Uma antiga lenda islâmica afirma que, quando Satanás foi expulso do Jardim do Paraíso, brotou uma planta de alho do chão pisado pelo seu pé esquerdo e que uma cebola nasceu da marca do seu pé direito.
Uma outra lenda diz-nos que entre os Etruscos reinava um poderoso espírito das trevas. As famílias locais evitavam a ira de Mania, sacrificando-lhe periodicamente jovens rapazes. Apareceu certo dia um magistrado, chamado Junius Brutus. Este conseguiu convencer as pessoas a acabar com estes sacrifícios humanos. A partir de então, o espírito de Mania foi satisfeito com ofertas de cabeças de alho.
Esta são apenas duas entre as incontáveis narrativas que chegaram até à atualidade envolvendo o alho.
Poucos alimentos terão uma tão forte carga simbólica e valor na dieta alimentar de inúmeros povos como o alho. Muitos dos mitos que giram em torno desta planta de aspeto pouco agradável, resultam do seu cheiro extremamente ativo, e desagradável para muitos. Este é causado pelo seu principal ingrediente: um óleo volátil, sem o qual o alho perderia muitas das comprovadas faculdades alimentares e medicinais que possui.
O cultivo do alho começou muito antes da escrita o poder registar. Crê-se que provenha da Europa meridional, de clima mais ameno, partilhando com as cebolas e as chalotas o atributo de ser um dos mais antigos vegetais cultivados pelo homem.
Há ainda quem situe a origem do alho na região do sul da Sibéria, na Ásia Central, a norte do Afeganistão e do Tibete, ou mesmo a Ocidente da China.
A primeira greve da História
Os antigos egípcios desde épocas remotas conheciam a planta cultivando-a e consumido a par das cebolas, das chalotas e do alho-porro. Este povo fez do alho um dos alimentos base da sua alimentação e simultaneamente num remédio, acreditando mesmo que contrariava os sintomas do envelhecimento.
Nos mitos egípcios, o alho era uma das ervas com poderes sobrenaturais e mágicos.
Segundo alguns investigadores uma das primeiras greves da humanidade foi iniciada por estes trabalhadores ao construírem a Pirâmide de Keops. Fizeram-no porque lhes tinha sido retirado o alho da alimentação diária.
Os arqueólogos encontraram nas pirâmides algumas inscrições que, ao que tudo indica, referem-se ao alho. Consta que esta planta, juntamente com os rabanetes, era fornecida em quantidade razoável aos trabalhadores, crendo-se que seria um excelente revigorante.
Segundo alguns investigadores uma das primeiras greves da humanidade foi iniciada por estes trabalhadores ao construírem a Pirâmide de Keops. Fizeram-no porque lhes tinha sido retirado o alho da alimentação diária.
Quando o túmulo de Toutankhamon foi aberto, encontrou-se alho entre os tesouros sepultados com o Rei. Este era parte integrante dos mantimentos colocados com o soberano para a sua longa viagem em direção ao outro mundo.
O alho Olímpico
Na mitologia da Grécia Antiga, o alho era venerado como uma planta com poderes sobrenaturais. Algumas cabeças de alho impediam os demónios errantes de entrar nas casas.
A planta encontrava-se ligada ao plano sobrenatural. Colocavam uma cabeça de alho sobre um monte de pedras nos cruzamentos pensando estar a fazer uma oferta à deusa dos sortilégios, Hecate.
Homero acreditou nas capacidades místicas do alho ao descrever a forma como Ulisses se serviu dele para se proteger das pragas de Circe. Os marinheiros do barco de Ulisses transformaram-se em porcos devido a uma maldição de Circe, mas Ulisses evitou o encantamento porque, seguindo o conselho de Hermes, defendeu-se do canto da sereia de Circe com pó de alho.
Os gregos eram igualmente grandes apreciadores do alho à mesa, dadas as suas excelentes propriedades alimentares. O filósofo grego Aristóteles (384 a.C.) afirmou acerca do alho: “É um remédio para a hidrofobia e um tónico e laxativo, sendo no entanto mau para os olhos”.
Os atletas gregos utilizavam-no bastante, nomeadamente no decorrer dos Jogos Olímpicos.
O alho com as legiões romanas
Com o Império Romano a cultura do alho prosperou. Os ímpetos belicistas e de conquista romana, levaram as suas legiões até regiões remotas, bem longe do centro do império. Chegaram tão longe como as Ilhas Britânicas, às portas da Ásia e ao Norte de África. Com as tropas viajou o alho. Virgílio, poeta romano (70-19 a.C.) deteve-se bastante sobre as artes da agricultura, da criação de gado e de abelhas. No que dizia respeito ao alho afirmava “é essencial para manter as forças dos homens que trabalham no campo”.
Avançamos na linha do tempo e o alho continua sempre presente. No ano 1100 d.C, Roberto da Normandia afirmou acerca desta planta: “O alho tem poder para salvar da morte. Suportem-no apesar de produzir um hálito desagradável”.
Em Inglaterra o alho gozava de grande reputação entre os ervanários muito antes do aparecimento dos medicamentos. Em 1665 quando a peste dizimou dezenas de milhares de pessoas, todos os ocupantes de uma casa em Chester conseguiram sobreviver.
Em França é ainda hoje consumido o “Vinagre dos Quatro Ladrões”, envolto numa história pouco fundamentada. Em 1721 a peste afligia Marselha. Não existindo quem enterrasse os mortos, foram abertas as portas das prisões e os condenados executaram a tarefa. Após semanas do mórbido trabalho, poucos eram os que tinham morrido. Em troca da liberdade foi-lhes exigido que revelassem o segredo da sua imunidade. Esta devia-se a um preparado que misturava vinho com alho macerado.
O alho nas duas guerras mundiais
Em Inglaterra o alho gozava de grande reputação entre os ervanários muito antes do aparecimento dos medicamentos. Em 1665 quando a peste dizimou dezenas de milhares de pessoas, todos os ocupantes de uma casa em Chester conseguiram sobreviver. A explicação avançada é a de que a habitação possuía uma ampla provisão de alho na cave, o que mantinha os habitantes imunes aos efeitos mortíferos da peste.
Os primeiros estudos académicos sérios publicados sobre o alho são da autoria de Alexis Fedchenko, um naturalista e viajante russo do início do século XIX. As suas Descobertas Botânicas, foram publicadas pelo Governo Russo.
Já no período da Grande Guerra (1914-1918), o alho era utilizado com algum sucesso no tratamento dos feridos em combate. No desenrolar da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mais uma vez o alho desempenhou o seu papel, sendo utilizado às toneladas pelos Serviços Médicos.
Diariamente é utilizado em todo o mundo, mais de meio dente de alho por pessoa. Anualmente a produção de alho suplanta, a nível mundial, as duas mil e quinhentas toneladas, uma parte substancial vinda da China. Entre outros países exportadores de alho encontram-se a Espanha, a Coreia do Sul, a Tailândia, o Egipto, o México e o Brasil.
Texto originalmente publicado no livro "Alimentos com História".
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
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