Açambarcar tornou-se palavra de ordem nos últimos dias face ao receio de quebra de bens alimentares e não alimentares nos lineares dos supermercados, provocada pela crise associada ao COVID-19.
Isto, não obstante as declarações de entidades ligadas à distribuição, garantindo que não haverá quebras na distribuição às cadeias retalhistas. Isso mesmo garantiu o presidente da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa, ao afirmar que “há um esforço com as próprias cadeias das áreas de distribuição superficiais, sejam elas grandes, sejam pequenas, para que não haja quebra de abastecimento de produtos” (nomeadamente sobretudo de frescos como frutas, legumes, leite, carne e ovos).
As cadeias de distribuição corroboram esta declaração, como podemos ler, por exemplo, no anúncio da Auchan (detida pela Ceetrus Portugal) ao afirmar “da nossa parte, asseguramos que tudo faremos para que o fornecimento e reposição de produtos tanto nas nossas lojas como online seja feito de forma regular”.
Uma declaração em linha com aquela emanada pela rede francesa de supermercados a operar em Portugal, a E.Leclerc: "juntamo-nos aos apelos já feitos por outros responsáveis políticos e empresariais de que não existem constrangimentos logísticos e operacionais na cadeia de abastecimento de produtos alimentares que justifiquem a prática de açambarcamento pela população".
Face à expetativa de açambarcamentos com “comportamentos individuais desproporcionais face às necessidades efetivas dos cidadãos”, o Governo criou um Grupo de Acompanhamento e Avaliação das Condições de Abastecimento de Bens nos Sectores Agro-alimentar e do Retalho em Virtude das Dinâmicas de Mercado.
Não só é desaconselhada a corrida às prateleiras das superfícies comerciais, como também a ânsia de aquisição de bens para armazenar pode não ser compaginável com sensatez na forma como o fazemos.
O que é prescindível comprar?
“Do ponto de vista de conservação dos alimentos, ligando-a a uma dieta rica nutricionalmente, as compras devem orientar-se para produtos que tragam mais valia nutricional. Alimentos que duram um tempo considerável, muitas vezes não nos direcionam para as compras mais adequadas”, sublinha Cláudia Viega, nutricionista e docente na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.
Neste sentido há que evitar, de acordo com a especialista alimentar, “comprar bolos secos, biscoitos e bolachas. São alimentos com elevada densidade energética, e um índice glicêmico elevado que não nos proporcionam saciedade, o que aumentará a frequência das refeições. Por outro lado, são alimentos pobres do ponto de vista nutricional”.
Ainda na lista dos desnecessários, Cláudia Viegas salienta os “salgados, onde se incluem os pastéis, croquetes, rissóis e similares congelados, assim como, na mercearia, batatas fritas e outros salgados de pacote. São alimentos associados a processos de fritura, com valor nutricional relativo e, mais uma vez, de elevada densidade energética”.
No que respeita a sumos empacotados, a nutricionista salienta que “constituem apenas fonte de açúcar, não conferem saciedade, não têm interesse nutricional. A água da torneira não vai faltar, é mais ecológica e saudável”.
Também no lote dos alimentos prescindíveis nas compras para os próximos dias, Cláudia salienta as “pizzas, hambúrgueres e outras comidas pré-preparadas. Todos nós vamos estar mais tempo em casa, com disponibilidade para nos dedicarmos à preparação das refeições. Logo, não faz sentido comprar alimentos já preparados”.
O que comprar?
Olhando para a disponibilidade de tempo que temos neste momento, Cláudia Viegas vê no facto algumas vantagens: “podemos aproveitar para explorar alguns programas televisivos sobre cozinha, os livros de receitas que temos guardados e experimentar pratos novos, aproveitando para explorar alimentos mais ricos e interessantes do ponto de vista nutricional”.
Desta forma, uma lista de compras racional deve incluir, de acordo com a especialista, “congelados, onde se incluem hortícolas e pescado; enlatados, nomeadamente as leguminosas e conservas de peixe, moluscos, etc. (atum, sardinha, cavala, polvo); secos, como as massas, o arroz, o pão, a farinha, a batata, as leguminosas e outras mercearias como o azeite, a polpa de tomate e as especiarias”.
"O mais importante é adquirir alimentos que tenham um prazo de validade alargado e saber fazer bom uso dos bens alimentares para obter refeições que propiciam mais doses" (por exemplo com a inclusão de massas ou arrozes ou leguminosas, alternando-os nas refeições).
Considere a pertinência de congelar alimentos como o pão fatiado, o peixe, os legumes.
Já no que respeita aos frescos, “imprescindíveis numa dieta equilibrada, destaco os legumes mais resistentes, como a cebola, a couve, a cenoura, o tomate, a beringela, a curgete. Finalmente, também importante, há que salientar a aquisição de leite, iogurtes e queijo. Ainda na seção dos laticínios vai encontrar os ovos. Considere-os dado o seu elevado valor proteíco”.
Referindo particularmente as leguminosas (favas, as ervilhas, o grão, as lentilhas, o feijão, o chícharo, o tremoço, entre outras), conta-nos a nutricionista que “são alimentos de base vegetal, sustentáveis no que respeita à utilização e disponibilidade de água. Ou seja, com um impacto ambiental inferior ao da produção de carne. Junta-se o fator económico. As leguminosas são um alimento muito barato. Mesmo o argumento que defende tratar-se de um produto difícil de usar na cozinha pode ser refutado. São, ainda, versáteis quer na variedade de espécies”.
Finalmente, "isolamento social não é sinónimo de sofrimento. O prazer proporcionado pela gulodice também faz parte da alimentação: não será por uma tablete de chocolate ou por um pacote de bolachas que vai estragar os seus dias de recolhimento. Tudo é uma questão de bom senso nas escolhas", termina Cláudia Viegas.
Preparar as compras:
Açambarcar não é racional. Objetividade nas compras é pensá-las antes de nos deslocarmos às superfícies comerciais, para mais considerando as contingências impostas no que respeita ao número de consumidores que circulam em simultâneo nestes espaços. Há que fazer sempre uma lista de compras com as quantidades necessárias, considerando os fatores apresentados anteriormente pela nutricionista Cláudia Viegas.
Já na cozinha, aproveite os restos das refeições para confecionar novos pratos. Por exemplo, vegetais cozidos servem de base a ótimas sopas. Peixe cozido e a água do mesmo, faz uma excelente base para uma massada.
Aproveite os talos das couves ou grelos para o enriquecimento da sopa ou congele-os para futuras utilizações.
Utilize as sobras das frutas para compotas ou sumos
A água das cozeduras pode ser aproveitada para sopas, estufados, ou outros cozinhados, uma vez que é rica em nutrientes
Reutilize as cascas das maçãs e peras na confeção dos bolos. Não só incrementa a fibra como reduz a adição de açúcar
A Associação Portuguesa de Nutricionistas disponibiliza online, gratuitamente, um livro com receitas simples, produzidas a partir daquilo que entendemos como desperdício.
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