Os tiques são movimentos ou verbalizações breves, automáticas, repetitivas e não-rítmicas, que ocorrem fora de um contexto social, gramatical ou afetivo adequado. Podem ser simples (como piscar os olhos, revirar os olhos, torcer o nariz e acenar) ou complexos (como tocar em partes do corpo, saltar e pôr-se de cócoras). Estes tiques habitualmente surgem por volta dos 5-7 anos de idade, em crianças que tendem a exibir, anteriormente, problemas a nível de impulsividade, ansiedade ou hiperatividade, vão-se agravando na adolescência (por volta dos 12 anos) e, tendencialmente, diminuem na idade adulta. Porém, raras vezes, e na ausência de intervenção, são totalmente eliminados.
Tais movimentos ou verbalizações podem configurar a denominada síndrome de Gilles de la Tourette, uma perturbação neurodesenvolvimental caracterizada, precisamente, pela presença de tiques motores e verbais. Está presente em cerca de 1% das crianças e jovens em idade escolar, assim como em alguns adultos, e é três vezes mais prevalente em homens do que em mulheres. Na sua origem, os dados apontam para uma origem genética, mas surge também outros quadros explicativos, designadamente fatores ambientais (problemas neuroimunológicos, problemas pré e peri-natais e problemas hormonais).
Na síndrome de Gilles de la Tourette, os tiques usualmente surgem na cabeça e o piscar de olhos é o tique mais frequente. Estes tiques, por seu turno, tendem a alterar-se em número, localização, frequência e severidade ao longo do tempo. Tiques vocais simples incluem fungar, pigarrear, engolir, bufar ou tossir e tiques vocais complexos podem passar por ladrar ou fazer barulhos de animais.
Os tiques verbais têm motivado maior atenção, podendo ainda manifestar-se através da necessidade de copiar o que outra pessoa diz (ecolalia), da necessidade de repetir a última palavra proferida por outra pessoa (palilalia), ou da necessidade de praguejar e dizer obscenidades de forma desadequada e involuntária (cropolalia).
Os tiques são habitualmente antecipados através de sensações premonitórias, para alguns descritas como fenómenos físicos (sensação de tensão ou aperto na região específica onde o tique é desempenhado) e para outros como fenómenos mentais (perceção de tensão, de que se “tem” de agir). Estas sensações podem mesmo ser comparadas à necessidade de tossir ou de coçar uma comichão. A realização do tique vai, assim, neutralizar a tensão que a sensação premonitória provoca e trazer uma sensação de alívio, o que, não raras vezes, reforça a realização dos tiques.
Ao contrário de outras perturbações semelhantes, pessoas com síndrome de Gilles de la Tourette podem conseguir suprimir voluntariamente o tique, sobretudo se este for causa de embaraço. Porém, tal supressão leva a um aumento interno de tensão e mal-estar que habitualmente resulta em comportamentos compensatórios (um agravamento temporário dos sintomas).
A Gilles de la Tourette é, sem dúvida, causadora de grande mal-estar afetivo e social, que põe em causa a qualidade de vida das pessoas que dela sofrem e dos que as rodeiam (como, por exemplo, dos pais). Nas crianças, a presença de tiques frequentes leva a maiores dificuldades na realização de rotinas e tarefas na escola, em casa e com os pares. A nível social, a presença de tiques desajustados leva a que estas crianças sejam, frequentemente, alvo de troça, apelidos maliciosos e, de modo geral, bullying. Esta ostracização é, nomeadamente, responsável pela elevada prevalência de depressão em crianças com esta síndrome.
O próprio desempenho escolar dos jovens é afetado pela presença dos tiques. Um estudo realizado pela investigadora Andrea Cavanna e colegas, em 2013, revelou que 46% das crianças com Gilles de la Tourette apresentam problemas na escola. A elevada prevalência de Perturbação de Défice de Atenção e Hiperatividade em jovens com esta síndrome (entre 60% a 80%) poderá agravar os problemas escolares e contribuir para o aparecimento de perturbações de comportamento.
Os pais destes jovens são também afetados e muitos evidenciam sintomas de stress, ansiedade e depressão. A existência de tiques causadores de embaraço leva, frequentemente, a que todo o núcleo familiar se isole da comunidade (vizinhos e amigos) e evite procurar auxílio para o tratamento da perturbação, podendo sentir vergonha. Adicionalmente, a consciência de que o(a) filho(a) tem uma perturbação psicológica pode levar a sentimentos de culpa, dificuldades em estabelecer regras de forma consistente e dificuldades em gerir os sintomas do(a) filho(a). Tudo isto causa tensão e mal-estar no núcleo familiar.
Sendo a Gilles de la Tourette uma síndrome que afeta diferencialmente crianças e adultos, no próximo artigo será explorado o impacto da perturbação nestes últimos, algumas estratégias que as famílias podem adotar para lidar com os sintomas, assim como os tipos de intervenção eficazes na redução dos tiques.
Procure ajuda. Não está sozinho(a).
Um artigo dos psicólogos clínicos Mariana Moniz e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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