Cedo, na sua vida, Susana Rosa, formadora e consultora em finanças pessoais, escutou do seu pai: “não dependas de ninguém”. Susana seguiu o conselho e alcançou a sua independência financeira. Uma história inspiradora que relata no seu livro Economisses (edição Influência), manual endereçado ao público feminino, num país onde as desigualdades salariais assentes na questão de género ainda são uma realidade.
De acordo com a autora, a independência financeira, define-se como a disponibilidade de dinheiro para tomar decisões importantes ao longo da vida, uma prática diferente da poupança. É importante fazer uma boa gestão financeira dos rendimentos, dos investimentos e das despesas.
“O facto de sabermos gerir o nosso dinheiro não depende do valor que recebemos, mas sim do que fazemos com ele”, sublinha em entrevista a empreendedora que lançou a primeira Academia de Finanças Pessoas Femininas no país.
Ainda de acordo com Susana Rosa, “para mudarmos a nossa vida financeira, devemos começar por mudar a forma como pensamos o dinheiro”.
Há que definir e atingir metas financeiras, diminuir dívidas, alcançar sonhos e delinear estratégias de poupança e de investimento.
Com Susana Rosa também percebemos que uma “boa” dívida pode tornar-se num investimento.
A Susana Rosa fala amiúde de independência financeira. Em síntese do que se trata?
Independência financeira prende-se com termos dinheiro suficiente para deixarmos de trabalhar e ainda assim mantermos o estilo de vida que desejamos e isto acontece porque temos uma poupança, ou rendimentos passivos que cobrem as nossas despesas mensais. Ainda assim, eu tenho um conceito de independência financeira muito próprio e mais acessível e que nada mais é do que termos dinheiro suficiente para tomarmos decisões importantes ao longo da vida sem que o dinheiro seja um factor limitador dessas decisões. Não é deixarmos de trabalhar, mas podermos, por exemplo, escolher onde e como o queremos fazer.
Em Portugal não educamos para a independência financeira?
Em Portugal ainda não educamos para independência financeira, mas sim para a poupança e para a escassez o que pode ser muito limitador.
Nos dias que correm é licito colocar os pressupostos da pergunta anterior numa questão de género?
Sim, claro, embora esta questão se comece a alterar. Digo que sim porque as desigualdades salariais ainda são uma realidade mas, acredito que estamos num processo de mudança, já que o facto de sabermos gerir melhor o nosso dinheiro não depende do valor que recebemos, mas sim do que fazemos com ele e, neste momento, as mulheres estão mais disponíveis para aprender e para aceitar a mudança.
Pode partilhar connosco a sua história no que respeita à autonomia financeira?
Eu cresci a ouvir o meu pai dizer que eu nunca deveria depender de ninguém e isso fez-me procurar a minha liberdade muito cedo, inclusive do meu pai. Comecei a trabalhar aos 19 anos, apenas porque queria ter o meu dinheiro e foi nessa altura que dispensei a minha mesada, embora o meu pai me tivesse aconselhado a acumular os dois recebimentos. A verdade é que o “não dependas de ninguém” foi bem assimilado e essa foi a primeira prova. A partir desse momento sempre trabalhei e poupei uma grande parte do meus recebimentos, o que me permitiu atingir o meu conceito de independência financeira muito cedo. Recentemente comecei a procurar a independência financeira mais generalista e também mais desafiadora e espero um dia destes poder contar esse processo que ainda está a ser desenvolvido.
O que é o mindset financeiro?
Mindset financeiro nada mais é do que a forma como pensamos o dinheiro e esta pode estar assente em pensamentos de abundância, que nos permitem melhores resultados, ou em pensamentos de escassez, que nos limitam em termos de conquistas financeiras.
Para mudarmos a nossa vida financeira, devemos começar por mudar a forma como pensamos o dinheiro.
No seu livro apresenta-nos algumas crenças em torno do dinheiro, curiosamente todas elas pejorativas (ex. “ninguém enriquece de forma honesta”). São crenças que obstam a que nos possamos desenvolver financeiramente?
Sem dúvida. São crenças que ouvimos desde sempre, que nos foram incutidas e que moldam a forma como lidamos com o dinheiro. De forma simples o cérebro assimila essa crenças, o que acontece em todas as áreas da nossa vida, guarda-as em gavetas e serve-se delas quando tomamos as nossas decisões no dia a dia. Isto significa que, quando temos crenças de escassez, tendencialmente tomamos decisões que levam ao insucesso financeiro. Por isso digo que, para mudarmos a nossa vida financeira, devemos começar por mudar a forma como pensamos o dinheiro.
O que podemos entender como finanças saudáveis?
Ter uma vida financeira saudável é a junção de um conjunto de fatores que nos dão segurança e permitem conquistar diversos objetivos, são eles, por exemplo, ter uma rotina financeira de planeamento e registo, saber definir metas concretas, desenvolver formas de renda extra, reduzir os gastos que para nós são supérfluos, ter hábitos de poupança e investimento e pensar o dinheiro de uma forma positiva.
Temos, realmente, controlo sob a forma como gerimos o dinheiro?
Se quisermos, sim, podemos ter 100% de controlo sobre a forma como gerimos o nosso dinheiro.
Quais são as metas que estabelece para quem lê o seu livro?
Cada pessoa deve definir as suas próprias metas de acordo com os planos que tem para si e do momento financeiro em que se encontra. O que eu sugiro no livro são algumas metas financeiras que todos deveríamos partilhar e são elas: eliminar dívidas, ter um fundo de emergência, planear a reforma e diversificar. Todas as outras deverão fazer parte da vida de cada pessoa e podem passar por ter um casamento de sonhos, viajar três vezes por ano, ter uma casa de 500 m2 com piscina, apoiar uma causa social, entre muitas outras.
Cada pessoa deve definir as suas próprias metas de acordo com os planos que tem para si e do momento financeiro em que se encontra.
O segredo de uma boa saúde financeira está no planeamento?
O segredo de uma boa saúde financeira está na conjugações dos vários fatores de que falámos acima e, sim, o planeamento, sem dúvida, é um deles.
Sucintamente, como podemos fazer uma boa gestão do orçamento mensal?
De uma forma muito simples que passa por fazer um orçamento cêntimo a cêntimo de toda a receita que temos disponível, onde se inclui a poupança mensal e, ao longo do mês, apenas precisamos de ir registando os nossos gastos, garantindo que esse orçamento está a ser cumprido e, caso não esteja a ser cumprido, tomamos medidas corretivas que não nos façam ultrapassar o que foi estipulado.
De acordo com a Susana Rosa há dívidas boas. Pode soar estranho, quer explicar-nos?
Claro. Vou dar um exemplo para ser mais fácil. Imaginemos que o leitor tem uma carreira profissional estável, com um ordenado estável, mas sabe que se aprofundar os seus conhecimentos num determinado tema, essa formação vai permitir um incremento de 200 euros no seu ordenado. Por outro lado, essa formação tem um custo de 2000 euros que o leitor não tem disponível de momento e por isso a única opção é recorrer a um crédito pessoal que irá pagar durante um ano, a uma taxa de juro de 5%, o que perfaz um total a pagar de 2100 euros, que corresponde a 175 euros mensais. Na verdade o leitor vai pagar 100 euros por este empréstimo e pagaria ainda mais se o prazo fosse maior, o importante é percebermos que, logo no primeiro mês de aumento, este valor se pagaria a si próprio e em dez meses e meio o investimento estaria integralmente pago, sendo que o leitor continuaria, depois desse período, com os mesmos 200 euros extra mensalmente. Ou seja, este é uma exemplo de uma boa dívida que na verdade se traduz num investimento e geralmente é isso que as boas dívidas são, investimentos.
Poupar e fundo de emergência são duas realidades diferentes?
Com certeza. Poupar é o que sempre fizemos, ter um fundo de emergência é o que estamos agora a começar a fazer. E é tão importante darmos nome ao dinheiro para o utilizarmos apenas naquilo que planeámos para ele. Ter uma poupança significa que posso fazer o que quiser com ela, por exemplo socorrer-me dela numa situação de desemprego, ou aproveitar uma promoção numa viagem de cruzeiro. Ter um fundo de emergência, significa que vou apenas utilizá-lo numa das poucas situações que defini para ele.
Poupar é o que sempre fizemos, ter um fundo de emergência é o que estamos agora a começar a fazer.
Da organização financeira ao perfil de investidora é um percurso que nos apresenta no seu livro. Não será, contudo, difícil quando falamos de pessoas com baixos rendimentos mensais?
Acredito que não é quantidade dinheiro que temos, mas a forma como o gerimos que nos vai trazer o sucesso ou insucesso financeiro. Quantas pessoas ganharam o Euromilhões e perderem tudo, quantos jogadores de futebol, estrelas de cinema, entre outros. E quantos homens e mulheres de sucesso perderam fortunas e se reergueram? O segredo está no conhecimento que temos e naquilo que fazemos com ele e não no dinheiro que ganhamos ao final do mês.
Lançou a primeira Academia de Finanças Pessoas Femininas no país. Que apoio encontram aí as interessadas?
Sim, este é um projeto que ainda está a dar os primeiros passos, vai agora completar seis meses, mas conta já com cerca de 400 mulheres afiliadas que subscrevem a nossa Comunidade e através dela têm acesso a inúmeros recursos como, por exemplo, webinars semanais, uma mentoria de grupo mensal, webinars com convidados especiais, newsletters semanais temáticas, tutoriais, glossário, mapas para download, uma comunidade de partilha de experiências, entre outros. Mas, para quem não quer fazer parte da comunidade, tem também a possibilidade de contar com o nosso apoio através de sessões de mentoria, workshops, entre outros.
Ainda no que respeita aos seus projetos, quer falar-nos do econoMisses?
O econoMisses foi a primeira página em Portugal de finanças pessoais femininas e, hoje, mantêm-se fiel ao conteúdo que o trouxe ao mundo, embora eu sinta que, para falarmos de finanças pessoais para mulheres, precisamos da falar de muitas outras coisas e, por isso, para além do tema central, debatemos temas relacionados com disciplina, mindset, empreendedorismo e até mesmo questões femininas que por vezes surgem e precisam de ser abordadas. A ideia é que, através da minha partilha pessoal e conhecimento, esta página possa funcionar como inspiração para que outras mulheres encontrem a sua independência financeira.
Entrevista concedida em maio de 2022.
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