Muitos são os pais que nos chegam à consulta e que, no desespero da privação de sono, nos referem as inúmeras vezes em que dão por si a rezar pelos últimos minutos do dia em que finalmente deitaram os seus filhos e podem respirar..... A noite teria sido passada p.e., a vigiar a febre da filha mais nova e que ainda se mantinha ao entrar da madrugada.

A manhã começara (uma vez mais !!!!) com a Joana, a filha mais velha, a resistir levantar-se da cama, pelo que começara a gritar:” Vá lá tens de te despachar!”. E rapidamente começou a pensar : “ lá vamos nós começar...porque é que ela nunca me obedece e se despacha sozinha???!!!”“Ela faz isto só para me provocar!” . A manhã continuara com a lentidão ao tomar o pequeno almoço e culminando na birra porque simplesmente “queria levar os ténis de Verão!!!!” Se se revê nestas linhas.... este texto é para si!

Como mãe partilho os objetivos que muitos pais em consulta nos referem para os seus filhos e para as suas famílias, “ajuda-los a atingirem o seu potencial em todos os aspetos da sua vida, serem independentes e sobretudo a serem FELIZES!!!” Mas sem sombra de dúvida que nos momentos mais frenéticos, stressantes, em que lutamos apenas para os colocar na cadeira do carro e levá-los para a escola e chegar a horas ao trabalho... “lutamos” e temos a esperança de evitar gritar: “PORQUE É QUE ÉS ASSIM?!!?”

As crianças tal como os adultos têm emoções, que afetam o que fazem, como fazem e em última análise o total sentido de si próprias. Dessa forma compreender como a criança se sente é fundamental para fazer sentido das respostas comportamentais intensas que muitas vezes apresenta, dado que resultam das emoções que ela própria frequentemente não consegue gerir.

Devemos ajudar os nossos filhos a usar o cérebro na sua totalidade de forma harmoniosa

Os pais são frequentemente peritos em tudo o que respeita ao corpo do seu filho e como cuidá-lo, sabemos qual a sua temperatura normal, o que fazer para baixar a sua febre, cuidar das suas feridas, o que devem evitar comer para não ficarem eléctricos à hora de deitar.... mas pouco sabemos sobre a forma como funciona o seu cérebro. Interessante não? Sobretudo se pensarmos na importância que o nosso cérebro tem em tudo o que fazemos e sobretudo no que respeita às temáticas que os pais frequentemente desesperam para encontrar “ a resposta certa”, como se relacionam com os outros, os seus comportamentos escolares, as suas tomadas de decisão, entre muitas outras.

Muitas vezes não pensamos que o nosso cérebro é constituído por várias partes com diferentes funções. Por exemplo, o lado esquerdo (hemisfério esquerdo, HE) ajuda-nos a pensar de forma lógica e a organizar pensamentos em frases (a “Mente Racional”), enquanto o lado direito (hemisfério direito, HD) é responsável pela vivência das emoções e a leitura de pistas não verbais (a “Mente Emocional”).

A chave consiste em conseguir que todas as partes do cérebro funcionem de forma conjunta, ou seja, integrar as diferentes partes do cérebro da forma mais eficaz e saudável (a que poderíamos chamar de “Mente Sábia”). Um pouco à semelhança do que acontece com o nosso corpo que é constituído por diferentes órgãos todos eles com diferentes funções, mas que trabalham em unissono, os pulmões permitem respirar, o coração bate para bombear o sangue por todo o corpo, o estômago digere a comida.... tudo funciona na perfeição!

Facilmente percebemos quando os nossos filhos não conseguem aceder à sua Mente Sábia, ou seja, quando as partes do cérebro não estão a funcionar de forma integrada, ficando assim dominados pelas suas emoções, confusos e a agir de forma caótica. Não conseguem pois responder de forma calma e analisar a situação em que estão envolvidos.

As birras, as agressividades, e muitos dos desafios na parentalidade são resultado desta, vamos chamar, “perda de integração”, ou seja, quando usam só uma parte do cérebro, à semelhança do que aconteceria se tentassem nadar só com um braço, talvez até conseguissem nadar mas sem dúvida lenta e ineficazmente. Devemos ajudar os nossos filhos a usar o cérebro na sua totalidade de forma harmoniosa, ao que Daniel Siegel designa de “horizontalmente integrados”, o lado racional (HE) a trabalhar conjuntamente com o lado emocional (HD). COMO? A pergunta que se impõe...

No nosso exemplo inicial, o que a mãe de Joana, cansada pela privação de sono e com a preocupação com a filha mais nova, diz a ela própria ( “lá vamos nós outra vez...ela não se vai despachar e vai chegar tarde à escola) afetou claramente o que sentiu (irritada e frustrada) e o que fez (gritar, recusar ajudar a Joana). Por sua vez a Joana ainda meio a dormir e com o mau humor matinal, dominada pelo lado emocional, não terá capacidade de perceber que a sua mãe está cansada pela longa noite a tomar conta da sua irmã e preocupada que ela chegue a horas à escola, focando-se apenas nas palavras da mãe, no tom autoritário ou até agressivo, reagindo também de forma emotiva, com choro, queixume e recusa em se levantar ou vestir-se.....pela não compreensão de sua mãe “do difícil que é levantar-se!”.

Se neste caso a mãe tivesse consciência que pelo seu cansaço estava em risco de experimentar emoções negativas e conseguido lembrar-se que a Joana é uma criança com dificuldade em “acordar plenamente” de manhã, talvez tivesse abraçado a Joana e acariciando as suas costas dissesse :“às vezes é muito difícil levantarmo-nos não é’?!”. E decidido ajudar a Joana a levantar-se ou até feito um jogo para promover que se vestisse mais rápido, ajudando assim a que a Joana estivesse mais capaz de resolver e planear conjuntamente a situação ( levantar, vestir e comer) reduzindo a “birra” que se seguiu. Ao percebermos como o cérebro do nosso filho funciona, conseguimos a sua cooperação muito mais rápida e frequentemente e com muito menos drama!

Os desafios familiares, (como a luta matinal de preparar os nossos filhos para a escola, ou o simples ato de estudar) à semelhança dos momentos das conversas serenas por exemplo sobre a amizade, são oportunidades para ajudar a sua criança, e a sua família, crescer! Uma oportunidade para comunicar as nossas necessidades.... Sei que é difícil no momento de grande tensão imaginar, mas ao conseguirmos perceber as necessidades emocionais da nossa criança e o seu estado mental conseguimos criar e navegar estes momentos com maior eficácia.

Não esquecendo o que as novas descobertas da Neurociência nos permitiram perceber, o cérebro é “plástico”, isto é, muda a sua estrutura física ao longo do curso da nossa vida e não apenas na infância como se pensava e, como tal, todo o minuto, todas experiências, podem ser uma janela de oportunidade para a mudança!

Sónia Fernandes
Psicóloga especialista em Clinica e Saúde
Psicoterapeuta