A Psicologia afirma que, não raras vezes, esta é a perda mais dolorosa que um ser humano pode vivenciar, resultado da natureza devastadora e incompreensível que define este processo de luto.

Dada a importância do papel parental, a perda de um filho envolve a sensação da perda da própria identidade, enquanto figuras parentais e pessoas – o que justifica, em parte, a sensação de vazio que é apontada pelos pais. Ou seja, esta sensação não é apenas originada pela ausência física do outro, mas também por esta sensação de desfragmentação da própria identidade (“é como se uma parte de mim tivesse sido roubada”).

Neste sentido, são igualmente descritos conflitos de identidade. Para além dos pensamentos repetitivos e automáticos como “quem sou eu agora?”, os pais questionam-se se é adequado incluir o descendente perdido no número de filhos e se continuam a ser reconhecidos como “pais” pela sociedade, caso se tratasse do único filho.

A principal emoção presente neste processo de luto é a culpa. As crenças irrealistas dos pais de que possuem a obrigação de proteger incondicionalmente os filhos, em associação ao sofrimento atroz gerado pela perda, facilitam o desenvolvimento de pensamentos de autorresponsabilização. Outra emoção que predomina neste luto é a raiva, dada a sensação de impotência e injustiça descrita pelos pais.

Neste contexto de perdas múltiplas e intenso sofrimento, os pais tendem a vivenciar um reduzido suporte social. Na maioria das vezes, o círculo de pessoas próximas afasta-se e sente que não tem recursos para gerir o sofrimento dos pais, não se demonstrando disponível para os escutar. É importante evidenciar que dialogar acerca da perda é fundamental para a expressão emocional e integração da perda na identidade.

Um fenómeno representativo da intensidade deste sofrimento são as taxas de mortalidade tendencialmente superiores dos pais que sofrem esta perda. As investigações apontam para um risco elevado de serem desenvolvidas perturbações mentais, como a depressão e a perturbação do stress pós-traumático; existir um decréscimo da saúde física, associado a doenças como o cancro e patologias cardíacas. Igualmente elevado é o risco de suicídio, percecionado pelos pais como o único recurso para terminar com este “sofrimento que parece não ter fim”.

Os fatores de risco para complicações no luto são, exatamente, a idade reduzida do descendente aquando da sua morte, a natureza repentina e a consequente ausência de preparação para gerir a dor e a existência de uma relação de dependência.

No que diz respeito à faixa etária do filho, sabe-se que uma das principais causas de morte na infância é a Síndrome de Morte Súbita Infantil, uma morte inesperada e frequentemente associada a sentimentos de impotência e falha no papel parental.

No entanto, alguns autores afirmam que a perda de um filho numa fase tardia da vida tende a ser mais dolorosa, na medida em que acontece num contexto de múltiplas perdas sociais e interpessoais. Na terceira idade, esta perda tende a ser vista como particularmente inesperada e contranatura, uma vez que os pais consideram que são os próximos a morrer e nunca os seus descendentes.

No contexto das relações humanas, esta perda tem vindo a ser a perda mais severa, duradora e debilitante. As tendenciais dificuldades associadas à gestão das diferenças na reação à perda dificultam a coesão entre o casal e o risco de divórcio dos pais em luto é elevado. Na maioria das vezes, os homens tendem a tornam-se menos comunicativos e emocionalmente expressivos, atitude que pode ser percecionada pelas mulheres como desvalorização da perda ou esquecimento do filho perdido. Não obstante, os estudos apontam que esta atitude é adotada pelo desejo de seguir o que é socialmente esperado, designadamente ser forte e proteger a mulher do sofrimento, ainda que estejam igualmente dilacerados por dentro.

Por acréscimo, destaca-se o relato dos irmãos em luto, os quais acentuam que não só perderam um irmão ou irmã, mas também os próprios pais que “nunca mais voltaram a ser os mesmos”. Ou seja, o sofrimento destes pais é tão severo que sentem que não possuem disponibilidade emocional ou cognitiva para continuar a ser pais dos filhos remanescentes.

O processo de reconstrução da identidade, quando conseguido, permite alcançar alguma estabilidade, dada a atenuação da desorganização e sofrimento emocional provocados pela perda. Mas, à luz do que é evidenciado pelos irmãos em luto, os pais reconhecem mudanças duradouras e afirmam ser impossível regressar ao funcionamento anterior à perda, dado que nova identidade é reconstruída em função da experiência de sofrimento da perda.

A perda de um filho é uma experiência traumática com consequências para toda a vida dos pais e irmãos. Não obstante, não se encontra sozinho(a). Procure ajuda especializada perante tamanha dor.

As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.