Nascido em Manhattan, em Nova Iorque, nos EUA, a 26 de maio de 1964, o cantor, compositor, músico, ator, fotógrafo e produtor discográfico norte-americano de 56 anos Lenny Kravitz, o novo embaixador global do perfume masculino Y de Yves Saint Laurent, uma das marcas da YSL Beauty, é um dos artistas internacionais de maior sucesso da atualidade. Filho único, tinha 13 anos quando descobriu a religão e, aos 15, decidiu sair de casa dos pais para conhecer o mundo e, sobretudo, para se conhecer a si.
Em entrevista exclusiva ao Modern Life/SAPO Lifestyle, o intérprete de sucessos internacionais como "Fly away" e "Are you gonna go my way" recorda esse período difícil. "As ruas foram a minha verdadeira escola e foi nelas que aprendi tudo o que sei. Eu cresci com todas as personagens que fui conhecendo, com todas as pessoas com quem me fui cruzando e com todas as experiências que fui vivendo", desabafa o artista, que no próximo dia 6 de outubro lança, nos EUA, "Let love rule", um livro autobiográfico.
A música está presente na sua vida desde a sua infância. Foi sempre uma fonte de prazer ou chegou a ser um escape para fugir ao que o atormentava durante a fase complicada da sua adolescência?
A música foi sempre o meu porto seguro. Transportava-me para outros sítios. Havendo música por perto, eu nunca me aborrecia. Como era filho único, tinha de ocupar o meu tempo. Por mim, estava sempre a fazer música! Nos dias que correm, estamos rodeados de tecnologia. Temos as plataformas de streaming e os jogos, estamos online no Instagram, no Twitter, no Facebook, no YouTube e por aí fora...
Mas é preciso lembrar que, naquela altura, a televisão [nos EUA] tinha menos de 10 canais e só tinhamos a rádio e os discos para nos entretermos. Nós, naquela época, precisávamos de viver e de sentir a música, a questão era essa... Em criança, fechado em casa no meu quarto, não havia muita coisa para fazer. Eu tinha um pequeno gira-discos de plástico e os meus singles em vinil. Aquele era o meu mundo.
Um dos momentos altos da sua carreira foi o lançamento do álbum "Are you gonna go my way", um dos seus maiores êxitos comerciais, em 1993. Foi nessa altura que conseguiu realizar aquele que era um dos seus maiores sonhos...
Esse foi o meu terceiro disco. Nessa altura, as pessoas já sabiam quem eu era e as coisas estavam a correr bem. Já tinha iniciado o meu percurso e estava a percorrê-lo. O mais incrível desse período foi o que aconteceu com a canção que deu nome ao álbum, que acabou por ser o primeiro single lançado. Nunca imaginei que viria a ser o êxito que foi.
Não soava como nenhuma das canções que passavam na rádio na altura. Era, aliás, uma composição bastante crua e transformou-se num clássico. Uma das coisas que também contribuíram para o seu êxito foi o visual que adotei. Eu conheci, nessa época, um jovem realizador chamado Mark Romanek, que estava a fazer telediscos espetaculares. Foi ele que teve a ideia daquele anel de luzes, que era inacreditável. Ao fim e ao cabo, funcionou tudo. O visual, as roupas, a canção, a encenação... Foi uma combinação vencedora que fez com que as coisas explodissem. A canção é boa mas, se não fosse aquele visual, as coisas teriam acontecido de forma diferente.
Não teria tido o mesmo impacto. Os diferentes elementos conjugaram-se e resultaram numa tempestade perfeita. As coisas atingiram um nível que não tinham atingido até então e catapultaram-me para um novo patamar. De repente, estava a tocar nas maiores salas de espetáculos do mundo. Foi muito duro! As coisas mudaram muito rapidamente.
A canção foi lançada em 1993 e, ainda hoje, continua a ser relevante. Aliás, a YSL Beauty escolheu-a para promover o perfume Y de Yves Saint Laurent quando o anunciou como o novo embaixador global da fragrância...
Esse foi um belo presente! Sim, a canção continua a ter a frescura que tinha em 1993, quando foi lançada...
A música muda a vida das pessoas. Ser músico é, de certa forma, libertador e empoderador?
O melhor da música é que, passados todos estes anos, continuo apaixonado pela minha arte. Ainda continuo a gostar de a fazer. Sempre me senti abençoado pelo facto de a poder executar e ainda não me cansei de a produzir. Continuo apaoxonado por música e continuo a aprender.
Falámos há pouco da campanha promocional do novo perfume Y, que retrata os sonhos que se transformam em realidade. No vídeo publicitário, há uma analepse, um regresso ao passado. Surge, de repente, uma criança que interpreta o Lenny Kravitz na infância. Como é que imaginava que iria ser a sua vida naquela altura?
Quando era mais novo, só pensava em fazer música, porque é a minha paixão desde que nasci. Eu sabia que a música mexia comigo. Sempre tive essa noção. Fazia-me sentir vivo. Eu adorava ouvir os meus discos em casa, adorava ouvir rádio no carro do meu pai quando andávamos de um lado para o outro... Tinha cinco ou seis anos quando tive a noção de que a música era o que eu pretendia fazer da minha vida.
O meu pai surpreendeu-me e levou-me ao Madison Square Garden [mítica sala de espetáculos de Nova Iorque nos EUA] ver o meu grupo preferido, os The Jackson 5. Depois desse concerto, vi-o, senti-o e ouvi-o. Toda aquela encenação, a energia de estar numa audiência. Foi assim que aconteceu! Desse dia para a frente, tornei-me obcecado com a ideia de passar o resto da minha vida a tocar e a compor.
A campanha promocional do perfume Y sublinha o imperativo de nos automotivarmos e de arriscarmos. Lembra-se de algum momento da sua carreira em que teve de recorrer à sua autodeterminação para conseguir atingir um determinado objetivo?
Na realidade, a minha vida tem sido sempre assim. Eu saí de casa dos meus pais quando tinha apenas 15 anos. Deambulei pelas ruas, vivi dentro de um carro, dormi no sofá das pessoas que me acolheram, pernoitei em estúdios de gravação e em caves. Cheguei a dormir no chão... Eu saí de casa porque me quis testar e porque me quis pôr à prova.
Eu quis ver e sentir como é que era o mundo lá fora, para perceber como é que me iria, depois, futuramente, encaixar nele. As ruas foram a minha verdadeira escola e foi nelas que aprendi tudo o que sei. Eu cresci com todas as personagens que fui conhecendo, com todas as pessoas com quem me fui cruzando e com todas as experiências que fui vivendo. Fui-me descobrindo musicalmente à medida que fui vivendo as mais variadas situações, à medida que fui passando de uma experiência para a outra. Foram essas vivências que me permitiram crescer no período que mediou entre a minha saída de casa aos 15 anos e os meus 23 anos, altura em que consegui o meu primeiro contrato com uma editora discográfica.
Foi sempre essa a minha vida! Mas como é que eu o fui percebendo à medida que o tempo foi passando? Na maioria dos casos, as coisas aconteceram de uma forma orgânica. Existem situações em que nos lançamos de cabeça sem pensarmos muito nas coisas. Passamos a vida a moldarmo-nos à realidade e a seguir os nossos instintos.
Em 31 anos de carreira, já vendeu 40 milhões de discos, esgotou recintos de espetáculos em todo o mundo, fez cinema, ganhou prémios... Como é que, a esta distância, analisa o sucesso que tem tido e os feitos que já conquistou?
Na visão mais madura da vida que tenho hoje, ainda me preocupo que a minha arte faça sucesso mas, nesta fase da minha existência, o sucesso é, sobretudo, amor. A forma como amas e como usas esse amor para melhorar as coisas na tua vida, desde a tua paz de espírito à tua espiritualidade, passando pela gratidão pelo que te rodeia e pela liberdade que tudo isso te proporciona...
Tem colaborado com profissionais conceituados ao longo da sua carreira. Agora, para a campanha promocional do perfume Y, trabalhou com o realizador Anton Corbjin e com o fotógrafo David Sims. Como é que foi alinhar a sua visão criativa com a deles?
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que sou fã dos trabalhos que tanto um como outro têm apresentado enquanto fotógrafos, artistas e realizadores. Eu já tinha trabalhado com o Anton há uns anos, na altura em que o meu álbum, "Mama said" [lançado no dia 2 abril de 1991] saiu. Fizemos uma produção fotográfica para a revista Spin.
As fotografias foram tiradas no deserto. Ele também me fotografou para o livro de fotografia que lançou. Eu já o conhecia e sempre me identifiquei muito com a sua forma de expressão artística. Adorei as coisas que ele fez com os Depeche Mode e com os U2. Sempre fui um grande fã do trabalho dele, principalmente das coisas a preto e branco que ele faz. É uma das minhas referências. No caso do David Sims, despertou-me a atenção quando vi a primeira campanha a preto e branco que ele fez para a Saint Laurent. Se calhar, já tinha visto coisas dele antes, mas só naquela altura, com os grandes cartazes, é que me apercebi das qualidades dele.
Lembro-me de ter achado as fotografias fantásticas e de ter ficado fascinado com a luz delas. Antes de fazer esta campanha, já tinha vontade de trabalhar com ele e, agora, tive, finalmente, essa oportunidade. Eu também sou fotógrafo e entendomo-nos bem os dois porque sabemos como é que as coisas se fazem e podemos falar sobre elas.
Foi isso que aconteceu! Eu tenho um ponto de vista próprio e tanto um como outro foram muito recetivos às minhas ideias e à minha forma de ver as coisas. Fizeram-me sentir confortável e facilitaram-me a vida. Foram muito agradáveis comigo e, acima de tudo, o que é muito importante, divertimo-nos imenso ao fazer esta campanha.
Também tem colaborado com várias empresas ao longo da sua carreira, como é o caso da Saint Laurent e da YSL Beauty mais recentemente. Como é que os valores que estas marcas representam se alinham com os seus? Existe uma identificação?
Sim, existe. Trabalhamos muito bem juntos. É a primeira vez que sigo os passos da minha filha Zoë [Kravitz, modelo, atriz e cantora] enquanto embaixador de uma marca e adoro isso. Sempre fui um fã do Yves Saint Laurent [criador de moda francês falecido em 2008], do seu trabalho, da sua estética, do seu estilo de vida e da sua ousadia. Ele foi muito eclético e bebeu de inúmeras influências.
Também me aconteceu usar muitas peças da Saint Laurent. Sempre o fiz, mesmo antes de começar a colaborar com a marca. Acho que tem a ver com o meu estilo. Parece que as peças foram desenhadas para mim. Assentam-me muito bem naturalmente, pelo que não existiu aqui uma ligação forçada. A marca faz parte do meu estilo de vida há muitos anos. Esta é uma colaboração muito orgânica.
Tem um grande cuidado com a imagem. Sempre foi assim?
Acima de tudo, procuro ser muito natural e não é uma coisa de agora. Tenho essa preocupação desde os tempos em que frequentava o ensino secundário. Foi nessa altura que eu comecei a ter a preocupação consciente de cuidar do meu corpo, ingerindo alimentos orgânicos e biológicos. Isso fez com que, depois, um pouco mais tarde, passasse a ter também outras preocupações.
Passei a ter o cuidado de me preocupar tanto com o meu exterior como com o meu interior. Foi a partir dessa altura que comecei a treinar e a fazer exercício físico para manter todas as partes do meu corpo em boa forma e em boa saúde. Depois, as coisas foram evoluindo naturalmente e comecei a usar produtos naturais na minha pele, no meu rosto, no meu corpo e no meu cabelo.
Tem algum ritual de beleza?
A maior parte do tempo, lavo o meu cabelo apenas com água ou, quanto muito, com um sabonete natural muito suave. O meu cabelo anda quase sempre com rastas e não preciso de fazer muito para as manter. Tenho apenas de as manter limpas e de lhes aplicar um óleo. É um processo muito simples. Para além disso, não saio de casa sem pôr perfume.
Apesar de ter sido lançado em 2017, ainda há consumidores que não conhecem o perfume Y, a fragrância masculina pela qual agora dá a cara internacionalmente. Como é que a descreveria?
Uma das coisas que mais aprecio é o facto das notas de topo [bergamota, gengibre e maçã] serem muito frescas, com um cheiro muito limpo. As do meio [sálvia, zimbro e gerânio] e as de base [vetiver, madeira de cedro, âmbar, fava-tonka e olíbano] são, em contrapartida, muito sensuais e muito ricas. Mais profundas. Eu não gosto de um perfume que seja apenas fresco. Tem de ter personalidade. O Y tem essa intensidade!
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