Que características e informações é que a voz pode revelar sobre uma pessoa?

Revela muita coisa e logo nos primeiros segundos em que escutamos uma voz conseguimos perceber, em primeiro lugar, a idade da pessoa, se é jovem, adulta ou mais sénior. Há pessoas em que a sua voz revela que parecem ser mais novas do que realmente são. Conseguimos perceber se é homem ou mulher. Uma das coisas que se vê logo é o estado de saúde e agora já é possível detetar sinais de COVID-19 na voz. Há um algoritmo que está a ser estudado. Dá ainda para identificar a profissão de uma pessoa, pois há pessoas que têm uma voz muito característica, como é o caso da voz de rádio e de professora, a nacionalidade, o background social e a sua credibilidade. São vários sinais que conseguimos identificar só pela voz.

E em relação à nossa personalidade? É possível transmitir parte dela através da voz?

Sem dúvida. A personalidade também é outro aspeto que nós podemos inferir. Dou-lhe o exemplo de uma cliente que é muito introvertida, muito calada e que sentia que as pessoas falavam por cima dela, que precisava de mais tempo para processar a resposta e responder cuidadosamente. A ausência de voz mostra o quão introvertida sempre foi, mais tímida e menos participativa. E é algo que ela quer alterar e valorizar esse silêncio. Nem sempre precisamos de ser os primeiros a falar e isso não nos tira valor. Já uma pessoa que fala alto, de forma expressiva, que gosta de contar histórias mostra que a sua personalidade é mais extrovertida, mais relacional.

Mas a verdade é que a voz também pode ajudar a criar ideias erradas sobre as pessoas, correto?

Sim. Nós formamos uma imagem – se a pessoa é alta, se é baixa, se é forte – porque a voz nos dá essa imagem. Não é por acaso que se chama imagem vocal e às vezes bate certo e outras vezes não. Por exemplo, uma pessoa que fala muito alto, com uma voz mais expansiva e autoritária, pode passar o sinal de que é agressiva ou que se quer impôr mas depois quando se conhece a pessoa pensa-se ‘Ela é um doce’. Mas a voz dela criou distância – porque falou alto e de uma forma mais estridente – e depois não bate certo. E quando a pessoa entra depois numa segunda conversa é que realmente percebe.

Acho que as pessoas pensam que para mudar a voz precisam de meses ou anos de treino

É possível sermos prejudicados pelo tom da nossa voz?

Sim, muito e em momentos chave da nossa vida em que seja preciso transmitir uma ideia com confiança como, por exemplo, fazer a apresentação de um projeto, um pitch a um investidor ou pedir alguém em casamento. Ou seja, mesmo quando eu sei o tema, mesmo quando eu sei o que quero, mesmo quando eu tenho as coisas preparadas, a voz transmite nervosismo: fica mais fina, treme um pouco o tom e passa insegurança. Isso é extremamente desconfortável para muitas pessoas e acaba por pôr em causa algumas oportunidades de carreira. Isto é muito comum e nestes momentos chave o tom de voz pode-nos trair, daí ser importante termos um tom alinhado com a mensagem que queremos passar e a imagem que queremos transmitir.

Mas isso pode ser treinado e trabalhado…

Claro que sim, é esse o meu trabalho [risos]. É ajudar as pessoas a transmitir a voz que elas precisam. Eu não acredito que haja vozes certas ou erradas, mas existem objetivos e às vezes a pessoa precisa de ter uma voz mais assertiva, mais doce, mais confiante e isso depende muito das situações da nossa vida. E isso treina-se. Por exemplo, uma pessoa que tem um discurso muito monocórdico pode aprender a fazer variações de voz para criar contrastes na mensagem e chamar a atenção para alguns pontos. Tudo isso passa por treino: a pessoa conhecer a sua voz, treinar os aspetos que precisa, depois manter a consistência, integrar essas aprendizagens e começar a habituar-se a falar de uma maneira mais eficiente.

E esse é um processo rápido?

Tudo isto é treinável e é bastante rápido. Acho que as pessoas pensam que para mudar a voz precisam de meses ou anos de treino. Normalmente em três meses consegue-se atingir praticamente todos os objetivos que existem. Há pessoas que atingem num mês, outras numa sessão, outras precisam de mais tempo. Também depende da complexidade e do número de objetivos que estão a ser trabalhados. Há muita gente que acha que não pode trabalhar o sotaque. Dá para a voz ser menos monocórdica, mais projetada sem esforço e a maior parte das pessoas acham que precisam de investir muito nisso.

Mesmo em Portugal, vemos pessoas – homens e mulheres – que antigamente jamais entrariam na rádio ou na televisão como apresentadores.

Um inquérito do Reuters Institute for the Study of Journalism revela que o fenómeno dos podcasts cresceu consideravelmente durante o confinamento e que Portugal está acima da média europeia no consumo deste tipo de produto. Como explica o seu sucesso?

Acho que Portugal, em relação a outros países, está mais tardio a adotar este formato. Nos Estados Unidos da América há já muito tempo que o podcast é muito consumido. É muito prático ouvir um podcast, associa-se completamente à nossa vida. Podemos ir dar uma corrida, estar a cozinhar, estar no banho e ouvir um podcast. Principalmente no confinamento – em que estamos em casa a fazer coisas do dia a dia – precisamos de ter um estímulo, de ouvir uma conversa. Já não vamos ao café ouvir conversas, já não vamos a uma conferência trocar ideias e por isso é que o podcast teve tanto sucesso. O Clubhouse – esta nova aplicação que apareceu no ano passado em abril – teve imenso sucesso porque o formato áudio introduz-se muito bem na nossa intimidade, na nossa vida. Já o podcast tem menos concorrência e permite-nos fazer uma atividade que não exige tanta concentração e ao mesmo tempo estar a aprender sobre algum tema.

Falando do Clubhouse – onde é possível aderir a salas de conversação e intervir após autorização dos moderadores – acredita que a voz é o futuro? Que estamos perante a rádio do século XXI?

Eu acredito mesmo que a voz é o futuro. Esta é uma proximidade que as empresas podem ter dos consumidores, das marcas, da sua comunidade, das suas tribos. É uma proximidade que não se consegue com mais nenhum formato. Uma pessoa pode organizar um debate e a sensação de que eu posso falar e do lado de lá está o CEO da empresa X que eu admiro, que eu sigo, que eu tenho o produto, e que eu posso fazer-lhe uma pergunta, isto é o sonho de tocar o público, de chegar à audiência, de ter feedback imediato sobre algum tema. Isto está a ser muito aproveitado e vai ser, cada vez mais, pelas empresas para chegarem ao seu nicho, ao seu público-alvo. E o Clubhouse tem esta exclusividade de, primeiro, ser só por convite, depois posso filtrar o que me interessa, posso participar e dar voz à minha ideia e o facto de desaparecer da plataforma é muito apelativa.

Quem é Inês Moura?

Licenciada em Terapia da Fala, há 10 anos que se dedica a potenciar os recursos vocais de cada um dos seus clientes através de sessões de coaching e consultoria. É autora do livro “O Poder Secreto da Voz” (2018) e durante a pandemia lançou o podcast “Your Voice Matters”.

Mais informações aqui.

Outra aplicação que tem feito muito sucesso nos últimos anos é a Calm, que inclui aulas de meditação, histórias para dormir, exercícios para ajudar a relaxar e a dormir melhor, onde os utilizadores são guiados pela voz de alguns atores bem famosos. O tom de voz pode ser usado como ferramenta de relaxamento?

Claro que sim. Por isso é que eu disse que não há vozes certas nem erradas. Uma voz monocórdica, lenta e calma é talvez totalmente inadequada para uma apresentação em que se queira transmitir entusiasmo e energia mas é adequada para alguém que é um guia neste tipo de meditações, do yoga e técnicas de hipnose e precisa de ter uma voz muito calma, baixa, suave e lenta. Ouvirmos a voz de alguém é a coisa mais humana que nós temos em todo este afastamento social e que mais nos aproxima dos outros.

Um artigo da revista The New Yorker refere que há 100 anos as mulheres radialistas eram aconselhadas a mudar o seu tom de voz e a não mostrar emoção. Esta diversidade vocal não deveria ser considerada uma mais-valia em vez de algo negativo?

Sem dúvida, e felizmente que já o é. Nós já vemos vozes completamente diferentes nos estações de rádio. Mesmo em Portugal, vemos pessoas – homens e mulheres – que antigamente jamais entrariam na rádio ou na televisão como apresentadores. Esta diversidade é mesmo muito necessária e democrática. E aquela ideia de que a pessoa tem que ter a voz de apresentador ou de radialista para ter uma boa voz ainda hoje é tão forte que as pessoas dizem-me ‘Eu gostava de ter uma voz de rádio’ porque associam isso a ter uma boa voz. A minha pergunta é ‘Faz rádio? Precisa de fazer rádio? É esse o seu trajeto?’ e as pessoas dizem-me ‘Não, não, mas eu gostava de ter uma voz de rádio.’ Isto é muito castrador para a variedade de vozes que existem e daquilo que a voz pode fazer. Isso também aconteceu muito quando a mulheres entraram em massa no mercado de trabalho e começaram, a pouco e pouco, a ocupar lugares de topo e de sentirem que tinham de masculinizar a voz para serem ouvidas e respeitadas naquele meio. Não precisamos de ir muito longe: a Margareth Tatcher fez aulas para baixar o tom de voz, do agudo para o grave, para ser respeitada na Câmara dos Comuns e perante os seus pares. Felizmente, hoje em dia as mulheres têm de falar como elas próprias, na sua melhor voz, e não como os homens, para serem ouvidas.

Ouvirmos a voz de alguém é a coisa mais humana que nós temos em todo este afastamento social e que mais nos aproxima dos outros.

Considera que o tom, a vibração, a emoção e o intervalo entre palavras podem afetar o conteúdo da mensagem?

Claro que sim. Consoante onde se faz a pausa, a mensagem pode ser completamente diferente. Isso é uma das estratégias que eu ensino, que são fazer pausas estratégicas. Por exemplo, na mesma frase, a forma como se diz algo vai mudar completamente a mensagem que passa. Ou seja, usar um tom ou um volume diferente, as pausas, a própria dicção ou o ritmo vai mudar a emoção com que é passada. E as pausas quando são feitas antes algo criam expetativa para o que vai ser dito a seguir e quando é feita uma pausa depois de algo importante permite à audiência parar e processar o que acabou de ouvir. A diferença entre fazer pausas num discurso ou não fazer é a audiência reter ou não a informação. Portanto a voz muda completamente o conteúdo que é dito.

É possível definir diversos tipos de voz? Ou um tipo de voz comum?

Existem classificações que se usam para o canto mas na fala também podemos classificar a pessoa. Mas, mais interessante que isso, é a pessoa perceber se a sua voz está dentro daquilo que é uma voz natural e que eu digo FRESCA: uma voz que é flexível (ajusta-se e tem variações diferentes), resistente (uma voz natural que dura ao fim de um dia ao falar), expressiva (que transmite diferentes emoções), situacional (adequa-se a diferentes situações do dia a dia), congruente (com os meus gestos, com a minha mensagem) e agradável. Na voz falada acho mais útil balizarmos por estes aspetos do que eu falo muito agudo, falo muito grave.

Temos os nossos pais, o sítio onde nascemos, a nossa cidade, a nossa cultura, a nossa educação na nossa voz.

Na sua TED Talk, a voice coach Tamara Beatty diz que a nossa voz física é capaz de transmitir traumas e abusos sofridos anteriormente. De que forma é que isto se processa e como é que a nossa voz funciona como um reflexo do passado?

A nossa voz sai da nossa fisiologia, do nosso corpo e das nossas emoções. E as nossas emoções são muitas vezes afetadas pelo nosso diálogo interno, que são os nossos pensamentos e como nós falamos connosco próprios. E esse diálogo é muito condicionado pelas nossas crenças. Uma pessoa pode achar convictamente que não nasceu para comunicar, que não é um bom comunicador, que não tem jeito, e essa crença pode ter sido fundada por um episódio da infância: porque os colegas riram quando fez uma apresentação, porque a professora reprimiu alguma coisa, ou porque os pais sempre disseram “Fala baixo”, “Cala-te”, “Não incomodes”. Todas as experiências que tivemos desde a infância vão construindo a nossa crença sobre o que é a nossa voz no mundo. E claro que isto se expressa mais tarde. E quando falamos nós trazemos toda a nossa história. Estamos a falar da nossa educação, dos nossos hábitos, das nossas crenças, das nossas emoções, tudo o que acumulamos até aquele momento. E por isso é que a voz é das coisas mais interessantes e é a nossa identidade. Temos os nossos pais, o sítio onde nascemos, a nossa cidade, a nossa cultura e a nossa educação na nossa voz. E claro que ela transfere alguns medos e traumas. Não se fala muito deste tema, mas existe a disfonia psicogénica que é uma alteração de voz que não tem qualquer explicação física, ou seja, é tudo psicológico. E as pessoas podem passar por isso com um trauma ou com um acumular de situações (estar num emprego que não se gosta, ter de lidar com uma pessoa tóxica, ter uma relação de violência domestica) e a pessoa começa a acumular na voz um bloqueio que aprece muito metafórico mas é muito concreto e que afeta mesmo a voz das pessoas.

A nossa voz pode mudar com o passar dos anos? Se sim, que fatores é que podem estar na origem desta mudança?

Como vimos a voz é um produto de corpo e das emoções, o nosso corpo vai mudando, os tecidos vão-se alterando, perdendo elasticidade, firmeza e nota-se quando a pessoa envelhece. Por exemplo, a parte hormonal nas mulheres é muito importante. A entrada na menopausa vai afetar a voz, e como o nosso corpo vai mudando ao longo da vida a nossa voz também vai mudando porque é dali que ela sai, do corpo. É algo normal, que nos acontece a todos. Nós vamos mudando a voz ao longo da vida apesar de serem mudanças muito graduais.

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