Qualquer pessoa que eduque, ensine ou acompanhe crianças, ficaria profundamente aliviada se viesse a constatar que as populares tecnologias digitais não causam qualquer prejuízo à saúde mental destes; isto é especialmente verdade numa altura em que as escolas funcionaram à distância (e-learning e telescola) e em que os pais se esforçam por manter os seus filhos ocupados enquanto completam o seu trabalho ou tarefas domésticas. Contudo, as preocupações relativas às crianças e ao tempo de ecrã vão além das associações com a saúde mental, pois são abundantes as perguntas sobre os efeitos cognitivos e comportamentais das redes sociais e outros elementos tecnológicos.
Embora seja difícil saber exatamente como é que qualquer jovem passa o seu tempo, um relatório de 2018 do Pew Research Center concluiu que 45% dos adolescentes dizem estar online quase constantemente e que as redes sociais são as plataformas onde passam mais tempo. Entretanto, um relatório de 2019 da Common Sense Media verificou que entre os jovens de 8-12 anos, o tempo médio diário do ecrã é agora de quase cinco horas, o que não inclui o tempo gasto em trabalhos escolares. Entre os adolescentes, este número sobe para mais de sete horas por dia. Devido à pandemia por COVID-19 e às recomendações para ficar em casa, estes números certamente aumentaram.
Vivemos indiscutivelmente uma das piores conjunturas de saúde mental que se registam entre os nossos jovens. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), Portugal registou, em 2017, a maior taxa de mortalidade suicida nos últimos dez anos, entre a faixa etária dos 15 aos 24 anos. Tendências de depressão e ansiedade juvenil registam trajetórias semelhantes. Será coincidência que esta situação tenha lugar ao mesmo tempo que a evolução das redes sociais e dos smartphones?
Existem evidências que associam alguns aspetos da utilização intensiva de ecrãs a um elevado risco de problemas de saúde mental entre os jovens. Um desses exemplos recentes diz respeito a uma investigação conduzida, em 2019, na JAMA: The Journal of the American Medical Association que verificou existir um aumento do risco por cada hora que um adolescente passa em redes sociais no que toca a sintomatologia depressiva. Igualmente em 2019, dois psicólogos da Universidade de Oxford publicaram na revista Nature Human Behaviour um estudo impactante, estabelecendo uma associação entre a utilização de tecnologia e a diminuição do bem-estar entre adolescentes. A investigação baseou-se em dados obtidos em grande escala com crianças e pais nos Estados Unidos da América e no Reino Unido.
Contudo, os maiores preditores de depressão entre os jovens são ainda uma história familiar de perturbação mental, dificuldades socioeconómicas e outros fatores que nada têm a ver com tecnologia. Poderão as redes sociais desempenhar um papel na depressão juvenil? Provavelmente. Mas por agora, a literatura parece sugerir que o aumento da depressão pode resultar mais de outros fatores que emergem na sociedade do que devido à utilização de redes sociais.
Embora ver televisão ou jogar videojogos não seja a melhor forma de as crianças, especialmente as mais pequenas, passarem grande parte do seu tempo, a maior parte das suas preocupações incidem sobre os riscos dos smartphones e do uso intensivo das redes sociais (isto é, mais de duas ou três horas por dia). A combinação das redes sociais com as funcionalidades de um smartphone que desviam a atenção, formam hábitos, podem promover que os jovens passem muitas horas por dia online, não tendo tanto tempo para dormir, conversar com os amigos/família cara a cara, ou envolver-se em outras atividades que promovem o desenvolvimento saudável.
No decorrer da pandemia, os pais não se devem sentir culpados por confiarem nos smartphones para ajudar a ocupar os seus filhos a passar o tempo. A investigação está a tornar-se cada vez mais clara de que o tempo dos ecrãs poderá não ser o problema, mas sim a forma como crianças e adolescentes utilizam as redes sociais. Por redes sociais, inclui-se qualquer plataforma ou aplicação onde os jovens criam conteúdos que são comentados ou classificados por outros, o que tende a alimentar a comparação social e o julgamento, bem como a vergonha e o cyberbullying.
Um dos problemas é que estas plataformas permitem que os jovens se envolvam em atividades que provavelmente não seriam “capazes” de enfrentar pessoalmente. Como exemplo, alguns jovens criam perfis falsos e assediam-se uns aos outros de formas que provavelmente não conseguiriam, ou não poderiam, se lhes faltasse o anonimato de um ecrã. Com as redes sociais, também correm o risco de se compararem a si próprios com qualquer imagem perfeita que as pessoas estejam a dar, o que pode ser pouco saudável.
Os pais podem orientar os seus filhos para atividades positivas relacionadas com o ecrã, que incluem canais educativos e de entretenimento no YouTube, por exemplo. Isto não significa que os pais devem colocar os seus filhos em frente de ecrãs durante todo o dia. Quando se trata da maioria das formas de tecnologia digital, a moderação é fundamental.
A tecnologia (ou seja, consolas, smartphones, tablets, ...) é nociva ou não?
Não existe uma resposta direta a isso. É como perguntar: “A comida é boa ou má?” Depende do quê, quando e como se está a consumir. Mas tal como os dados sobre a obesidade infantil, os jovens poderão de facto estar a consumir estes meios eletrónicos em excesso e de formas pouco saudáveis. Envolver as crianças e os jovens atividades sem recurso à tecnologia pode ajudar a restaurar uma sensação de equilíbrio que foi perdida. É importante compreender que o cérebro e o desenvolvimento social, cognitivo e psicológico de um jovem é incrivelmente plástico e incrivelmente dependente da experiência. Isto significa que a forma como os jovens usam o seu cérebro terá impacto na forma como crescem e se desenvolvem. Tendo isto em conta, é razoável pensar que a transferência de tanto tempo e interação social de um jovem para um espaço digital tem impacto no modo como este pensa, sente e, sobretudo, como se relaciona.
A maioria das crianças e adolescentes encontram uma oportunidade positiva e benéfica de se ligarem à Internet, na medida em que serve para fazerem os trabalhos de casa, conversarem com os amigos, partilharem fotografias e muito mais. Contudo, sabemos que as crianças/jovens também enfrentam riscos online que, entre outros, podem ser de natureza sexual.
É urgente pensar em alterar a forma como as crianças utilizam as tecnologias, a fim de maximizar os benefícios e mitigar os riscos.
Um artigo dos psicólogos clínicos Mauro Paulino e Rodrigo Dumas-Diniz.
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