Convenhamos, para os apreciadores da diversidade da mesa mediterrânica, a Islândia não será, propriamente, um modelo de exportação culinária ou de generosa salivação face à antevisão de uma mesa de acepipes daquele país da Europa setentrional. Compreende-se, o país insular não se encontra a uma latitude particularmente generosa na diversidade alimentar, não muito longe do Círculo Polar Ártico, um território inóspito, isolado, batido por ventos cortantes e com uma história geológica atribulada. Quem não se recorda do impronunciável Eyjafjallajökull? O vulcão que ao entrar em atividade em 2010 lançou o caos na aviação mundial.

Traçado brevemente o bilhete de identidade islandês, há que não lhe subtrair as qualidades, um modelo na igualdade de género, com uma taxa de desemprego baixíssima e, pelo 11º ano consecutivo, considerada a nação mais segura do mundo. Um  país que conquistou a independência da Dinamarca no século XIX e com a capital em Reiquiavique. Retornemos à cozinha. Uma mesa baseada no peixe, na carne de carneiro e nos produtos lácteos.

A estes últimos, os lácteos, já voltaremos para uma estória que começa na Islândia, continua nos Estados Unidos da América para, depois, galgar mundo. Por agora, foquemo-nos no prato nacional islandês, o Þorramatur. Acepipe que exige palato treinado para os comeres setentrionais. O prato faz a síntese de alguns das mais populares comidas da ilha. A saber, quem se detiver perante uma travessa de Þorramatur (em particular nos meses de dezembro e janeiro), vai nela encontrar, entre outros, a carne de tubarão fermentada, a cabeça de ovelha cozida, uma salsicha de fígado de ovelha, produzido a partir das vísceras, e o bacalhau, servido com manteiga. Para acompanhar, o pão de centeio tradicional (Rugbrauð) daquele país insular.

Quando a cortiça se junta ao algodão temos uma iogurteira 100% nacional
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Ficámos, pois, de reiterar o item lácteo. Aqui, a Islândia conquistou o mundo. E fê-lo – continua a fazê-lo – com um iogurte que nasceu longe, não apenas na geografia, como também na linha do tempo. O Skyr é Islândia pura. Vamos chamar-lhe, por comodidade, iogurte embora se assemelhe tecnicamente mais a um queijo, resultando de uma fermentação láctea onde é introduzido coalho. Pois este iogurte tem uma tradição com mais de mil anos e uma história que entronca nas migrações vikings durante a Idade Média. Tradicionalmente era produzido a partir do leite desnatado que ficava depois de retirada a nata para a produção da manteiga. O produto final é praticamente isento de gordura e rico em proteínas, carecendo para a sua confeção de quatro vezes mais leite do que um iogurte "normal".

Aqui chegados, apresentado o skyr islandês, faça-se a apresentação de um outro filho deste Norte, Siggi Hilmarsson, um apaixonado por fermentações e mentor de uma marca de iogurtes “estranhos”, sem adição de açúcares industriais, que souberam conquistar um palato difícil, o dos norte-americanos.

Siggi esteve em Portugal para apresentar a sua marca, a Siggi´s (Veja-se na marca o Palíndromo – palavra que se lê igual de trás para a frente - a partir do nome do mentor). Um islandês que, na figura, se acomoda ao que deste povo do Norte retemos, mesmo que saibamos como é arriscado o terreno do lugar-comum. Siggi tem de altura para cima do metro e noventa, é louro e de olhos claros. Antes de falar de iogurtes Hilmarsson quer saber “quais os chefes de cozinha portugueses famosos?”. Conta ao SAPO Lifestyle que “em Nova Iorque ouve-se falar da cozinha portuguesa”.

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Siggi Hilmarsson, aos seis anos, com a sua mãe, na Islândia. Foi a mãe que relatou ao criador da Siggi´s a receita para o iogurte tradicional islandês.

Mas, porquê a cidade norte-americana nas palavras do quotidiano de Siggi Hilmarsson? Porque o criador da marca de iogurtes islandeses, presente em mais de uma vintena de países, deixou em 2004 a sua terra natal, para ir estudar na Universidade de Columbia, em Nova Iorque.

“Cresci na Islândia, habituado a comer muito peixe, vegetais e skyr. Uma dieta com poucos alimentos processados. Isto, claro educa-nos o gosto”, conta-nos Siggi.

Um catálogo alimentar que não preparou o mentor da marca Siggi´s, hoje com 43 anos, para o momento seguinte da sua vida, quando chega ao país do Tio Sam. “Quando me mudei para a América, a comida chocou-me. Olhava para os rótulos e via ingredientes industriais, tudo processado. Os iogurtes tinham mais açúcar do que um refrigerante”.

Para Siggi pareceu-lhe natural seguir o seu próprio caminho na alimentação. “Comecei a produzir o meu próprio iogurte caseiro, de acordo com a tradição islandesa e seguindo uma receita da minha mãe.  No início não correu muito bem”, assevera, desenhando um sorriso. Na prática, o jovem empreendedor filtrava, durante horas, o leite desnatado, antes fervido e onde havia adicionado uma cultura. O objetivo final passava por extrair ao produto tanto soro quanto possível, obtendo uma pasta cremosa e densa.

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Uma entrega de iogurtes em Nova Iorque em 2006.

Corria 2005 quando Siggi iniciou uma pequena produção de skyr em ambiente fabril, em Nova Iorque. “Percebi que tinha de recorrer a equipamento específico para este iogurte”, relata-nos. O jovem que, então, recebia palavras de incentivo, teve como primeiro investidor um professor universitário. “Emprestou-me 50 mil dólares”, conta-nos. Siggi entusiasmou-se com a produção, deixou um trabalho como consultor que “detestava” e, em 2006, apresentou-se num mercado de rua em Manhattan. “Correu muito bem”. O empresário lançou-se numa campanha nacional, num mercado competitivo, com lojas pejadas de iogurtes açucarados. “Tive de habituar a América a gostar de iogurtes que não sabiam a doces para crianças”, conta-nos.

“Tudo mudou quando fui ao programa de televisão Good Morning America. Foi a explosão”, comenta. Uma mudança de maré que Siggi soube navegar, aproveitando a crescente apetência do mercado norte-americano por um outro iogurte nascido além-fronteiras, o Grego (diferente no tipo de cultura do skyr). “Lancei-me, então, no mercado nacional e entrei em cadeias como a Starbucks e a Whole Foods”.

Atualmente a Siggi’s é vendida em mais de 25 mil lojas nos Estados Unidos e, de acordo com a Nielsen, é a marca de iogurtes com o crescimento mais rápido deste mercado.

Em fevereiro de 2018 a empresa de Siggi foi adquirida pela multinacional francesa Lactalis, chegando a partir dessa altura ao mercado europeu. Portugal também prova, agora, os iogurtes (em três variedades: Natural, Morango e Mirtilo) criados pelo islandês adotado pelos EUA.

Siggi que mantém o controlo da sua empresa, olha agora para o sucesso sem esquecer os momentos difíceis. “Não esqueço que a empresa, no passado, quase enfrentou a bancarrota e que eu não sabia como iria pagar a renda da casa. Cheguei a duvidar de mim, nunca duvidei do produto”.