Petit Chef é sinónimo de aula pedagógica e afasta a imagem de que aprender é maçudo e entediante. Joana concilia-o numa fórmula: soma cozinha, com criatividade, aprendizagem, hábitos saudáveis e organização. O resultado são crianças que conhecem os alimentos, sabem escolhê-los e embarcam na experiência sensitiva que é o ato de comer. Pequeninos que, inclusivamente, mudaram, para melhor, os hábitos alimentares dos pais. Com a Joana aprendemos que um “nariz torcido” frente a uma sopa, não é uma barreira intransponível, antes uma porta futura para gostar dos brócolos ou dos cogumelos.

Criou a cozinha pedagógica Petit Chef há sete anos. Na altura já exercia há alguns anos a profissão de chefe de cozinha. O seu percurso profissional implicou, em diferentes momentos, algumas mudanças de rumo.
Desde sempre tenho o gosto pela cozinha, especialmente a vertente pastelaria. Em 1995 acabei por desistir do primeiro ano do curso de psicologia e apostei no curso de profissionais de cozinha na Escola de Hotelaria de Lisboa com especialização em pastelaria. Fiz o meu percurso inicial, estagiei na escola de hotelaria do Estoril, trabalhei com os chefes Vítor sobral e Augusto Gemmelli. Por questões pessoais fui viver para fora, mas nunca me afastei da cozinha. Fui prestando serviços de catering a restaurantes e particulares. Entretanto, fui mãe por três vezes. Fiz questão de acompanhar o crescimento inicial dos meus filhos. Estes acabaram por desenvolver uma curiosidade natural pela cozinha. O entusiasmo deles espicaçou-me: “porque não ensinar mais crianças a cozinhar?” Isto numa fase em que o meu último filho ia para a creche. Ou seja, começava de novo a ter tempo para mim. Na altura ainda não tinha concretizado as minhas ideias em forma de projeto. De qualquer forma apresentei a ideia ao diretor do colégio Salesianos em Évora. Agradou e nascia o Petit Chef, uma cozinha pedagógica para crianças a partir dos seis anos. Esta tomou forma à medida que evoluía como atividade extracurricular. Estávamos em 2005. Dia, após dia, eu própria me surpreendia com a recetividade. No primeiro ano tive 40 alunos.

Como a Joana diz, foi uma surpresa.
Sim, na altura apercebi-me que as crianças têm muita vontade de aprender. Com o passar do tempo foi uma aprendizagem tanto para mim quanto para os mais pequenos. Paralelamente, aprofundei os meus conhecimentos a nível dos alimentos, as suas características e vantagens. Introduzi esses elementos nas aulas e a resposta foi excelente. Acabou por ser um complemento ao currículo escolar. As crianças passaram a conhecer as características dos alimentos.

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A Joana acaba, de certa forma, por induzir as crianças a um papel ativo e de educadores na alimentação lá em casa.
É muito bom para a autoestima das crianças. Algumas crianças levam inclusivamente os pais a cozinhar ao fim de semana com as minhas receitas. Há pais que até lhes agrada essa ideia. Alguns pais acabam por querer fazer em casa as receitas aprendidas no Petit Chef. Ou seja, as propostas dos cursos são posteriormente um momento doméstico de partilha. Os pais ficam extremamente orgulhosos com o que as crianças fazem. Isto porque elas acabam por levar para casa aquilo que confecionam nas aulas.

Como se leva os pequeninos a comer bem e a não “torcer o nariz”, por exemplo à sopa?
Quando temos uma aula com dez ou 12 crianças, por exemplo com um prato de legumes, obviamente nem todos vão gostar. Claro que não reduzo as propostas que introduzo nas aulas àquilo que à partida os pequenos vão gostar. Há crianças que dizem: “não gosto de cogumelos”. Então digo: “não há problema. Fazes, levas para os teus pais e, depois se quiseres provas. Não és obrigado”. Mais tarde ou mais cedo a criança acaba por voltar a querer experimentar.

É lugar comum afirmar que as crianças se afastaram da terra, do conhecimento dos alimentos. Que sinais recebe deste realidade a partir do contacto que tem com os mais pequenos?
Faço algumas visitas às praças e workshops pontuais sobre os alimentos. Não se trata apenas de as crianças saberem de onde chegam os alimentos, mas também como os saber escolher, com tempo, num mercado. Por exemplo saber que uma boa e sumarenta laranja deve ser pesada, ter a pele fina, aderente à polpa. Uma pera não deve ter uma casca com rachas. Ou seja, as crianças devem perceber que uma má escolha implica, provavelmente, deitar alimentos para o lixo.

Foquemo-nos na obesidade infantil. A Joana contacta de perto com essa realidade. Que análise faz?
Gostaria de sublinhar que há crianças magras com uma má nutrição. Por seu turno, há crianças obesas que o são devido a fatores hereditários e hormonais que condicionam o excesso de peso. Todas as crianças precisam de ser ensinadas a comer. Numa primeira fase da vida a alimentação depende dos pais. Se não tiverem um conhecimento de base estarão, inadvertidamente, a induzir os mais pequenos a uma má alimentação. A geração na casa dos 30/40 anos ainda oferece alguma resistência no ir para a cozinha.

Falando em pedagogia e aprendizagem. Confecionar um prato implica interpretar um texto. Qual a reação das crianças a essa componente?
As crianças têm 45 minutos para seguir uma receita e aprender a interpretar. Não componho descritivos infantis para as receitas. Claro que adapto, mas não fujo aos termos. Por exemplo, uso “confeção”, “preparado anterior”. Reparo que algumas crianças leem os ingredientes e começam de imediato a fazer a receita. Criam resistência a ler o texto da confeção. Obrigo-as a planear o local de trabalho. A separar os ingredientes e, só depois, começarem a confecionar. Há outras componentes. Ao utilizar uma balança a criança percebe as medidas de peso.

Como é estar numa cozinha com um grupo de dez crianças?
São momentos divertidos, descontraídos. É claro que as crianças têm de ter um comportamento ajustado ao local. Exige da minha parte uma grande entrega às crianças. Elas, por seu turno, gostam. Gera-se, assim, empatia. São aulas com caráter regular, logo há um desenvolvimento afetivo. Há um trabalho de equipa entre as crianças que, inicialmente, não se conhecem muito bem. Junto crianças de anos letivos diversos o que propicia interajuda entre diferentes idades. As crianças trabalham aos pares. Cozinham efetivamente sozinhas, embora não lidem com o forno ou fogão. Nesses momentos tornam-se assistentes e veem-se a cozinhar.
Paralelamente, há uma componente de responsabilidade. Por exemplo, as crianças são responsáveis pela limpeza e organização das suas bancadas de trabalho. E são, informalmente, avaliadas por isso.

Sete anos é tempo suficiente para ver uma criança crescer e tornar-se adolescente. O que espera a Joana encontrar nestes jovens no que respeita a hábitos alimentares?
Gosto de pensar que aqueles que estão à beira dos 16 ou 17 anos quando, por exemplo, se juntam para estudar optem por ir para a cozinha, troquem experiências, em vez de recorrerem a um fast food.

Em 2008 lançou-se nos Cursos cozinhArte para adultos. Pode-nos falar dessa experiência?
Quando cozinho para adultos o meu comportamento mantém-se num registo divertido, embora as explicações sejam diferentes. É claro que um adulto que

já cozinhe traz alguns “vícios”. Torna-se mais difícil mudar hábitos e, por exemplo, ensinar a cortar uma cebola. Sinto que as crianças são mais verdadeiras. Ou seja, se não gostam não gostam e dizem-no abertamente. Para as crianças tudo é novo.

Pode falar-nos do troféu Petit Chef?

A dada altura do projeto surgiu a ideia de lançar o desafio Petit Chef. No fundo trata-se de distinguir a criança que ao longo do ano se empenhou mais, mostrou uma evolução notória. Isto, claro numa toada descontraída, com o presença de um chef convidado, avaliando um prato feito na altura e ponderando a prestação no ano em causa. Há crianças absolutamente fabulosas. Que tiram prazer de estar na cozinha. Todos levam um diploma e uma estrela de mérito relativa ao ano de frequência. No fundo o concurso é só um estímulo, uma brincadeira.

Finalmente. Como é que a Joana define em poucas palavras a sua cozinha?
Uma cozinha com confeções tecnicamente simples mas que procuram ter impacto enquanto experiência visual e sensorial. Gosto de surpreender através dos ingredientes, as suas formas e sabores.

Jorge Andrade