Não raras vezes as primeiras consultas com os meus clientes começam com a apresentação de um autodiagnóstico e a enumeração de um conjunto de tentativas de tratamento para o problema que nunca foi identificado por profissionais de saúde. Geralmente é o Dr. Google ou as leituras soltas que formam esse diagnóstico livre e que fazem com as pessoas o assumam veemente como sendo real. Alguns já vêm treinados com uma linguagem técnico-científica, aplicada de forma imprópria e desadequada, mas que lhes faz sentido. E quando algo nos faz sentido é porque deve ser automaticamente verdadeiro, certo? Errado.
Nessa abordagem inicial chegam a partilhar comigo aplicações de meditação ou de exercícios de respiração que resultam, mas só “de vez em quando”, enquanto outros mostram uma lista considerável e impressionante de livros de autoajuda cujos exercícios tentaram colocar em prática, sem sucesso.
Não obstante o inegável conhecimento adquirido e os benefícios imediatos que esses recursos possam promover, as pessoas que os consomem acabam por chegar à mesma pergunta: por que é que faço tudo o que indicam nos livros e nas aplicações e não chego aos resultados prometidos? A minha resposta é simples e direta: porque os livros de autoajuda e as aplicações pseudo-terapêuticas são generalistas, estão na moda e não substituem de forma nenhuma uma intervenção psicológica estruturada.
Hoje em dia, as pessoas consomem compulsivamente estes conteúdos e apegam-se à ilusão de que todos os seus problemas serão resolvidos facilmente. A ideia de que existem fórmulas mágicas universais que, se colocadas em prática, irão mudar a forma de pensar das pessoas e trazer-lhes resultados incríveis num curto espaço de tempo, é amplamente vendida e rentabilizada. Mas é também perigosa. É que a acumulação de conhecimento não significa que o mesmo esteja a ser colocado em prática de forma correta ou que seja o adequado para a pessoa. Uma coisa é aprendermos algo novo, outra coisa é o conteúdo dessa aprendizagem ser realmente eficiente. O conteúdo ser interessante não significa que seja útil para as nossas necessidades.
Muitos livros prometem mudanças num curto espaço de tempo (semanas), evocando resultados garantidos na gestão das emoções, no controlo da ansiedade, na superação da depressão… De repente, qualquer psicopatologia é resolvida com um par de exercícios diários! É quase um insulto para os profissionais de saúde mental que dedicam as suas vidas a tratar de problemáticas com terapias baseadas em evidência.
Sob a promessa de mudanças rápidas, os mais entusiastas começam esses programas com determinação, mas poucos chegam ao fim. E menos ainda são aqueles que conseguem experienciar, de facto, alguma mudança positiva mensurável e durável. Por vezes, é uma questão de perceção (sim, acho que mudei, aprendi imenso). Mas o que mudou objetivamente?
Quando as pessoas não têm os resultados esperados, a mente elabora um pensamento semelhante a este: “se não funcionou comigo e funcionou com todas as pessoas que testemunharam terem tido efeitos reais, então o problema sou eu”.
O problema sou eu. A desilusão instala-se, a introspeção torna-se uma ruminação (pensamentos repetidos e quase obsessivos) e é aqui que a hipótese da psicoterapia, quase como último recurso, é colocada em cima da mesa, pela primeira vez. Para ver o que está errado em mim.
Mas então para que servem os livros e aplicações de autoajuda? Podem servir como fontes de conhecimento e/ou como complemento de um processo terapêutico conduzido por um profissional qualificado.
Vejamos o seguinte exemplo. Há livros que defendem o poder das afirmações positivas. Recomendam que as pessoas mudem o seu discurso interno negativo e comecem a dizer diariamente, em frente a um espelho, que são incríveis, capazes, maravilhosas, competentes, bonitas. Por momentos, até pode funcionar, porque há um despertar interno, uma espécie de entusiasmo despoletado pela sensação – ainda que ténue – que estamos no controlo. Quase um efeito placebo. Com pessoas que não tenham nenhum esquema ou crença disfuncional, nem nenhuma psicopatologia, as autoafirmações positivas podem ter um efeito significativo.
No entanto, com as pessoas que tenham problemas de autoestima ou uma estrutura psicológica mais vulnerável, que tenham esquemas e crenças desadaptativas, ou com a pré-existência de quadros clínicos, exercícios como este vão gerar um enorme conflito interno. Isto porque, a realidade que conhecem e que experienciam diariamente é contrária àquilo que estão a dizer, logo o cérebro vai assumir a autoafirmação positiva como sendo uma mentira absoluta. Ora, se evocam a sensação de mentira, as autoafirmações não só não surtem efeito como potenciam o conflito interno (por exemplo, o problema sou eu, não estou a conseguir fazer bem as coisas, nada funciona comigo, faça o que fizer sou um caso perdido).
O mesmo acontece com as aplicações de meditação, de exercícios de respiração, ou de journalling (escrita). Não haver uma avaliação prévia das necessidades de cada um e uma contextualização e personalização dos exercícios, os efeitos vão ser nulos ou estar aquém dos resultados efetivos que podem proporcionar. Alguém que considera que meditar é difícil ou que detesta escrever não vai ter efeitos nestes exercícios, porque o seu mindset não está direcionado para isso.
O processo de autoconhecimento é muito mais profundo do que o que se encontra nos livros. É um processo terapêutico que deve ser conduzido por profissionais, tendo em conta as peculiaridades de cada pessoa. Não é um processo estandardizado e generalista. Muito menos de senso comum ou de algibeira.
Se quer realmente mergulhar em si e quer ter resultados objetivos e mensuráveis, invista em ajuda profissional. Durante o processo tenha acesso a recomendações de livros, aplicações e técnicas que são ajustadas às suas necessidades e monitorizadas por alguém especializado, para as quais há validação científica.
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