Quando temos um determinado atributo que não apreciamos o que mais queremos é disfarçá-lo, independentemente de se tratar de borbulhas, olheiras, uma nódoa, cabelos brancos…algo similar ocorre quando gaguejamos, pois não queremos que o outro – o interlocutor identifique que a nossa comunicação nem sempre é fluente.
Para esconder que gaguejam há pessoas que recorrem a vários ‘truques’: desde substituir palavras; fazer de conta que não se lembram da palavra; produzir enunciados curtos; alterar o timbre da sua voz; ‘abafar’ a produção de alguns sons de fala…entre outros.
O objetivo é: não gaguejar e conseguir que os outros não se apercebam, inclusive não notem todo o esforço que está por detrás do uso deste tipo de ‘truques’. Muitas pessoas optam por desistir de falar, pois a utilização constante destes ‘truques’ provoca um cansaço enorme.
Os terapeutas da fala facilitam a mudança – em vez de todo o esforço que os ‘truques’ referidos envolvem, a intervenção tem como objetivo ser o melhor comunicador possível e comunicar sem esforço. Em vez de a pessoa que gagueja “correr uma espécie de maratona” a fugir das disfluências atípicas (e.g. repetições, bloqueios, prolongamentos, entre outras…). Perspetiva-se alcançar um bem-estar semelhante ao que o próprio experiencia quando comunica com pessoas que já sabem que gagueja.
MAS, revelar aos outros que se gagueja quando o que se mais quer é ‘fugir da gaguez a 7 pés’ parece algo com pouca lógica, mas na verdade esta é uma ‘ferramenta’ com um poder extraordinário. E a investigação vem cada vez mais comprovar o que concetualmente e empiricamente se observava. Estudos indicam que as pessoas preferem interagir com pessoas que gaguejam que reconhecem a sua própria gaguez.
A Terapia da Fala usa esta técnica na intervenção terapêutica em todas as faixas etárias, com as devidas acomodações, mas verifica-se especialmente útil com adultos pois, por vezes, o número de anos que a pessoa levou a esconder a gaguez traduz-se num cansaço cada vez mais difícil de suportar.
Esta e outras técnicas fazem parte das abordagens mais atuais em Terapia da Fala. Existem investigações Portuguesas a decorrer, como por exemplo: Investigação em Bases Neuronais da Gaguez. Este projeto inovador inclui também métodos de neuroimagem, que através do uso do eletroencefalograma contribui para o estudo da etiologia da gaguez.
Em suma, para a pessoa que gagueja autorrevelar que gagueja é uma espécie de libertação, sobretudo porque deixa de tentar esconder ‘o elefante na loja de porcelana’, e tal, diminui o medo que os ouvintes descubram, que por vezes gagueja. Quando se fala abertamente e de modo transparente sobre o assunto, garante-se que do outro lado não há outras interpretações relativamente à gaguez, como por exemplo: “está a falar assim porque está nervoso…ou é tímido…ou é inseguro…”.
Ao falar com os outros, de forma clara, sobre gaguez está-se a informar sobre a razão de se estar a falar “daquele modo” – que não se está nervoso, que não se é tímido ou mesmo sendo-o a questão é que simplesmente gagueja, é a forma como comunica!
Esta ferramenta para além de trazer uma maior confiança à comunicação de quem gagueja também ajuda a retirar a responsabilidade e a pressão do interlocutor, que muitas vezes fica “sem jeito”, sem saber o que dizer ou como reagir perante uma pessoa que gagueja.
Texto: Jaqueline Carmona, Terapeuta da Fala e European Specialist in Fluency Disorders/Mónica Rocha, Terapeuta da Fala, Doutorada em Ciências da Cognição e da Linguagem
Comentários