Eduíno: Força de gigante
Eduíno: Força de gigante créditos: Pedro Loureiro

Esta não é uma história doce. É dura como a vida, por vezes. Inclui desespero, solidão, perigo de morte, o momento de mudar tudo, coragem. É a história de um caminho. E envolve amor.

O protagonista é Eduíno Ribeiro. Carolina, a filha de nove anos, também ocupa um papel principal. As lágrimas que a compõem são também da menina, sempre atenta às palavras do pai. Aos momentos doridos por que passou. À coragem que lhe deu.

Com 36 anos e um metro e 80 de altura, corpo musculado, Eduíno pesa 90 quilos. É personal trainer (PT) em dois ginásios de Lisboa e dedica muitas horas semanais ao exercício físico. Mas teve de caminhar – e muito, cerca de 60 quilos – para chegar onde está. Ainda é uma luta diária, dirá ele.

A obesidade, pode dizer-se, cresceu com Edu, como é carinhosamente tratado pelos amigos.  Nunca percebeu o motivo. Garante ter tido uma infância normal. Mas havia um vazio dentro de si. Tentou preenchê-lo como podia. Mas o vazio, alojado no coração, só aumentava.

Na escola, sentia-se excluído. «Os meus colegas corriam, jogavam à bola e eu era sempre deixado de lado. Pesava demasiado».

«Aos seis anos, comia demasiado. Tentava encher-me ao máximo». Aos 15 anos, a balança já marcava 110kg. Não era apenas a exclusão a magoá-lo. Havia o assédio dos outros rapazes. «Juntavam-se em grupos de três, quatro rapazes e davam-me “calduços”». E pontapés. Atiravam-no ao chão só para o verem prostrado, sem conseguir levantar-se por ter um corpo demasiado grande. Nessa altura houve algo no seu coração a quebrar.

Aos 16, 17 anos, começou a defender-se. Com medo, mas de si próprio. «Receava magoar os outros porque não tinha muita noção da minha força. Mas tinha muita».

O isolamento

No momento em que teve de agredir para se defender, ficou ainda mais destroçado. «Isolei-me, fechei-me muito». O mundo falhou-lhe e ele decidiu afastar-se. Os anos seguintes foram de reclusão e uma profunda depressão. «Os meus colegas saíam para discotecas, passeavam, tinham namoradas. Eu escondia-me da sociedade». E continuava a comer, o vazio a aumentar.

Os pais não perceberam o seu imenso sofrimento. «Eles trabalharam toda a vida e era mais um encargo. E eu não queria ser, por isso não mostrei». Eduíno decidira esconder-se do mundo.

Terminou o liceu com notas medianas, esforçando-se o mínimo possível, e decidiu entrar no mundo do trabalho. «Queria focar-me noutra coisa, não na minha obesidade». No início funcionou.

Enquanto trabalhava como técnico de informática numa pequena empresa, «a depressão ficou esquecida». O problema, porém, mantinha-se: «Atrás do balcão, o meu colega não conseguia deslocar-se à minha volta, não tinha espaço». E era sempre Eduíno a fazer os trabalhos pesados, a carregar os computadores. Poucos anos depois, pesava já ele 130 quilos, conseguiu emagrecer até aos 100.

A primeira namorada

Teve a primeira namorada da sua vida tinha 22 anos. A primeira esposa, a mãe da sua filha, Carolina. Mas, no íntimo, mantinha-se a frustração, o vazio. E para o alimentar, Eduíno comia. Cada vez mais. «Comecei a aperceber-me do pior: tanto a nível laboral como pessoal já me estava a cansar».

Após um ataque de ansiedade, seguido de um início de enfarte, acompanhado do veredicto «se continuar assim vai morrer», decidiu experimentar uma cirurgia nova. A famosa banda gástrica. Tinha 29 anos.

Só funcionou no início. «Numa operação qualquer, toda a gente emagrece durante um ou dois meses. E emagreci bastante». Dos 150 para os 130 quilos.

Mas o seu coração não estava ainda preparado. Edu ficava cheio, mas apenas fisicamente. «Tinha mentalidade de obeso…» Com a banda gástrica não conseguia comer tanto, mas podia ingerir líquidos. E liquidificava a comida. «Cheguei a derreter chocolate em panelas e a beber pela palhinha».

Também vomitava bastante, chegando a ter uma infecção na banda gástrica. «Quase morri por causa disso. Fui ao médico, disse-me que tinha de alargar a banda gástrica, desactivá-la». Tristeza, desorientação.

Ao chegar a casa, teve o clique: «A minha filha tinha um ano, olhei para o berço… Não poderia continuar assim, tinha de fazer algo ou não ia ver o crescimento dela. Ia acabar por morrer. Marcou-me muito».

Um homem seguro

Enquanto conta a experiência, o sofrimento a voltar-lhe ao rosto, as lágrimas rolam pelo rosto de Carolina, sem controlo. Eduíno abraça a filha. Tem muito a agradecer-lhe. Foi por ela que chegou onde chegou.

Começou por fazer caminhadas. Primeiro, 500 metros. Depois, um quilómetro, dois, três, quatro... Até àquele dia em que passou sete horas a caminhar, do Lumiar para o Terreiro do Paço, daí para o Parque das Nações, e não lhe doeram as articulações nem se sentiu ofegante. O resto aconteceu por acaso.

No caminho para o trabalho, a pé, viu uma piscina municipal. «Fui para a natação. Aí sim, emagreci imenso. Depois da natação, envolvi-me na musculação, a minha paixão». Eduíno acredita no destino. Num ano e meio, a sua vida deu uma volta de 180 graus. Conheceu a sua actual mulher, Sara. «Encontrei uma linda mulher que me incentivou a emagrecer».

A alimentação também mudou. «Decidi comer mais vegetais, mais peixe, deixar de comer hidratos de carbono».

A paixão pela musculação levou-o a dedicar-lhe a vida e a tirar um curso de instrutor e depois de personal trainer. Mas não parou por aí. «Tirei vários cursos de Nutrição». Aprendeu a «saber comer».

Hoje é um homem diferente, mais seguro. Porém, admite, quer ir mais longe. «Ainda não estou satisfeito com o meu corpo. Nós, se estivermos satisfeitos, vamos estagnar e recuar depois». Tem o mais importante: sente-se saudável.

Texto de Sónia Balasteiro

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