O diagnóstico e tratamento desta doença causam frequentemente um impacto significativo físico e psicológico, sendo um dos efeitos laterais mais comuns o linfedema (LE).
O LE é um distúrbio no sistema linfático que se caracteriza pela acumulação de fluido linfático, de forma indolor e gradual, resultando no aumento do peso e volume (edema), normalmente num membro ou extremidade. O sistema linfático é um componente do sistema circulatório com a função de transportar e drenar detritos celulares, subprodutos metabólicos e material infecioso dos tecidos para o sistema vascular, sendo este transporte comprometido quando há uma lesão ou remoção dos vasos ou gânglios linfáticos, o que pode acontecer como sequela do tratamento cirúrgico e/ou da radioterapia, frequentemente utilizados na abordagem terapêutica do cancro da mama.
O linfedema afeta cerca de 10% das mulheres diagnosticadas com cancro da mama, maioritariamente nos primeiros 2 anos após o tratamento, sobretudo aquele que envolve a remoção dos gânglios linfáticos axilares e a radioterapia (fatores de risco mais consistentes). Contudo, pode também ocorrer como efeito secundário a longo prazo. Com o progredir do tempo, poderá haver uma tendência ao agravamento e ao desenvolvimento de sintomas como dor, sensação de peso ou constrição, bem como uma possível diminuição das amplitudes articulares do membro superior, com consequente diminuição da motricidade grosseira e fina.
Inevitavelmente, podem desenvolver-se outros sintomas secundários como ansiedade e depressão, evicção social e consequente diminuição da qualidade de vida. Atualmente não existe cura definitiva e os tratamentos instituídos visam evitar a progressão e preservar a funcionalidade do membro afetado. Até à data atual as terapêuticas mais consensuais e validadas na reabilitação são a massagem de drenagem, a compressão por bandagem ou pneumática e o exercício físico.
Existia o receio de que o exercício físico resistido (treino de força muscular) pudesse despoletar ou agravar o linfedema nestes doentes, e foi apenas no ano de 2000 que os investigadores Harris e Vertommmenet et al desafiaram este conceito, permitindo desmitificar esta ideia. Desde então, vários estudos científicos vieram demonstrar não só a segurança do exercício físico, como também o seu papel positivo na manutenção da funcionalidade e na melhoria da composição corporal. O paradigma do exercício no doente com cancro da mama tem constituído um desafio, sobretudo pelo receio que rodeia a prática de esforços físicos, por parte dos doentes, mas também por parte da comunidade médica, que sistematicamente aconselhava a não praticar determinadas atividades desportivas ou mesmo a evitar algumas tarefas do dia a dia, pelo risco de desenvolverem linfedema. No entanto, a evidência é atualmente robusta e consistente, relativamente à segurança e benefícios do exercício físico nestes doentes, mesmo o treino de força muscular, durante e após o tratamento dirigido ao cancro.
Os benefícios são consensuais não só ao nível físico, pela diminuição da dor, aumento da força e menor fadiga, mas também melhoria funcional, psicossocial e da qualidade de vida. Assim, esta recomendação é validada por importantes organizações internacionais, como a American College of Sports Medicine, e baseada em múltiplos ensaios clínicos. Devido ao facto de não existir um método ideal para avaliação de linfedema e protocolos estandardizados, as meta-análises sobre este tema eram praticamente inexistentes e não havia estudos de elevada evidência. Atualmente, já foram publicadas meta-análises (estudos de evidência elevada) sobre os potenciais efeitos benéficos do treino combinado (treino aeróbico e de força muscular), suportando a ideia de que é seguro praticar qualquer forma de exercício, inicialmente com supervisão e mantendo vigilância dos sintomas. Essa evidência crescente que existe para a recomendação de atividade física nestes doentes é essencial para a remoção do estigma do exercício em doentes oncológicos, designadamente do receio de agravamento do LE.
Cabe à equipa médica recomendar a melhor forma de exercício físico, para que seja realizada de forma segura e indo de encontro às preferências do doente, respeitando também possíveis comorbilidades e outras possíveis complicações resultantes da doença oncológica.
Um artigo dos médicos:
Sofia Goncalves Viamonte, Assistente Graduada Sénior de Medicina Física e de Reabilitação, Coordenadora do ONCOMOVE®, membro da Associação de Investigação de Cuidados de Suporte em Oncologia (AICSO), Diretora do Centro de Reabilitação do Norte/Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia Espinho;
e Luís Oliveira, Interno de Formação Específica em Medicina Física e de Reabilitação, Centro de Reabilitação do Norte/Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia Espinho.
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