Um jovem de 16 anos dizia-me: “- Nem sempre conheço os meus limites, porque estou sempre a mudar”. Os limites de idades e como definimos a adolescência tem variado muito ao longo da história. Isto acontece porque a adolescência é, em grande medida, uma construção social. Mesmo que a definíssemos exclusivamente através das fronteiras da puberdade teríamos que ter em conta a variabilidade até destes processos biológicos. Existirão ainda assim elementos mais universais?
Todos os povos indígenas desenvolveram, independentemente da sua localização geográfica ou diferenças individuais, rituais de passagem da infância para a idade adulta. Esse período é curto e geralmente inicia-se com a puberdade. Tais rituais, apesar de em muitos casos representarem um risco para a integridade física do indivíduo, têm importantes funções de coesão social, distribuição de papéis de género, preparação para a vida adulta, identificação com uma visão particular do mundo.
Apesar de constituírem um risco para o indivíduo visam a sobrevivência da comunidade. Esta capacidade de cooperação, especialmente com pares, a definição de papéis sociais, formação de grupos, assunção de um risco com vista a uma recompensa social poderão ter conferido uma vantagem evolutiva na nossa espécie. Esses processos poderão ter-se tornado especialmente importantes na passagem da infância para a idade adulta, altura em que fisiologicamente nos encontrávamos preparados para assegurar funções vitais das sociedades (e.g. meios de subsistência, reprodução, defesa do grupo).
Na verdade, o desenvolvimento do cérebro ao longo da adolescência espelha isso mesmo. Vários estudos comprovam que quando comparados com os adultos, os adolescentes de 16 anos não diferem muito nas suas capacidades de processar a informação, perante situações de risco. No entanto, um adolescente poderá valorizar mais a recompensa em situações sociais e isso sobrepor-se à sua capacidade de processar uma determinada informação.
Um adolescente pode assim explicar-nos na perfeição todos os riscos envolvidos numa determinada situação e o que deve fazer para os evitar, mas mesmo assim voltar a colocar-se nesse mesmo contexto. Esse desequilíbrio de forças poderá ser mais provável em adolescentes com dificuldades de autocontrolo, autorregulação e impulsividade. Acontecimentos de vida (e.g. divórcio, morte ou ausência de uma figura de vinculação, doença, fim de um relacionamento amoroso) podem representar um fator de risco adicional, especialmente se significarem uma perda significativa para o jovem nas suas tarefas de desenvolvimento da adolescência.
Assim, é importante intervir ao nível das fragilidades individuais que colocam um determinado jovem em maior risco, mas esta abordagem é insuficiente. Uma visão mais ampla da função desses comportamentos e uma intervenção nos contextos onde o jovem se insere são fundamentais: os pais, a escola, os amigos e a comunidade são elementos cruciais na prevenção e gestão dos comportamentos de risco.
As ruturas que se observam entre os jovens e os pais são muitas vezes violentas
É fundamental construir novas pontes de relação e comunicação que, mantendo as diferenças necessárias à adolescência, não descurem o sentimento de pertença, a identidade e a coesão familiares, que são cruciais nesta fase. É tão importante o jovem ir-se afastando de alguns caminhos dos pais, como encontrar novas estradas para regressar.
Vários jovens que acompanho são os maiores artistas, pensadores e inventores que conheço. Não me deixo de espantar como tantos têm insucesso académico, como não encontram espaço ou tempo para desenvolver estes interesses, capacidades e sonhos. É possível encontrar os motivos deste desencontro e tentar encurtar as distâncias. Tenho trabalhado com vários professores e escolas que se esforçam por construir essas pontes. Trabalhadas as fragilidades individuais e as adequações académicas necessárias, além da melhoria do aproveitamento académico vai-se desenvolvendo um novo sentimento de pertença ao contexto escolar e um sentido dado às aprendizagens.
O jovem começa a vislumbrar de modo mais concreto vias profissionais possíveis, num encontro entre os seus interesses e aptidões. Vai assim desenvolvendo e fortalecendo a sua identidade ao projetar diferentes papéis sociais e profissionais possíveis. Quando fazemos um caminho de intervenção onde algumas fragilidades individuais, o contexto familiar, ou escolar se harmonizam é possível reestruturar também algumas relações de amizade.
É frequente eles próprios começarem a não se identificar com os comportamentos de risco mais extremados do passado e logo com certos amigos dessa fase. As atividades de tempos livres da comunidade e as relações que daí decorrem são um contexto muitas vezes importante em todo este processo. Suavizam-se e previnem-se os comportamentos de risco.
Os riscos que contornamos são os limites com que nos vamos desenhando, nos vamos conhecendo. Os traços das silhuetas resultantes mostram-nos como mudamos, mas também como permanecemos.
Bruno Santo, Psicólogo Clínico
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