Há muito que no domínio das actividades periciais em saúde se defende um princípio inegociável: executar peritagens médicas, entre outras, independentes, isentas e rigorosas, ao serviço dos Cidadãos e da Justiça. É, aliás, fundamental que a integridade das actividades periciais em geral seja sempre salvaguardada, distanciando-se de quaisquer interesses – financeiros entre outros – que possam comprometer a sua imparcialidade.

Não obstante o histórico de alertas para práticas lesivas no âmbito das actividades periciais em saúde, sobretudo no que respeita a avaliação do dano corporal e avaliação da saúde mental, hoje, perante a persistência de algumas abordagens (cada vez mais elaboradas e persuasivas), altamente questionáveis neste domínio, torna-se imperativo reforçar o alerta, pois a dignidade das pessoas e a credibilidade de todo o Sistema estão em causa.

A Importância do Exame Objectivo (Observação Presencial): Mais do que um Detalhe, é um Imperativo

É cada vez mais comum os Cidadãos depararem-se com actos, nomeadamente em contexto de avaliação do dano corporal e de avaliação da saúde mental, que prescindem do contacto físico com o examinando (a pessoa objecto da avaliação). Sejam relatórios baseados unicamente em documentos ou pretensas “avaliações online”, a ausência de um exame médico presencial (in loco) não é consentâneo com o rigor técnico-pericial exigível neste âmbito, um desvio perigoso dos princípios éticos e técnicos básicos à actividade pericial em saúde, em particular no domínio da avaliação do dano na pessoa.

Numa peritagem, especialmente na esfera da avaliação do dano corporal, o papel do perito não é de um mero analista de documentos. É um profissional médico que observa, ausculta, palpa, mede e interage com a pessoa em avaliação. É na observação directa que se detectam sinais clínicos, se avaliam, por ex. amplitudes articulares, se percepcionam limitações funcionais e se recolhe informação do contexto individual que os documentos, por mais completos que sejam, não conseguem transmitir.

A entrevista presencial, por exemplo, permite ir além dos sintomas descritos, compreender a dinâmica do trauma, a evolução da doença e o verdadeiro impacto na vida da pessoa. É neste contacto que se constrói a coerência entre o relato subjectivo e os achados objectivos, elemento importantíssimo para uma conclusão sólida e que se deseja justa. Confiar em avaliações feitas à distância, ainda que por intermédio de uma webcam, neste contexto, é abdicar do rigor e abrir caminho a conclusões parciais/incompletas e, portanto, com consequências.

O Engano de “Análises de Viabilidade de Sucesso” Online: Um Acto Questionável com Prejuízos Reais

Uma das práticas mais preocupantes e graves que se tem observado em contexto de avaliação do dano corporal e noutros domínios da saúde, evidenciando total irresponsabilidade, é a oferta de “análises de viabilidade de sucesso” online e meramente documentais, em tempo record, mediante um pagamento financeiro inicial.

Sejamos claros: isto não é uma peritagem médica de avaliação do dano corporal, digna desse nome, nem outra peritagem médica ainda que em domínio distinto.

Cria a falsa expectativa ao Cidadão, de que se está a dar um passo significativo na defesa dos seus direitos/interesses, quando na verdade se está apenas a adquirir um serviço superficial. Mais, a abordagem utilizada, altamente persuasiva, permite às pessoas menos informadas, a ilusão de que o sucesso de cada caso está dependente daquele serviço de cariz administrativo.

Muitos Cidadãos, tantas vezes em situação de vulnerabilidade e à procura de justiça, são induzidos em erro.

Acresce que, se estas “análises” são conduzidas por entidades cuja independência em relação a companhias de seguros (entre outras) não é transparente ou garantida, o risco é duplicado. A conveniência do “online” pode camuflar conflitos de interesse, resultando em avaliações condicionadas e passíveis de causar grande prejuízo.

Cautela e Exigência de Qualidade, Imparcialidade e Rigor na Avaliação do Dano Corporal

Exigir um exame presencial, exigir transparência e exigir garantias de independência não só é um direito de qualquer Cidadão, como também é uma salvaguarda. A concretização de justiça pode depender disso.

Um relatório pericial deficiente, por ausência de exame objectivo ou falta de isenção pode condicionar a justa reparação/indemnização.

A credibilidade do relatório pericial está intrinsecamente ligada à metodologia utilizada e fundamentação técnica. A ausência de um exame presencial em contexto de avaliação de dano deve, pois, ser um sinal de alerta e um motivo para uma atenção redobrada quanto à honestidade e seriedade do acto, e, no limite, da sua validade.

Defender os mais elevados padrões de qualidade técnica e ética nas actividades periciais em saúde não é apenas um compromisso de alguns, mas um desígnio que deve ser partilhado por todos os que, directa ou indirectamente, prestam um Serviço aos Cidadãos e à Justiça.

Quanto ao mais, caberá às entidades supervisoras avaliar as condutas e práticas, em conformidade com as competências que lhes estão atribuídas.*

* artigo escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico.