultado negativo. Contudo, foi neste hospital, ao fim de alguns meses, que obtive o diagnóstico conclusivo: angioedema hereditário.

4. Os sintomas perturbavam o seu dia a dia?

Durante esse período, quando desenvolvia crises, mesmo que ligeiras, foram muitas vezes impeditivas quer de trabalhar, quer de realizar atividades de lazer. Por exemplo, quando tinha crises que afetavam membros inferiores, o inchaço era tão grande que me impedia de andar, até porque, normalmente afetavam os dois pés em simultâneo. Já nas mãos, cheguei a ir trabalhar com uma mão tão inchada que parecia do tamanho da mão do Shrek.

5. Quais as suas principais preocupações relacionadas com a doença?

Durante muitos anos a minha maior preocupação foi, sem dúvida, desenvolver uma crise grave estando longe do hospital, uma vez que a doença era desconhecida e a medicação muito restrita ou quase nenhuma. Com o passar dos anos, e depois de ser mãe, a minha maior preocupação era a de que o meu filho pudesse ser portador da mesma doença (o que até agora, e já depois de fazer exames em dois momentos da sua vida, não se verificou), assim como a preocupação de desenvolver uma crise muito grave que me possa causar a morte.

6. Qual é/como é o tratamento?

Existem dois tipos de tratamento para o angioedema hereditário: o tratamento preventivo de crises agudas, através de uma injeção subcutânea, que faço em casa; e o tratamento de crises aguda, em forma de administração subcutânea ou concentrado de C1 Inibidor de administração endovenosa, em ambiente hospitalar.

7. Qual o momento mais difícil que passou devido à doença?

O momento de maior risco foi, sem dúvida, aos 15 anos quando tive uma crise de edema da glote com necessidade de recorrer a ventilação mecânica. O momento mais difícil foram os nove meses de gravidez, altura em que a doença se agravou ao ponto de ter de dirigir-me ao hospital todos os dias da semana e, por vezes, mais do que uma vez por dia, ora para fazer diariamente terapêutica preventiva, ora para ser submetida a tratamento das crises agudas que desenvolvia. O pós-parto, durante os três primeiros meses também foi muito complicado, mas com o passar do tempo, tudo voltou a normalizar-se.

8. Atualmente consegue fazer a vida sem contratempos associados à doença?

Desde junho de 2021, com a medicação que faço (injeção subcutânea), as crises são praticamente inexistentes, e o facto de ter comigo medicação para situações de SOS, dá-me outra segurança, acredito que seja um sentimento comum a todos os doentes com angioedema hereditário. A doença não influencia em nada o meu dia a dia. Sei que vivo com esta doença, mas, honestamente, não me lembro dela. Claro que se desenvolver uma crise, mesmo que ligeira, fico mais sensível, mas no dia a dia, não me traz contratempos. Há uns anos os períodos de férias fora de casa eram um stress, mas neste momento é algo que também não me preocupa, já que vá para onde for, tenho a possibilidade de levar a medicação SOS. É como eu costumo dizer: “As pessoas têm animais de estimação que os acompanham, eu tenho o angioedema que anda sempre comigo”.