Na televisão, nas redes sociais e até em artigos de divulgação científica, a inteligência emocional é tema frequentemente em destaque. Para o especialista em inteligência emocional, Paulo Moreira, “a opinião parece ser unânime: reconhecer e gerir as nossas emoções é fundamental para a vida profissional”. O autor do livro Inteligência Emocional: Uma Abordagem Prática (edição Manuscrito), oferece aos leitores “conhecimento sobre as ferramentas que os ajudarão a seu favor”.

Paulo Moreira, CEO da empresa EQ-TRAINING LDA., prestadora de serviços e formações nesta área em Portugal, reuniu “54 técnicas comprovadas cientificamente para treinarmos a inteligência emocional”, lemos na apresentação ao livro, para acrescentar: “repleto de casos reais, exemplos práticos e exercícios para pôr as mãos na massa”. O livro é um mergulho em cinco grandes categorias:  autoconsciência, autocontrolo, automotivação, reconhecer emoções nos outros, relacionamentos pessoais saudáveis.

Escreve Paulo Moreira na introdução ao seu livro: “Decidi escrever este livro para poder demonstrar a importância vital que a inteligência emocional tem nas nossas vidas. Como o leitor poderá comprovar ao longo da obra, a inteligência emocional é a grande responsável pelo nosso sucesso profissional e pessoal. Poderá o leitor pensar que a inteligência cognitiva, o QI (Quociente de Inteligência), é aquilo que prevê o nosso sucesso tal como nos foi ensinado desde cedo, mas o QE (Quociente Emocional) também tem um peso enorme. Não só pessoalmente, como profissionalmente. Note o leitor que este livro não pretende descurar a importância do QI, muito pelo contrário. Se tivermos um QI elevado, temos mais facilidade em atingir certos objetivos na nossa vida, mas esta não é a única medida que nos ajuda a ter sucesso e a ser felizes, nem a mais importante”.

Paulo Moreira
Paulo Moreira Paulo Moreira, autor do livro "Inteligência Emocional: Uma Abordagem Prática". créditos: Manuscrito

De Inteligência Emocional: Uma Abordagem Prática, publicamos dois excertos. Uma primeira aproximação ao tema (“A importância da inteligência emocional”) e um aprofundar da questão (“A importância da inteligência emocional na escola”).

Que é a inteligência emocional?

Se pararmos para pensar um pouco, a expressão «inteligência emocional» assemelha‑se a um paradoxo, visto que parece não fazer muito sentido utilizar a conjugação destas duas palavras, «inteligência» e «emocional».

Em primeiro lugar, porque normalmente caracterizamos as pessoas mais inteligentes como mais «frias», racionais, lógicas e pouco emotivas. Assim, num ápice, facilmente me vem à memória a personagem Spock. Se não conheces, Spock é uma personagem que apareceu numa série de ficção científica de sucesso: Star Trek. Nesta série, Spock serve a bordo da nave espacial USS Enterprise, como oficial de ciências e primeiro‑oficial. É uma personagem meio terrestre e meio extraterrestre, oriunda do planeta Vulcano, que personifica o raciocínio lógico próprio do seu lado vulcano dominante, não manifestando quaisquer emoções, embora, num ou noutro episódio, o seu lado humano o faça sentir emoções e agir de forma mais irracional. Então, se quando sentimos emoções, ficamos irracionais, como é possível sermos inteligentes simultaneamente?

Em segundo lugar, porque já todos fizemos coisas impensáveis e dissemos coisas que nunca imaginámos poder dizer e que magoaram pessoas à nossa volta, pessoas de quem gostamos. E porquê? Porque estávamos «alterados emocionalmente», porque estávamos com as «emoções à flor da pele», porque foi no «calor da emoção». Logo, mais uma prova de que tudo o que tem emoção parece não ter nada de racional. Por último, as emoções também são uma coisa primitiva (e não só) que herdámos dos nossos ancestrais. A nossa arquitetura biológica está desenhada para fazer funcionar aquilo que tem resultado melhor nas últimas gerações.

“Os adolescentes são hoje tecnocratas de mochila” – Eduardo Sá, psicólogo clínico
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É uma constante evolução adaptativa. O problema é que só há poucas gerações (na ótica do calendário evolutivo) é que as coisas mudaram de forma disruptiva, e as necessidades de hoje não são as mesmas de há 250 mil anos. Mas o nosso cérebro ainda é influenciado exageradamente por aquilo que funcionou melhor nas últimas gerações. Por isso, quando estamos alterados emocionalmente, as nossas respostas são mais primitivas e fortes e podemos dividi‑las em três reações: fugir, lutar ou congelar.

Mais uma vez, as emoções parecem não ter nada de inteligente. Analisando estes três exemplos, percebemos que realmente não parece ter muito sentido utilizar a expressão «inteligência emocional», que mais parece um paradoxo. Mas é neste paradoxo que encontramos a necessidade de treinar a nossa inteligência emocional.

A inteligência emocional é a base do desenvolvimento pessoal. São as nossas emoções que controlam as nossas decisões e são as nossas decisões que definem o resultado da nossa vida. Este é um facto, uma verdade incontestável. Então, se são as nossas emoções que definem como vai ser a nossa vida, precisamos de ganhar ferramentas para as trabalharmos.

Então, que é a inteligência emocional? Embora não haja uma única definição para o tema, podemos dizer que é a capacidade de sermos inteligentes com as nossas emoções e de reconhecer e gerir as nossas emoções e as dos outros. A inteligência emocional é uma dança entre o nosso cérebro racional e o nosso cérebro emocional. A interseção entre ambos os cérebros e a sua interação é o que constitui a inteligência emocional.

Paulo Moreira é especialista em Inteligência Emocional e nas três maiores correntes mundiais desta área: EQ-i, ESCI e MSCEIT. Autor do livro Inteligência Emocional e do livro Gerir Emoções, é apresentador do podcast Inteligência Emocional. Doutorando em Psicologia das Emoções e Bem-Estar na Universidade Católica e mestre em Psicologia Cognitiva e Social pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, é fundador da marca Treino Inteligência Emocional e CEO da empresa EQ-TRAINING LDA. Coordenador científico da Especialização Avançada em Inteligência Emocional em Alta Performance, no Instituto CRIAP, Paulo Moreira é ainda docente na pós-graduação em Produtividade Pessoal e Profissional no ISCTE Executive Education e investigador na Católica Research Centre for Psychological, Family and Social Wellbeing.

Existem alguns conceitos que diferem ligeiramente no que respeita às várias categorias da inteligência emocional. Existem três grandes correntes mundiais deste tema e cada corrente defende um conceito à sua medida. Eles são distintos, mas também se cruzam nalguns pontos. Para este livro, utilizei o modelo inicial de Daniel Goleman, que divide a inteligência emocional em cinco categorias.

  1. Autoconsciência: capacidade de reconhecer as nossas emoções e compreender a sua origem.
  2. Autocontrolo: capacidade de gerir as nossas emoções e de as adaptar a cada situação.
  3. Automotivação: capacidade de utilizar as nossas emoções de forma que nos motivemos e atinjamos os nossos objetivos.
  4. Reconhecer emoções nos outros: capacidade de reconhecer as emoções nos outros e compreender como é que estes se estão a sentir.
  5. Relacionamentos pessoais: capacidade de gerir as emoções dos outros, de forma que se melhore as nossas relações interpessoais.

A inteligência emocional não só é importante como deveria ser matéria obrigatória no nosso ensino. Isto porque, se treinarmos a nossa inteligência emocional, vamos melhorar drasticamente a nossa vida.

A importância da inteligência emocional na escola

É estimado que o ser humano experiencia centenas de emoções por dia, sendo que estas advêm de regiões mais primitivas do cérebro. Aquilo que nos ajuda a não reagir constantemente por impulso e a não nos tornarmos meramente animais, que são seres puramente emocionais, é a parte superior e executiva do cérebro, o córtex pré‑frontal, que se situa no neocórtex, denominado por Daniel Goleman por cérebro racional. Este é o grande desafio diário que a inteligência emocional procura resolver: equilibrar a comunicação entre estes dois cérebros, o mais primitivo e o racional.

Para as crianças e os jovens, este desafio torna‑se ainda maior, porque a parte do cérebro racional que nos vai ajudar a gerir a parte emocional só fica completamente desenvolvida por volta dos 25 anos. É por isso que algumas das decisões tomadas por crianças e jovens parecem aos adultos «irracionais», «atitudes de criança» ou «estúpidas». É importante ter em conta que, até aos 25 anos, ainda se estão a formar ligações importantes no cérebro racional. Nesta fase inicial, a prática da inteligência emocional mostra‑se de grande importância, pois irá ajudar a enraizar atitudes, comportamentos e hábitos de sucesso para a vida. E os resultados verificam‑se logo na fase escolar.

Por exemplo, a inteligência emocional pode ajudar na forma como um estudante lida com a frustração, devido, por exemplo, a uma nota menos simpática. Nestas alturas, o maior impulso é desistir, mas a prática da inteligência emocional pode ajudar o estudante a adotar estratégias para atingir melhores resultados.

Também ajuda nos sentimentos de raiva, visto que, em vez de ter uma atitude fisicamente agressiva, a inteligência emocional pode ajudar na aprendizagem de comportamentos mais saudáveis. Um estudante que estiver com um bloqueio mental pode conseguir ultrapassá‑lo e ter uma atitude mais assertiva. Um aluno desinteressado ou desconectado da escola pode vir a ganhar maior interesse.

inteligência emocional
inteligência emocional créditos: Manuscrito

Existe um mundo inteiro de comportamentos mais eficazes que podem ser adotados, nesta fase inicial da vida, com um treino de competências emocionais, que terá resultados nas fases posteriores.

Da mesma forma que está fortemente enraizado que o QI é aquilo que vai prever o sucesso no mundo do trabalho, o mesmo se passa na vida escolar. Mas, lembra‑te, não são só as capacidades puramente cognitivas que vão prever o sucesso escolar.

Alguns estudos feitos com alunos verificaram que aqueles com maior QE tinham um melhor desempenho académico (Evenson et al., 2008 e Song et al., 2010). Esta relação foi analisada de alunos em quadros de honra até aos do quadro desportivo (Jaeger et al., 2003). Inclusive entre alunos de uma instituição de grande prestígio, o otimismo (uma característica de inteligência emocional) previa melhor os resultados académicos dos alunos do primeiro ano do que o QI (Schulman, 1995).

Além de prever os resultados académicos, a inteligência emocional dota os alunos de ferramentas comportamentais, para lidarem melhor com a adversidade e para persistirem ante as dificuldades e os obstáculos, resultando num melhor desempenho, numa menor taxa de desistência e até mesmo de abandono escolar. Keefer, Parker e Wood (2012), recorrendo a uma amostra de 1015 estudantes, descobriram que o motivo que levou os alunos a não conseguirem terminar o seu curso, após seis anos de início do mesmo, se deveu a uma baixa inteligência emocional nos domínios das relações interpessoais e da gestão do stresse. Descobriram também, utilizando amostras combinadas, que os estudantes que não abandonaram o curso do primeiro para o segundo ano tinham uma inteligência emocional mais desenvolvida do que aqueles que abandonaram.

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Qualter et al. (2011) também desenvolveram estudos com resultados idênticos, tendo verificado que os alunos que foram alvo de um programa de intervenção para treinar a sua inteligência emocional, além de terem aumentado o seu QE, tinham maiores probabilidades de persistir nos estudos do que aqueles que não participaram naquele programa ou num similar.

Schutte e Malouf (2002) realizaram um estudo, com mais pormenor, em que ensinaram competências de inteligência emocional a estudantes e os compararam com estudantes que não aprenderam estas competências. Os resultados foram analisados em termos de melhoria da sua inteligência emocional e de retenção escolar:

  • os estudantes que aprenderam inteligência emocional, embora tivessem, no princípio do semestre, em termos gerais, um QE mais baixo em comparação com o outro grupo (QE de 126,88 versus 130,79), ultrapassaram a pontuação de QE no final do semestre, tendo obtido mais sete pontos percentuais (QE de 134,05 versus 131,35), em comparação com o aumento de cerca de 0,5 pontos percentuais do outro grupo;
  • mais de 97 por cento dos alunos que tiveram sessões de inteligência emocional permaneceram no curso até ao fim, em comparação com 86 por cento dos estudantes que não tiveram as sessões.

Roger Weissberg, diretor da Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning, da Universidade de Ilinois, nos EUA, fez um metaestudo com base nos programas SEL (Social and Emotional Learning). O SEL é um programa utilizado da idade pré‑escolar até ao 12.º ano que ensina às crianças as competências de inteligência emocional. Os resultados deste metaestudo, que combinou a análise de 668 outros estudos (Goleman, 2005), foram os seguintes:

  • cerca de 50 por cento dos alunos mostraram melhoria nos resultados académicos;
  • cerca de 38 por cento dos alunos melhoraram a média dos seus pontos escolares (GPA, medida utilizada nos Estados Unidos);
  • os incidentes de mau comportamento reduziram em média 28 por cento;
  • o número de alunos que frequentavam as aulas aumentou;
  • cerca de 63 por cento dos alunos demonstraram comportamentos significativamente mais positivos.

Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.