A passagem para o novo modelo de ensino — que este ano chega a todas as escolas que apresentem projetos inovadores e os vejam aprovados pela tutela — começou com a publicação, há cerca de um ano, do seu documento orientador: o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória.
O novo Perfil, orientador dos objetivos a atingir na escolaridade obrigatória, refere a necessidade de a escola formar pessoas capazes de responder aos “desafios colocados pela sociedade contemporânea” questão para a qual “devem convergir todas as aprendizagens, garantindo-se a intencionalidade educativa associada às diferentes opções de gestão do currículo”.
O objetivo é que no seu percurso escolar os jovens adquiram competências “entendidas como uma interligação entre conhecimentos, capacidades, atitudes e valores, que os torna aptos a investir permanentemente, ao longo da vida, na sua educação e a agir de forma livre, porque informada e consciente, perante os desafios sociais, económicos e tecnológicos do mundo atual”, de acordo com o despacho que homologou o novo Perfil do Aluno.
Sobre o Perfil, o Conselho de Escolas emitiu um parecer no qual sublinhava a impossibilidade de este ser aplicado nas escolas sem alterar o modelo de ensino vigente, que “não se coaduna com a prevalência de uma lógica disciplinar acentuada” e apelou para alterações curriculares graduais e progressivas.
Depois de um ano letivo com sete escolas em projeto-piloto neste novo modelo curricular e de uma avaliação positiva dos resultados obtidos, nomeadamente ao nível de combate ao abandono e insucesso escolar, o Ministério da Educação decidiu abrir a possibilidade a todas as escolas, já a partir de setembro, de poderem gerir os currículos numa percentagem superior a 25%, o limite que vigorava até agora.
Para isso basta que as escolas apresentem à comissão coordenadora da flexibilidade curricular os projetos inovadores que querem aplicar e que os vejam aprovados.
Criar disciplinas, juntar algumas em projetos interdisciplinares, estimular o trabalho colaborativo entre turmas, inclusivamente de anos diferentes, e permitir uma certa permeabilidade de percursos aos alunos, permitindo-lhes frequentar disciplinas que sejam do seu interesse, apesar de não constarem no seu currículo estão entre as possibilidades abertas pelo novo modelo de ensino.
A ideia, que entusiasma diretores e pais, não agrada tanto a partidos como o PSD, que no seu programa eleitoral rejeita a flexibilização curricular e defende uma flexibilização pedagógica para ensinar um currículo único.
O PSD promete, assim, reverter uma das bandeiras deste Governo para a área da educação, dando continuidade a uma tradição de mudança de direção nesta área consoante esteja no poder a esquerda ou a direita.
E foi numa lógica de oposição e reversão de algumas das principais bandeiras do ex-ministro Nuno Crato (Governo PSD-CDS/PP, liderado por Pedro Passos Coelho) que a “geringonça” arrancou o seu mandato, com uns primeiros meses de Governo completamente alinhados com a agenda sindical, que permitiram reverter a Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos (PACC) que Nuno Crato impôs aos professores — e que estes consideraram uma humilhação da classe docente — mas também a Bolsa de Contratação de Escola, o polémico sistema de recrutamento de professores que provocou uma das maiores crises no primeiro Governo de Passos Coelho e que levou o então ministro da Educação a pedir desculpas públicas ao país no parlamento pelos atrasos que este modelo provocou na colocação de docentes nas escolas.
Ainda no processo de reverter políticas do Governo que sai, a equipa liderada por Tiago Brandão Rodrigues decretou o fim dos exames do 1.º ciclo e do 2.º ciclo, para gáudio do PCP e do Bloco de Esquerda, frontalmente contra esses exames, e recuperou as provas de aferição, sem peso na avaliação final dos alunos.
Se ganhar eleições, o PSD de Rui Rio e o ex-ministro da Educação David Justino prometem reverter o que reverteu o Governo PS, com o apoio da esquerda (um acordo parlamentar que ficou conhecida como “geringonça”).
O Governo deixa ainda como legado a gratuitidade dos manuais escolares no ensino público ao longo de toda a escolaridade obrigatória, uma medida que foi aplicada de forma gradual e só este ano generalizada a todos os anos de escolaridade, após o PCP ter exigido a sua implementação total, no âmbito das negociações do último orçamento do Estado.
Os partidos da direita consideram a medida uma má gestão de dinheiro público e defendem que só os alunos carenciados deviam receber livros gratuitos.
A medida teve, no entanto, um enorme acolhimento junto das famílias, pelo alívio na despesa, mas a sua operacionalidade tem gerado alguns problemas e críticas, relacionados com a reutilização de manuais e distribuição de livros usados em mau estado.
O atual Governo deixa ainda nas escolas turmas mais pequenas, um novo enquadramento legal para a inclusão e um reforço do desporto escolar, em termos de horas lecionadas, mas também do peso para a avaliação, voltando a entrar nas contas das médias de conclusão do secundário e acesso ao ensino superior e pré-escolar a partir dos três anos.
Do ponto de vista dos conflitos, a primeira grande batalha que a equipa do Ministério da Educação travou foi a dos contratos de associação. A secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, liderou o processo que terminou, depois de muita contestação pública e manifestações inéditas colégios, com uma redução significativa do número de turmas financiadas pelo Estado nas escolas particulares.
A última, e que já é garantido que transita para o próximo Governo, seja ele qual for, foi contra os professores, que conseguiram o impensável, mas não o objetivo: juntaram a esquerda e a direita parlamentar numa “coligação negativa” que isolou o PS na recusa em contar todo o tempo de serviço congelado aos docentes, mas o entendimento acabou também ele revertido, no mesmo parlamento onde tinha sido alcançado.
A continuação da reivindicação dos nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço congelado é o legado que este Governo deixa ao próximo, uma luta que continuará, garantem os sindicatos, nas ruas e nas reuniões com a equipa governativa da educação, mas com uma mudança, a de morada.
Tiago Brandão Rodrigues fica na história como o ministro que mudou o Ministério da Educação da Avenida 05 de Outubro para a Avenida Infante Santo, em Lisboa.
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