Todos nós já vivemos tentativas falhadas no ato de convencermos alguém, seja nas nossas relações profissionais, nas familiares, quer individual, quer coletivamente. Os nossos quotidianos fazem-se da prática de influenciar o próximo com vista a alcançar determinado objetivo. Mas, será que a estamos a exercer de forma efetiva esta influência ou repetimos meros padrões, sem aperfeiçoarmos a forma como comunicamos?

Para nos ajudar enquanto emissores de uma mensagem - mas também como recetores -, o psicólogo clínico João Fernando Martins, lançou-se na escrita de Aprenda a Influenciar Pessoas (edição Manuscrito), obra que aborda a persuasão em cinco passos, entre eles a linguagem verbal e não verbal.

Tendo como ponto de partida a abordagem que é mote para o livro, abrimos a porta a uma conversa sobre a arte de persuadir, como a tornar efetiva no nosso dia a dia, mas também os entraves a uma boa comunicação. Há que perceber onde começar, mas também onde parar. Uma prática da influência que, nos dias que correm, se faz no mundo analógico e também digital. Para João Fernando Martins, também consultor em Análise Comportamental e Persuasão, “a influência pode ser bem ou mal utilizada, criar um impacto significativo ou praticamente nulo. Depende de como se utiliza”. Aprendamos um pouco sobre a matéria.

Atualmente, associamos a palavra influenciar à sua expressão no digital. Contudo, neste seu livro não é nesta questão que se concentra. Está-nos a faltar o exercício da influência fora da internet?

Quando falamos em influência, falamos do impacto que determinado contacto, seja ele direto ou indireto, seja por meio digital ou analógico produz em determinada pessoa.

Apesar do livro não ser direcionado especificamente aos influencers, mesmo estes têm impacto no público e nas suas decisões porque determinadas estratégias persuasivas estão ativas. A prova social pode ser a mais óbvia de enunciarmos nestes casos, uma vez que se determinada pessoa tiver muitos seguidores, quem perceciona essa popularidade terá mais tendência em aceitar as opiniões e sugestões do indivíduo, muito pela perceção de validação social que é interpretada por quem segue essa pessoa.

Fora da Internet esse exercício de influência também existe, embora as pessoas não tenham muita consciência de que essas tais forças estão ativas.

Assim sendo, estar atento a estes processos pode por um lado ajudar a pessoa a melhorar a sua forma de persuadir e por outro a ter uma maior consciência de quando está a ser alvo de algum destes processos.

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Exercer influência sobre o próximo é um exercício que praticamos no dia a dia, nas relações pessoais, no trabalho. No caso concreto do seu livro, o que nos traz de inovador?

Existe um pouco a tendência de considerar a persuasão como algo exclusivamente verbal e consequentemente relacionado apenas com o que vamos dizer.

O meu livro pretende desmistificar um pouco essa perceção, trazendo um pouco de foco à globalidade do processo comunicativo. Assim, foca a influência e a comunicação persuasiva numa perspetiva multidimensional onde, obviamente, a linguagem verbal está presente, mas também a não verbal, a nossa fisiologia, as questões psicológicas e o local onde a comunicação acontece bem como o tempo.

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Um processo de comunicação persuasiva é em grande parte um processo de construção de uma relação de confiança mútua. E como tal é um processo que demora tempo e que depende de muitas idiossincrasias, que como o próprio nome indica variam de indivíduo para indivíduo.

Pretende também desmistificar a mecanização deste tipo de processos, que muitas vezes são explanados como conceitos fechados onde se sugere que o indivíduo faça isto ou aquilo porque se o fizer vai ter este ou aquele resultado.

A comunicação persuasiva exige flexibilidade e adaptabilidade, quer à situação, quer às características das pessoas envolvidas. Não existe comunicação boa ou má. Existe comunicação adequada e desadequada.

Influenciar está mais próximo de persuadir ou de manipular?

Influenciar está mais próximo de persuadir, uma vez que a influência é maioritariamente praticada de maneira continuada, com o foco em múltiplos contactos e não com um contacto único. Todos nós nos influenciamos mutuamente. Basta estarmos presentes sem dizer nada em determinado local para essa influência acontecer. Por vezes até a própria ausência ou o silêncio pode provocar influência no outro.

Se colocarmos a questão nos influencers, um bom influenciador diverge de um manipulador porque tem uma reputação que não pode ser quebrada, uma vez que se isso acontecer quando sugere por exemplo determinado produto e as pessoas não gostaram, isso danifica a relação que as pessoas têm com ele e como tal a probabilidade de aderirem a sugestões futuras.

A manipulação relaciona-se mais a questões de coação, onde o indivíduo é obrigado a aceitar algo que não quer, sob pena de sofrer consequências se não o fizer.

Um bom influenciador diverge de um manipulador porque tem uma reputação que não pode ser quebrada.

Somos persuadidos ou deixamos persuadir-nos, conscientes de que se trata de um jogo?

Não acho que se trate de um jogo. Acho que se trata simplesmente de contacto humano e de uma competência que vamos desenvolvendo. Nós somos seres sociais e como tal temos uma necessidade grande de comunicar com outras pessoas.

E por esse facto, todos nós queremos que a nossa comunicação seja cada vez mais eficaz à medida que vamos ganhando experiência. No entanto, em certos momentos da nossa vida, podemos ter a tendência em repetir padrões, o que torna essa eficácia bastante limitada, não aperfeiçoando a nossa maneira de comunicar.

É aqui que devemos tentar perceber se será necessário alteramos alguma coisa que possa estar a funcionar menos bem, olhando para exemplos da nossa própria vida e identificar o que correu bem ou mal.

A influência, por si só, vai existindo como que em segundo plano, já que a comunicação acontece sempre que existe um emissor e um recetor.

A influência é uma ferramenta que faz parte da nossa oficina. Pode ser bem ou mal utilizada, criar um impacto significativo ou praticamente nulo. Depende de como se utiliza.

Persuadir e deixar-se persuadir implica uma relação vantajosa para ambas as partes?

Na minha perspetiva, persuadir implica uma relação positiva entre ambas as partes, criando um espaço onde ambos irão beneficiar, facto que difere bastante da manipulação. Essa relação positiva constrói-se a par de uma relação de confiança que vai crescendo à medida que os contactos vão acontecendo de maneira positiva e não negativa.

Um casal de namorados vai desenvolvendo a sua relação à medida que o tempo passa, com contactos cada vez mais próximos e íntimos que normalmente seguem uma linha progressiva. Um novo negócio vai crescendo e ganhando novos clientes à medida que a desconfiança gerada pelo “novo” vai sendo substituída pela curiosidade que as pessoas que vão tendo quando expostas à sua publicidade, por exemplo.

No seu livro, antes de abordar a questão psicológica, pormenoriza a fisiologia. Influenciar implica conhecermo-nos como um todo?

Sem dúvida. O mito da divisão corpo/mente cada vez mais tem sido desconstruído e como tal temos consciência que os nossos estados fisiológicos têm impacto na nossa mente e consequentemente no nosso comportamento.

Por isso, num processo de comunicação persuasiva a nossa fisiologia também deve fazer parte da equação, sendo que através da nossa capacidade empática devemos considerar que tipo de necessidades físicas a pessoa poderá ter e que possam interferir com o processo comunicacional.

Existem pessoas que funcionam melhor da parte da manhã, assim como existem outras que são mais eficientes da parte da tarde. Se, por exemplo, sabemos que o indivíduo estará mais stressado e com menos disponibilidade para discutir assuntos complexos ao final da manhã, uma vez que se aproxima a hora de almoço, talvez escolher essa altura para o abordar não seja a melhor opção.

Persuadir implica uma relação positiva entre ambas as partes, criando um espaço onde ambos irão beneficiar, facto que difere bastante da manipulação.

De acordo com as suas palavras, influenciar exige que se pratique a empatia. Esta, a empatia, também pode ser aprendida?

A empatia pode e deve ser desenvolvida. Fazendo parte de um grupo de competências denominadas “socio-emocionais”, é um constructo muito relevante para a nossa vivência plena enquanto seres humanos em múltiplas áreas.

No caso específico da comunicação persuasiva, a nossa capacidade empática permite-nos a compreensão do que o outro está a experienciar quer com o nosso contacto, quer relativamente ao pedido que pretendemos realizar, criando um momento de recolha de informação que se vai tornando essencial para irmos adequando a nossa comunicação a essas mesmas necessidades.

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Saber exercer influência pode mudar-nos a vida.

Influenciar também decorre das motivações do emissor e do recetor. No caso do recetor, é possível trabalhar-lhe as motivações?

A nossa capacidade empática permite-nos exatamente isso, o recolher de informação e ir adequando a nossa própria comunicação às barreiras que possam estar a existir.

Um processo persuasivo não é um processo fechado ou prescritivo. Vai mudando à medida que os contactos vão acontecendo. E como tal, vai adequando a sua abordagem às necessidades que vão surgindo por parte do recetor, trabalhando com isso a sua motivação.

No processo de influenciar é mais importante falar ou escutar?

Ambos. Ouvir torna-se essencial por dois motivos: promove conforto na pessoa, porque as pessoas gostam de se sentir ouvidas e permite-nos compreender quais são as suas necessidades pelas suas próprias palavras, informação muito importante para irmos adequando o processo comunicativo.

Falar também, quer para reforçar aquilo que ouvimos, quer para atender às necessidades da pessoa, ou até para fazermos simplesmente o nosso pedido.

Influenciar uma única pessoa ou um grupo de pessoas é um processo diferente?

Em grande parte sim. Existem estratégias que podem ser comuns, como a tal prova social que referimos. No entanto quando falamos para um grupo de indivíduos torna-se mais difícil compreendermos as idiossincrasias de cada um deles, não nos permitindo muitas vezes direcionar a comunicação de maneira mais individualizada.

Como tal, estratégias mais assertivas e dirigidas a contactos iniciais podem ser mais eficazes quando falamos em público em detrimento de uma comunicação mais empática e direcionada quando falamos para um indivíduo em específico.

Um processo persuasivo não é um processo fechado ou prescritivo. Vai mudando à medida que os contactos vão acontecendo.

Diz-nos seu livro que compreendermos a maneira como tomamos decisões e como os outros as tomam é um exercício libertador e catalisador. Porquê?

Porque muitas vezes deixamos o processo decorrer de forma automática, ficando frustrados quando a comunicação acontece de maneira errónea e sem conseguirmos compreender se da nossa parte falhou alguma coisa.

A autorreflexão é uma parte importante do livro, uma vez que obriga o leitor a revisitar alguns momentos da sua vida onde não conseguiu comunicar se calhar da maneira mais adequada e com isso a refletir se poderia ter melhorado alguma coisa em determinado momento.

Isto pode permitir que consiga aprimorar a sua maneira de comunicar em contactos futuros, trazendo-lhe uma maior sensação de controlo sobre todo o processo.

Finalmente, há sinais que nos indicam, em determinadas circunstâncias, que é um ato falhado procurar influenciar alguém?

Sim. E uma das partes importantes que procurei desmistificar no livro foi exatamente essa.

Existem muitas variáveis num processo persuasivo que dependem de nós e que podemos treinar e aprimorar para que a nossa abordagem seja a mais adequada possível.

No entanto, existem outras tantas que não dependem de nós, que nem sequer podemos ter qualquer influência sobre eles. Insistir demasiado pode tornar-se contraproducente na aceitação de determinado pedido, quer para o processo, uma vez que criando desconforto a sua probabilidade de aceitação será menor, quer para nós mesmos, que sentimos que o nosso empenho, a nossa energia e o nosso tempo não está a ser recompensado.

Penso que o importante acima de tudo é percebemos o que está ao nosso controlo e que isso podemos aprimorar. O que não está, não temos alcance e como tal devemos descartar.