A inglesa Anya Hindmarch, fundadora da marca de luxo com o seu nome, tinha 16 anos quando desenhou um autorretrato onde se imaginou à entrada de uma loja de sacos e carteiras com o seu nome por cima da porta. Aos 18, voou para Florença, Itália, em busca de um fabricante para a sua primeira coleção. Assim nascia a sua marca superexclusiva, que, em 2019, contava com 58 lojas espalhadas pelo mundo, de Paris a Tóquio, passando por Hong Kong, Nova Iorque ou Singapura.
Entre reuniões tensas, viagens extenuantes e loucas jornadas criativas, com o stress e o medo de falhar sempre à espreita, a empresária ainda arranjou tempo e energia para cuidar de cinco filhos e de um longo casamento feliz. Como é que conseguiu?
Aproveitando o recolhimento forçado da pandemia, Anya Hindmarch decidiu partilhar os seus segredos. E começa com este conselho: “Na Dúvida, Lave o Cabelo”. Ou, por outras palavras: não é possível fazer bem seja o que for, se não cuidar de si primeiro. Nasceu o livro Na Dúvida Lave o Cabelo, editado em Portugal com a chancela Lua de Papel.
Neste guia, o leitor encontra conselhos como saber liderar equipas, gerir dinheiro, divertir-se no trabalho, manter a família unida, escolher mentores, organizar a casa ou dormir bem. De acordo com a autora, Anya Hindmarch, “o sucesso vem por acréscimo - e não é preciso comportar-se como um homem. Basta ser fiel a si mesma”.
De Na Dúvida, Lave o Cabelo publicamos o excerto abaixo:
“Anya, tens de deixar as emoções de lado”
No início de 2019, as coisas no trabalho estavam bastante complicadas. Tinha vendido parte da minha companhia muitos anos antes e abdicado do cargo de CEO, e o negócio tinha passado por alguns obstáculos pelo caminho. Não quero atribuir culpas nem apontar o dedo a ninguém, mas foram tempos difíceis.
No entanto, foi nesta altura que tive um daqueles maravilhosos momentos marcantes, pelo qual serei sempre grata. Estava numa reunião e alguém disse qualquer coisa que não era justa nem correta e que ia contra aquilo com que tínhamos concordado anteriormente. Eu apontei o facto, de uma forma que me pareceu firme mas equilibrada, e pedi para discutirmos o assunto em privado depois da reunião, coisa que fizemos.
Nunca me esquecerei da resposta. “Anya”, disse ele, “tens de deixar as emoções de lado”. As mulheres são acusadas de serem emotivas com demasiada frequência. A maioria de nós fica logo a sentir-se uma menininha tola com uma vozinha aguda. Mas eu não tenho uma vozinha aguda, e não sou menininha nem tola. É irónico que as pessoas que costumam mandar essa boca fácil o façam precisamente por causa das emoções que elas próprias sentem, como a vergonha ou a culpa, quando esgotaram formas melhores de se defenderem.
Este momento foi decisivo para mim porque o que aprendi, e é algo em que acredito verdadeiramente, é que a emoção é um super-poder feminino e, se as mulheres têm uma vantagem no mundo dos negócios, muitas vezes é exatamente porque trazem essa emoção para o local de trabalho. Um negócio em crescimento constrói-se com base na emoção. Esse momento fez-me jurar que nunca mais afastaria a emoção de coisa nenhuma.
Claro, abro uma exceção para a raiva – sinto sempre que mostrar raiva é um sinal de fraqueza. Quando me sinto zangada no emprego, esforço-me por não reagir a quente e não deixar a agressividade imiscuir-se na conversa. (As pessoas menosprezam o quão agressivo pode soar o simples facto de pronunciar o nome de alguém: “O problema, Anya, é que…”). Mais vale deixar passar, dormir sobre o assunto, e chamar a pessoa à parte quando as coisas tiverem acalmado para explicar, de forma mais comedida, o meu ponto de vista, para “dizer pelas minhas palavras”, como se diz nos EUA. Nas raras ocasiões – e espero que sejam raras – em que não consigo disfarçar a minha fúria ou em que faço uma observação ligeiramente sarcástica, fico sempre a sentir-me dececionada comigo mesma. Além disso, sei que desencadeia um padrão de comportamento que se torna contagioso no local de trabalho. Portanto, trato de travá-lo sempre que posso.
Ser delicada e compreensiva, ser franca, ser até vulnerável – deixar a emoção transparecer – não significa ser fraca. Podemos ser delicadas e fortes ao mesmo tempo. Receber notícias duras, interiorizá-las e lidar com pensamentos difíceis são acontecimentos diários na vida de uma empresária. E ser delicada não significa evitar decisões complexas. Claro que, num negócio – em qualquer local de trabalho –, há que, por vezes, tomar decisões difíceis que são melhores para a organização, mas não necessariamente para os indivíduos.
Como empresária, a nossa prioridade tem de ser a sobrevivência e o sucesso do negócio, o que significa, claro está, sustentar as pessoas que se emprega. Isto, por vezes, pode revelar-se desconfortável. Mas, mesmo com as decisões difíceis, podemos fazer a escolha certa para o negócio e, ainda assim, encontrar a forma mais delicada para a implementar e a forma mais delicada de dar a notícia.
Despedir alguém será provavelmente o exemplo mais óbvio. É uma coisa horrível de se fazer a alguém e, já agora, também é horrível ser a pessoa a ter de fazê-lo. Há alturas, porém, em que não temos alternativa. Tive de despedir pessoas ao longo dos anos e isso foi para mim a pior parte de gerir um negócio, mas é possível lidar com este ato duríssimo de forma delicada e respeitosa. Podemos dar-nos ao trabalho de explicar por que razão o fazemos e deixar claro que percebemos as implicações do nosso gesto para a pessoa a quem o estamos a fazer. Podemos comprometer-nos a ajudar e apoiar essa pessoa na procura de um novo emprego, tanto quanto possível, e, na melhor das hipóteses, mostrar-lhe que a culpa não é dela. Por vezes, podemos até transformar isso num momento positivo de mudança para ela: se não estava a funcionar, talvez haja uma razão e possa ser resolvida de outra forma, numa outra organização.
Acima de tudo, não nos podemos esquecer de ser delicadas e de nunca, nunca “deixar as emoções de lado”. Fala-se muito, no mundo dos negócios, sobre a “marca”. Na minha opinião, é uma palavra demasiado utilizada. Parece-me que a palavra “marca” devia ser substituída pela palavra “comportamento”. A nossa marca é simplesmente a forma como nos comportamos, no negócio e fora dele. Podemos definir até à exaustão o que é a nossa marca, mas isso não significa nada se não corresponder ao comportamento – àquilo que é feito e à forma como é feito, repetidamente, dia após dia. Ocorre-me várias vezes uma citação atribuída a Ralph Waldo Emerson; “O que tu és grita-me tão alto aos ouvidos que não consigo ouvir o que dizes.” Um comportamento genuíno e autêntico – uma manta de retalhos de milhares de pequenas experiências, estados de espírito, conversas e reações – é muito mais importante do que slogans inspirados ou campanhas atraentes.
Hoje, tendo reavido o meu negócio, penso muito sobre o que é importante para mim e que atributos quero que sejam a imagem de marca da nossa companhia, tanto internamente, como perante o resto do mundo. E o mais importante para mim é a delicadeza, tratar os outros com respeito e justiça, e ser inclusiva. Serão qualidades femininas? Não necessariamente, mas celebremo-las em qualquer dos casos.
Sinto-me afortunada por nunca ter sentido que “tinha de me comportar como um homem” – o que quer que isso queira dizer – para avançar. Tive esta sorte porque o facto de ter criado o meu próprio negócio significou que a cultura começava comigo, mas também por ter trabalhado na indústria da moda, que é capaz de ser mais otimista em relação a qualidades geralmente consideradas femininas do que, por exemplo, o mundo da alta finança. Percebo que não seja assim tão evidente para algumas pessoas, mas porque quereria eu tentar ser como um homem? Adoro ser mulher. Adoro ser feminina. Quero ser uma mulher poderosa numa reunião? Absolutamente. Quero ser capaz de ter oportunidade de fazer as mesmas coisas que qualquer homem faria? Absolutamente. Quero ser tratada da mesma forma que um homem seria? Claro. Mas não quero ter de ser um homem nem de me portar de tal forma que se diga que parece a de um homem para conquistar isso. Não quero ter de vestir tailleurs masculinos, nem baixar artificialmente o tom de voz, nem disfarçar a minha empatia ou fingir que não fico louca de preocupação quando os meus filhos estão doentes ou tristes. Vamos lá todos ser nós próprios, em vez de tentarmos transformar-nos em paródias de outra coisa qualquer.
Gostaria igualmente de desfazer o mito de que as mulheres são particularmente maliciosas, competitivas ou territoriais umas com as outras no emprego. A minha experiência é completamente oposta. Sempre gostei de trabalhar com mulheres (e com homens). Tenho muitas mulheres na minha equipa principal. E penso que as mulheres são funcionárias delicadas, intuitivas, cooperantes e resilientes, que estão do nosso lado quando precisamos delas. Também há muitos homens com estas qualidades: eu, pelo menos, estaria perdida sem os homens da minha vida. Não digo que seja um exclusivo das mulheres. Digo que tanto as mulheres como os homens deviam aproveitar e celebrar estas qualidades que são tradicionalmente vistas – e talvez denegridas por isso – como femininas.
Nunca achei que ser-se mulher no mundo dos negócios fosse um problema. Na verdade, quando estou no trabalho, não penso muito no que é ser mulher – penso no que é ser uma pessoa.
Percebo que outras mulheres, em locais de trabalho possivelmente mais misóginos, têm mais dificuldades, e eu tenho dificuldades também, mas, para mim, no meu negócio, só houve uma ou duas ocasiões – incluindo aquela com que abri este capítulo – em que tenha mesmo sentido pela negativa que era uma mulher. Quando estive em Florença, aos dezoito anos, a procurar um fabricante para o meu primeiro modelo de carteira, acabei por ter um par de reuniões muito estranhas e inapropriadas em pequenos pianos-bares. Muitas pessoas do mundo da alta finança ou de países que ainda têm uma cultura particularmente patriarcal, dirigem-se, por vezes, ao meu marido (e, numa ocasião memorável, ao meu filho) mais do que a mim, mas eu insisto. Passados os primeiros quinze minutos, as pessoas costumam perceber que serei eu a tomar algumas das decisões e começam a dirigir-se a nós os dois. E, se não percebem, então, esse é um sinal gritante de que a relação não vai funcionar, e nós seguimos em frente.
O que achei realmente um desafio foi ser mãe no local de trabalho. Equilibrar o trabalho e a maternidade – ou a paternidade, admito, ainda que a tendência ainda seja com as mães – é, por vezes, muito duro, mesmo quando somos as nossas próprias patroas. Houve, sem dúvida, momentos em que eu senti que não aguentava. Houve muitas semanas complicadas no trabalho em que tive de dizer aos miúdos: “Sabem, vai ser um período difícil. Não me verão muitas vezes e, ainda que eu aqui esteja, mentalmente não estarei convosco a cem por cento, mas vão ter de me aturar, e vamos ultrapassar isto e comer pizza no sábado.” E houve semanas em que tive de dizer ao meu trabalho: “Olha, esta é a semana de todas as peças da escola, portanto, dá-me um desconto, e eu depois compenso-te.” Lembro-me de receber um email da escola, uma vez, que quase me levou ao desespero. Dizia algo como: “Lamentamos, mas queira ignorar o pedido para deixar a sua criança na St. Michael vestida de cordeiro. Poderia, em vez disso, deixar a sua criança no átrio da escola, mas deixar os collants do disfarce dela na igreja? Mas lembre-se, deixe o chapéu com a mãe da Sophia, que vive na...” E isso só para uma das crianças, de cinco, todas elas com espetáculos de Natal. Aprendi que tenho de comunicar de mais, de ser franca e de fazer muitas listas, em casa e no trabalho. Em casa, pintámos uma parede da cozinha com tinta de lousa preta, onde desenhávamos um horário, para que fosse sempre claro o que cada um estaria a fazer. Agendas eletrónicas partilhadas fizeram uma enorme diferença. Recentemente ouvi falar num representante dos encarregados de educação (homem) que introduz todas as datas do calendário escolar no seu calendário e convida eletronicamente todos os pais da turma, ficando assim as datas automaticamente assinaladas nas agendas deles. Que querido! Anotar todas essas datas costuma ser toda uma tarefa.
Tento incluir os meus filhos, contar-lhes as minhas preocupações no trabalho, tão abertamente quanto possível, bem como as minhas vitórias laborais. Penso que eles gostam de se sentir envolvidos, e que ajuda a que percebam porque estou distraída ou stressada. Acho que é importante explicar o que fazemos, que estamos assustadas ou em dificuldades. É tentador tentar esconder tudo e não mostrarmos que somos vulneráveis, mas acho que é melhor se os nossos filhos perceberem o que temos em mãos. Seja um “Consegui! Estou orgulhosa de mim” ou um “Na verdade, fiz tudo mal, mas resolvi as coisas no final”, ou um “Ninguém tem a culpa, desta vez não foi possível e pronto”, tudo isto são lições de vida úteis para os miúdos. É quando me esqueço de contar o que se passa e, por isso, ando só a sentir-me culpada e ressentida, nada foi articulado, e eu só comunico o meu stress através do meu humor, da linguagem corporal e da forma como reajo às coisas, que as coisas dão para o torto lá em casa.
Nessa altura é difícil para os nossos filhos, já que nos veem simplesmente a fitar o ecrã e na verdade estamos mergulhadas em centenas de emails, cada um deles deixando-nos mais ansiosas ou sobrecarregadas.
Acho importante aceitarmos que não podemos fazer tudo e tentarmos focar-nos nas coisas para que temos jeito. Nunca fui o tipo de mãe que ajuda nos trabalhos de casa, e tanto melhor, provavelmente, já que a verdade é que os meus filhos têm todos uma natureza mais académica do que eu. Também tive de aceitar que não sou boa cozinheira, o que tem sido difícil, já que a minha própria mãe é uma cozinheira e dona de casa fantástica. Quando eu era miúda, cada tijela de couves-de-bruxelas vinha polvilhada com pão ralado e um lacinho feito de cebolinho. Sim, a sério. Em adulta, passei anos a sentir-me um falhanço pela falta de laços de cebolinho nas vidas dos meus filhos. Mas acabei por perceber que demonstro a minha própria criatividade e o meu amor pelos meus filhos de formas diferentes. E tudo bem. Tenho de passar a vida a repetir isso a mim mesma, mas, em geral, está mesmo tudo bem.
Encontrar a opção certa no que respeita ao cuidado das crianças é fundamental, claro, não só para elas, mas para nós. Se formos trabalhar a sentirmo-nos preocupadas ou culpadas sobre como os nossos filhos serão tratados, é muito difícil concentrarmo-nos no nosso trabalho. Mas mesmo que você, como eu, tenha a sorte e a possibilidade de pagar a uma ama ou a uma au pair, e mesmo que crie as melhores estruturas possíveis, e mesmo que ande com sorte e tenha encontrado (e possa contar com) as pessoas mais adoráveis, capazes e empenhadas para cuidarem dos seus filhos quando não está presente, vai sempre viver com medo das quatro piores palavras que nenhuma mãe quer ouvir, geralmente comunicadas por email ou SMS, num domingo à tarde: “Precisava de falar consigo.” Estas palavras significam que alguém em quem confiamos, seja a pessoa que cuida dos nossos filhos, seja o nosso braço direito no emprego, está a lidar com grandes dificuldades sozinha e, consequentemente, alguma coisa está prestes a ruir. (Lembro-me de uma ama que me deixou um recado com “Precisava de falar consigo” na minha escova de dentes, coisa que não me ajudou a dormir bem essa noite).
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