Este novo regime de trabalho foi uma delas. Embora tenhamos todos mostrado uma enorme capacidade de adaptação, é também comum sentirmos dificuldades em gerir o stress que estas mudanças e este novo regime de trabalho exigem. Para além disso, em muitos casos, além de um novo formato de trabalho, acresce uma gestão radicalmente diferente da vida, num espaço da casa agora transformado numa multiplicidade de espaços e de tempos. Acresce ainda a incerteza e as mudanças constantes associadas ao desconfinamento gradual.
Segundo um estudo recente divulgado pela Universidade Europeia, 49% dos portugueses inquiridos sentem que trabalham mais estando em casa do que trabalhariam numa situação normal. No mesmo estudo, as mulheres reportam um nível mais elevado de stress e cansaço, em comparação com os homens.
Estas mudanças acontecem num contexto completamente extraordinário. Não se trata apenas de teletrabalho. Tentamos travar uma pandemia que, naturalmente, traz consigo um conjunto condicionantes e preocupações que acabam por desgastar ainda mais as pessoas. Aliado a isto, o isolamento social, o sedentarismo, a dificuldade em estabelecer “limites” e horários e a má alimentação, são fatores que contribuem para o aumento dos níveis de stresse.
Primeiro que tudo é importante termos noção de que é natural sentirmo-nos stressados, cansados, frustrados e sobrecarregados com toda esta situação. Temos que gerir muita informação e mudanças constantes, ora no sentido do confinamento e da compreensão do que se estava a passar, ora no sentido do desconfinamento gradual e de como podemos fazê-lo em segurança. é necessário aprendermos a confiar em nós próprios e na nossa capacidade para gerir estes sentimentos. Por vezes, sentimo-nos “fracos”, porque estamos mais tristes ou zangados, ou porque não sentimos tanta vontade de fazer coisas, ou até de aproveitar para realizar as sugestões e estilos de vida que vamos vendo nos media. Pelo contrário, temos sido muito fortes, e mesmo quando vacilamos um pouco, poderá ser uma respostas ao desgaste precisamente de todas as mudanças, pressão e incerteza que temos gerido.
Para gerirmos o teletrabalho com maior equilíbrio emocional poderá ser importante manter uma rotina e estrutura. Em casa, o trabalho pode ser mais autorregulado e isso é mais difícil. Se no local de trabalho tínhamos uma rotina e horários, em casa não deve ser diferente. Isto ajudá-lo-á a conseguir manter a “divisão” trabalho/vida familiar. Tentar encontrar um lugar onde possa passar a trabalhar também ajuda a “desligar” quando encerrar o computador e a sair desse mesmo local. Fazer várias pausas e fazer uma tarefa noutra divisão da casa, de forma a evitar estar o dia todo sentado à secretária, também é muito importante. A rotina implica estabelecer horários para trabalhar, por isso, as pessoas devem cumpri-lo. Ficar a trabalhar até tarde e non-stop só porque está em casa não é saudável nem para o próprio, nem para a sua família. É importante haver tempo para tudo.
É importante continuarmos “ligados” – o distanciamento físico não significa necessariamente distanciamento social, isolamento ou cortar relações com as pessoas com as quais convivia todos os dias. Pode e deve continuar a fazê-lo por telefone, videochamada ou gradualmente estar com pessoas, mantendo as regras de segurança para si e para todos. Falar com outras pessoas, partilhar experiências, sentimentos, dificuldades que esteja a sentir é importante e é uma forma de conseguir continuar a relacionar-se com as equipas.
É importante mantermo-nos saudáveis e não descurarmos a alimentação. A alimentação influencia muito o humor, a energia, a capacidade de concentração e o desempenho. Por isso, devem ser privilegiados alimentos nutricionalmente ricos, evitando o fast-food e processados. Aliado a isto, é importante manter a atividade física. O exercício é benéfico não só para a saúde física, como também mental. Levantar-se e andar pela casa, subir e descer escadas ou fazer alongamentos. Aproveitar as horas de almoço ou o final do dia para caminhar. O exercício físico ajuda a reduzir e aliviar o stresse e a libertar endorfinas. Pode também treinar ao ar livre e aproveitar para repor os níveis de vitamina D.
É certo que nem sempre conseguimos evitar os picos de stresse ou os dias mais difíceis, mas devemos fazer um esforço para que estas situações sejam exceções e não a regra. Tentar implementar estas pequenas alterações podem ajudar a criar um ambiente mais saudável perante esta nova forma de trabalhar, que muitos já acreditam ser adotada de forma mais estabelecida no futuro.
Para que tudo isto se materialize e, de facto, resulte a entidade patronal tem também um papel crucial. A Organização Internacional para o Trabalho salienta o papel do apoio das estruturas de gestão, a flexibilização do tempo e a confiança. Em primeiro lugar, deve garantir que o colaborador tem todas as condições materiais e físicas para implementar este regime de trabalho à distância, tornando possível o desempenho das suas funções num ambiente confortável e apropriado. Deve também criar canais e linhas de comunicação regulares com os colaboradores para os manter informados, esclarecidos e a par do dia-a-dia da empresa. Além disso, encontrar estratégias e atividades que promovam e reforcem o sentimento de união e pertença organizacional é fundamental. A flexibilidade de horários na execução das tarefas deve também ser privilegiada, de forma a promover uma maior produtividade e motivação dos colaboradores, facilitando a adaptação a esta nova realidade. O teletrabalho pode oferecer aos trabalhadores a flexibilidade de realizar seu trabalho nos horários e locais mais convenientes para eles, mantendo-se contactáveis durante o horário de trabalho. Essa flexibilidade é essencial para tornar o teletrabalho eficaz, pois permite que o teletrabalhador faça uma gestão do seu trabalho juntamente, com suas responsabilidades pessoais, como cuidar de crianças, pais idosos e familiares doentes.
Alinhamento com a missão organizacional, confiança e a responsabilidade são aspetos centrais do teletrabalho. Gestores, teletrabalhadores e colegas precisam confiar uns nos outros e cada um assumir a sua responsabilidade perante um coletivo, mantendo o respeito pela privacidade e organização da vida pessoal.
Um artigo da psicóloga clínica Emília Moreira, especialista no Hospital Lusíadas Porto.
Comentários