
A discussão sobre “Erro Médico” e Negligência Médica tem vindo a ganhar maior visibilidade, nem sempre de forma responsável. Não raras vezes, impera o sensacionalismo em detrimento da pedagogia. Fomentar a literacia em saúde na comunidade não parece ser a prioridade da maioria dos meios de comunicação, em particular os programas televisivos de mero entretenimento que visam beneficiar das audiências do que é espectacular, explorando a vulnerabilidade alheia. É, portanto, fundamental clarificar os conceitos, frequentemente confundidos, o que pode, desde logo, comprometer a justa avaliação dos acontecimentos.
Erro Médico é um termo amplamente utilizado e muitas vezes de forma imprecisa. A expressão sugere que o erro foi necessariamente cometido por um profissional médico, quando na realidade pode ter ocorrido em qualquer momento do complexo sistema de prestação de cuidados de saúde - por profissionais médicos e não-médicos, por falhas organizacionais ou por problemas sistémicos. Por isso, Erro em Saúde será, em muitos casos, a designação mais adequada já que reflecte melhor a complexidade do meio clínico e evita imputações directas e prematuras a médicos.
Estes erros podem ocorrer mesmo quando os profissionais envolvidos actuam com diligência e cumprem as boas práticas. São falhas não intencionais, que podem decorrer de vários factores, como por exemplo limitações de meios. Um exemplo seria a administração de um medicamento incorrecto a um paciente devido a um sistema de identificação de fármacos obsoleto no hospital, ou uma infecção hospitalar que, apesar de cumpridos todos os protocolos de higiene, não pôde ser evitada devido a factores sistémicos.
Negligência Médica refere-se a uma violação do dever de cuidado, traduzida numa actuação imprudente, de imperícia ou omissão, que se afasta dos padrões clínicos aceitáveis e resulta num dano para o paciente. Ao contrário do Erro, a Negligência envolve, necessariamente, uma conduta que poderia e deveria ter sido evitada. Por exemplo, se um médico não requisitar exames complementares essenciais para um diagnóstico, que são padrão na prática clínica para certa situação, e essa omissão levar a um diagnóstico tardio com consequências graves para o paciente, tal situação poderá configurar negligência.
Um elemento adicional que importa considerar na análise da responsabilidade médica é a distinção entre os actos médicos com dever de meios e actos médicos com dever de resultado. Na maioria dos casos clínicos, vigora o dever de meios, ou seja, o prestador de cuidados compromete-se a empregar todos os meios adequados, conforme os standards técnico-científicos vigentes, mas sem garantir um desfecho específico.
Contudo, há situações, como por exemplo em diversas cirurgias estéticas electivas, em que existe um dever de resultado, pois o objectivo é definido e, consequentemente, é o esperado por quem se submete ao procedimento. Nesses casos, a responsabilidade do profissional poderá ser mais facilmente atribuída se o resultado prometido não for atingido, salvo se este insucesso decorrer de causas não imputáveis ao profissional. É crucial, no entanto, considerar que as expectativas dos pacientes em cirurgias estéticas são, frequentemente, ambiciosas, irreais e irresponsáveis, o que deve ser ponderado na avaliação do "resultado" e na atribuição de responsabilidades.
Importa, neste domínio, ter em conta a natureza da relação contratual estabelecida entre o médico e o paciente. Essa relação determina, em grande medida, as obrigações do profissional. Em contexto hospitalar público, o médico actua, habitualmente, no âmbito de uma obrigação de meios, no exercício de funções públicas ou em nome da instituição. Já em contexto privado, sobretudo em actos electivos, a relação contratual pode configurar uma expectativa mais definida quanto a resultados, tornando mais exigente a responsabilização.
Este enquadramento reforça a necessidade de uma avaliação técnica rigorosa, imparcial e especializada sempre que subsistam dúvidas sobre procedimentos em saúde. Essa avaliação deve ser feita por uma equipa de peritos independentes pautados pela ética e rigor profissionais e desfocados de interesses de cariz comercial e/ou corporativos, e do mediatismo e imediatismo que movem uma diversidade de entidades, nomeadamente alguns meios de comunicação.
Essa avaliação técnico-científica idónea permite, numa fase preliminar, esclarecer:
− Se há indícios ou evidência de falhas nos cuidados prestados ou se os indicadores induzem que o desfecho tenha decorrido de forma inevitável;
− Se os procedimentos estavam sujeitos a uma obrigação de meios ou de resultado, tendo em conta o tipo de intervenção e a relação contratual;
− Se os procedimentos foram adequados e de acordo com as boas práticas.
Ao mesmo tempo, evita-se a judicialização precipitada de situações clínicas complexas.
Distinguir erro e negligência médica - e, mais ainda, entre “Erro Médico” e “Erro em Saúde” - é essencial para uma análise justa, informada e tecnicamente sustentada dos eventos adversos em saúde. Acrescentar a compreensão sobre as obrigações médicas (meios ou resultado) e o peso da relação contratual estabelecida permite uma avaliação mais precisa das responsabilidades.
A intervenção de uma equipa de peritos independentes, focada no esclarecimento das dúvidas suscitadas é, assim, um instrumento importantíssimo ao serviço dos Cidadãos e da Justiça e constitui um forte contributo para a confiança, quer no Sistema de Saúde, quer no Sistema da Justiça.
É responsabilidade de todos - Profissionais de Saúde, Comunicação Social e Cidadãos - procurar esta distinção e promover uma discussão informada e justa.
Artigo escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico.
Um artigo de Pedro Meira e Cruz, Director da Best Medical Opinion - Pareceres Médicos & Perícias Médicas.
Comentários