Na introdução ao seu livro de estreia, “Pratos & Travessas”, Mónica Pinto abre ao leitor a porta da sua cozinha e apresenta-nos perto de 90 receitas que traduzem as vivências da autora. Esta recorda a casa onde cresceu, “povoada por livros, fotografia, discos de vinil e temperos”. Para Mónica foi nesta casa que se deram os “sete dias da criação” do seu universo estético. A fotógrafa e food stylist juntou a estes elementos o convívio com uma mesa rica e a lidação com uma cozinheira de exceção, “a avó Tina, mulher do Douro e de outros tempos”.
Na memória de Mónica ficaram, entre muitos outros pratos, o esparguete com molho de tomate e búzios, o lombo assado com hortelã e alecrim, o bacalhau assado com pimentos vermelhos. Traços de uma cozinha que reconhecemos neste livro que reúne comida, fotografia e histórias.
Uma abordagem que Mónica vem trabalhando desde 2008, quando criou o blogue “Pratos & Travessas”, reconhecido no estrangeiro com duas nomeações para os prémios BFBA (prémios dos melhores blogues de comida) da revista americana Saveur.
A Mónica tem um percurso de vida que entronca desde tenra idade nas artes. Mais tarde acaba por se dedicar à fotografia e ao food styling. Quando olhamos para uma fotografia sua onde encontramos essas raízes estéticas?
Essas raízes transparecem na composição clássica de algumas das minhas imagens. Nos contrastes de luz, nos brilhos e também na escolha de cores e adereços.
Quais são os maiores desafios quando se fotografa alimentos?
No meu caso, sendo também food stylist, começa por apresentar a comida da forma mais apelativa possível. Os gelados, por exemplo, são sempre um desafio porque derretem rapidamente. Depois é uma questão de captar o melhor ângulo, aquele em que fatores como a textura, a cor, o ambiente cumprem o seu propósito da melhor forma, propósito esse que é tornar a comida o mais apetecível e fotogénica possível.
Conseguimos capturar o sabor dos alimentos numa fotografia?
Eu não diria propriamente o sabor, mas a emoção ligada a esse sabor sim.
Vou citá-la: “A necessidade primitiva de alimentar e ser alimentado e o gosto `civilizado` por tudo o que é bonito. Não é de estranhar que em algum ponto do meu caminho as duas finalmente se entrelaçassem”. Em que momento, e de que forma, se dá essa união?
Sem dúvida com a criação do blogue. O Pratos & Travessas foi evoluindo até que começou a refletir, de uma forma cada vez mais consistente, essas duas constantes na minha vida. A comida e a arte que se foram fundindo através do food styling e da fotografia. Criar composições com comida e fotografá-las era uma nova forma para mim de pintar ou desenhar. Uma forma de criatividade que tinha muito a ver comigo.
A Mónica refere amiúde a figura da avó Tina enquanto personalidade que marcou as bases da sua cozinha. Ao folhearmos o seu livro “Pratos & Travessas” percebemos essas origens nas receitas que nos apresenta. Quer comentar?
A minha avó foi realmente a minha mestra. Eu passei muito tempo com ela durante a minha infância e adolescência e a forma como ela cozinhava, temperava, as receitas que fazia, tudo isso foi uma grande influência. Na base de tudo isso estavam os temperos mais importantes, o amor e o afeto.
Onde se sente mais à vontade: na cozinha rústica, ligada às tradições ou na cozinha de fusão, mais cosmopolita, moderna?
Na cozinha rústica, sem dúvida. A cozinha que passa de geração para geração, construindo memória e tradição. Mas ainda assim admiro a criatividade e beleza estética da cozinha moderna.
Porquê o título “Pratos & Travessas”?
São esses os “veículos” fundamentais nos quais a comida chega à mesa.
Como foi agarrar pela primeira vez no seu livro de estreia?
Foi muito emocionante. A sensação de dar ou trazer à luz de uma forma puramente emocional. Eu vejo a fase em que o criei; uma fase muito intimista, silenciosa, como a fase de “útero”, por assim dizer, e quando o pude folhear pela primeira vez foi como se o tivesse trazido à luz. Já não era só meu, era palpável, tinha forma física e estava prestes a sair por aí fora.
Não se limita a apresentar-nos receitas, junta-lhes pequenas histórias. Para a Mónica uma receita é inseparável de uma memória, viagem, vivência?
Pode dizer-se que sim. Eu gosto muito das histórias que a comida pode contar, da tradição e da cultura que a sustém. A comida não é apenas comida, é uma forma de vida e uma parte muito importante da nossa memória enquanto seres humanos, povo, país.
O amador na cozinha vai sentir-se à vontade nas páginas do seu livro?
Este livro foi escrito de uma forma detalhada, explicando de uma forma simples os passos a dar em cada receita, já a pensar em todos os leitores que querem dar os primeiros passos na cozinha. Acredito que o livro “Pratos & Travessas” será um óptimo companheiro também para todos os amadores na cozinha.
Há alguma receita em particular que lhe desperte memórias afetivas?
Existem várias. Lembro-me por exemplo do bacalhau assado no forno com pimentos vermelhos que a minha avó fazia. Eu vivi com os meus pais durante algum tempo em Coimbra e quando ia a Gaia com a minha mãe, combinávamos com uma tia minha que também vivia longe encontrarmo-nos na casa da minha avó para o almoço. O prato principal era muitas vezes esse bacalhau, a nosso pedido. E lá ficávamos nós, três gerações de mulheres de volta da mesa, a matar saudades e a por a conversa em dia.
O livro acaba por ser o resultado físico de um percurso que a Mónica já trilhava no digital desde 2008 com o blogue “Pratos & Travessas”. Um sítio eleito entre 40 mil blogues de todo o mundo para o Best Food Blogs Awards da revista americana Saveur. Quer contar-nos essa história?
Na altura foi uma surpresa total. Eu sabia que o blogue tinha realmente qualidade, isso estava bem presente para mim, mas ser nomeado por uma revista americana entre tantos blogues de todo o mundo foi uma coisa surreal. Para além disso, foi também um grande incentivo para continuar a fazer mais e melhor.
Mónica Pinto partilha connosco duas das receitas deste seu livro, umas Farófias de coco com coulis de framboesas e um Creme de abacate e cenoura
Jorge Andrade
Fotos: Mónica Pinto
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