Vivemos na era da tentativa de prolongamento indefinido da juventude, em que o belo está associado ao que é jovem, sem rugas, com vigor físico e mental, numa tentativa vã de negar aquilo que é mais natural em todos os seres vivos: o ciclo da vida.

Começamos a perder neurónios ainda antes do nosso nascimento. Esse processo deve-se ao estabelecimento da seletividade neuronal, ou seja, os nossos neurónios começam a especializar-se em determinadas funções. A partir dos 35-40 anos é que esse processo pode começar a dar lugar a alterações estruturais ou funcionais no cérebro, percetíveis pelo próprio ou por outros, geralmente com uma conotação negativa. Fruto de todas as condicionantes naturais da vida, nomeadamente da exposição a determinados agentes, noites mal dormidas, stresse excessivo, hábitos de consumo, em suma, a hábitos de vida menos saudáveis, começamos a constatar que não memorizamos tão bem as coisas como aos 20 anos. Começa a faltar-nos um ou outro nome, vamos sucessivamente ao frigorífico ou à despensa sem saber o que íamos buscar… Será isto normal? Quando é que sabemos que já não é normal? Na ausência de fatores de risco reconhecidos, como depressão, traumatismo cranioencefálico, acidente vascular cerebral, história familiar de doenças genéticas de início na idade adulta, ou outros, devemos primeiro refletir acerca do nosso estilo de vida atual e tentar fazer algumas alterações:

  • Melhorar a alimentação;
  • Combater o sedentarismo;
  • Promover a nossa saúde mental através do convívio e estabelecimento de relações interpessoais positivas.

Se as queixas se mantiverem e forem reforçadas por pessoas próximas, então dever-se-á procurar ajuda médica especializada. As alterações cognitivas associadas ao envelhecimento dito normal ocorrem sobretudo a nível da capacidade de atenção e velocidade de processamento, ou seja, não somos tão ágeis e velozes a nível físico e mental, mas mantemos praticamente intactas as capacidades como o raciocínio abstrato, a memória ou a linguagem. Por outro lado, a nossa capacidade de reflexão acerca do mundo e a tomada de decisão melhoram com a idade, suportando a ideia tradicional da sabedoria dos mais velhos.

Ora, a partir dos 50 anos é reconhecida a maior probabilidade de vir a sofrer de uma doença neurodegenerativa como a Doença de Alzheimer ou uma demência vascular. Quando devemos pensar que nós (ou aqueles que nos são próximos) estamos a desenvolver uma demência? Em termos genéricos, uma demência acarreta uma alteração das capacidades cognitivas face a um estado prévio que deverá ser suficientemente grave para interferir na capacidade de levar uma vida autónoma. A alteração mais comum é a perda de memória (ou seja, o esquecimento ou incapacidade de reter novas informações, contrastando com a permanência das memórias antigas), mas não é a única. Os primeiros sintomas podem estar associados a alterações:

  • na linguagem (falta de palavras muito frequente, uso excessivo de “coiso” e “coisa”, uma gaguez anormal…);
  • na capacidade visuopercetiva (dificuldade em desenhar ou escrever, em encontrar os objetos na mesa de trabalho, em acompanhar a leitura de um livro ou as legendas na televisão…);
  • dificuldades executivas ou do comportamento, ou seja, dificuldades em executar certas tarefas complexas, dificuldade em controlar determinados impulsos ou mudanças de personalidade (as famílias descrevem-nos este sintoma como “ele(a) já não parece a mesma pessoa”).

Nesta fase, um neurologista ou um psiquiatra serão os profissionais adequados ao estabelecimento de um diagnóstico, para o qual contribui bastante vezes o psicólogo com a realização de uma avaliação neuropsicológica.

Perante a hipótese de uma possível ou provável demência, pode existir uma necessidade de organização da vida e planeamento do futuro. Quando é que podemos dizer que a capacidade de tomar decisões acerca da própria vida ou a capacidade testamentária fica comprometida ou pode ser posta em causa? Não existe uma resposta linear a esta questão, cada caso deverá ser analisado individualmente por um profissional habilitado.

Em todo o caso, para a determinação da capacidade não é suficiente um diagnóstico clínico possível ou provável. A determinação objetiva da capacidade cognitiva atual é fundamental e deve ser concretizada através da realização de avaliação neuropsicológica. Esta deverá ser realizada com um neuropsicólogo experiente em patologias do envelhecimento ou quadros neurológicos do adulto. Esta situação não é exclusiva das pessoas mais velhas, uma vez que há várias patologias que podem interferir com a capacidade de decidir como o traumatismo cranioencefálico, doenças desmielinizantes como a esclerose múltipla, acidente vascular cerebral, doenças do movimento (como a Doença de Parkinson), tumores cerebrais ou quadros infeciosos com atingimento do sistema nervoso central.

O neuropsicólogo fará, então, a avaliação das capacidades cognitivas e determinará a sua extensão e severidade, relacionando-as com a história clínica da pessoa, com outros dados clínicos (como exames de imagem) e com as informações obtidas a partir dos familiares ou outras pessoas próximas. Na eventualidade de se tratar de um processo complexo, com envolvimento de questões legais (determinação de diretivas antecipadas de vontade, elaboração de testamento, gestão de bens, ou outras), a colaboração com a área forense poderá responder a dilemas concretos, sendo um aliado essencial perante os tribunais e a justiça.

Um artigo dos psicólogos clínicos Mauro Paulino e Diana Duro, da MIND | Psicologia Clínica e Forense.