A Casa da Praia abriu as suas portas numa pequena vivenda de dois andares na Travessa da Praia, em Lisboa, em outubro de 1975 por iniciativa do psicanalista, pedagogo e pioneiro da saúde mental infantil em Portugal, João dos Santos.

A pretensão de João dos Santos não foi de sobrepor a Casa da Praia à escola ou de a substituir, mas proporcionar um espaço acolhedor a estes meninos com problemas de ordem emocional para que reconstruam a sua autoimagem, ganhem confiança e despertem a sua curiosidade para novas aprendizagens.

João dos Santos explicava também que a Casa da Praia “não é um hospital de dia porque não se destina a crianças com alterações graves de comportamento resultantes de perturbações mentais do ‘foro psiquiátrico’”.

Naquele espaço decorado com desenhos e trabalhos feitos por meninos que ali passaram, os professores, educadores e psicólogos trabalham com as crianças os seus interesses e capacidades na tentativa de compreender o que está na origem das suas dificuldades, como o caso de Ana, uma menina de oito anos que se via como uma aranha.

A psicóloga e vice-presidente da Casa da Praia, Clara Castilho, explicou à agência Lusa que estas crianças são oriundas de famílias de todos os estratos sociais e todas “têm uma história” de vida que se reflete nos seus comportamentos.

Apesar de terem capacidade para aprender, muitas não conseguem ler, escrever e têm problemas de comportamento na escola. “Há meninos que não falam com ninguém” e há outros “muito impulsivos, que não respeitam nada, não sabem conviver”, adiantou a psicóloga.

“São meninos com uma autoestima muito baixa, muito desconfiados, muito centrados em si próprios e com dificuldade em estabelecer relações”, acrescentou a professora do primeiro ciclo Sara Almeida.

Pegando nas palavras de Sara Almeida, a educadora Cristina Cunha contou que há meninos que têm muita dificuldade em fazer o autorretrato.

“Alguns dizem logo, eu sou feio, eu sou mau e não presto”, enquanto outros dizem apenas o nome e a idade, não conseguindo descrever a cor dos olhos e dos cabelos, disse a educadora.

Na Casa da Praia, onde leciona há 10 anos, Sara Almeida descobriu uma nova forma de olhar para a Educação: “Aqui dá-se importância ao que a criança sente e trabalhamos as suas dificuldades”, a maior parte das vezes em grupos, onde trabalham a escrita, a leitura, a expressão corporal, realizam teatros e constroem os cenários para a peça.

Mas muitas vezes as dificuldades não estão nas crianças, mas nas famílias, disse.

Clara Castilho observou, a este propósito, que há casos em que os pais destas crianças também frequentaram a instituição, um ciclo difícil de quebrar.

O apoio na Casa da Praia implica um trabalho com a escola e com as famílias no sentido de as mobilizar para colaborarem no “projeto de ajuda” à criança, que passa por alguma mudança na própria família.

Este trabalho nem sempre é fácil: Há casos em que nem chegam a inscrever os filhos e outros em que, ao fim de um mês ou dois, começam a dar desculpas por não quererem mudar nada ou por sentirem que os técnicos estão a ir “um bocadinho mais longe”, apesar de “serem sempre muito cautelosos na abordagem”, disse Clara Castilho.

Mas também há muitas famílias que tomam consciência da importância de mudar, de olhar de outra forma para os seus filhos e para si próprias, sem ficarem presas a vivências anteriores traumatizantes.

As cerca de 40 crianças, entre os 5 e os 12 anos, que frequentam a Casa da Praia a par da escola regular foram encaminhadas pelas escolas, centros de saúde, famílias e outras instituições da comunidade.

Os 40 anos da instituição são assinalados na quinta-feira com a realização da conferência "Casa da Praia - 40 anos de Pedagogia Terapêutica" na Fundação Calouste Gulbenkian.