Numa sociedade que se diz evoluída, que aderiu à Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e combate dos crimes de género e violência doméstica, continua-se a sentir uma enorme resistência das vítimas, principalmente das vítimas de violência sexual e vítimas de assédio em denunciarem a prática dos crimes de que são alvo.

A questão que se coloca é porque é que as vítimas deste tipo de crimes, quase sempre mulheres, resistem tanto em contar a sua verdade? 

É certo que persiste o número baixíssimo de condenações nos crimes de violência doméstica praticados contra mulheres bem como nos crimes sexuais, quase sempre atribuído às dificuldades da prova. 

Mas será que se se valorassem mais os relatos das vítimas, estas continuariam a evitar a exposição?  

A tónica da questão é e será sempre o respeito, reconhecimento e credibilidade que as vítimas esperam ter e precisam ter por parte das pessoas que têm conhecimento dos factos e que, na verdade, não lhes é dado. Como resultado, as vítimas pensam inevitavelmente que é preferível calarem-se a estarem a expor assuntos do foro privado e íntimo que as fará sentirem-se vexadas e ridicularizadas, o que só acontece porque as vítimas têm sempre de justificar o porquê daquilo que estão a relatar. Ou seja, invariavelmente as vítimas é que se justificam, fundamentam o sucedido, e não os agressores. Além de terem de o fazer com a credibilidade esperada sob pena do seu testemunho não ser considerado, o que é profundamente revitimizante.

Acresce que, quando nos reportamos a crimes sexuais e ao crime de assédio sexual, as exigências quanto aos relatos e postura das vítimas são ainda maiores, completamente despropositados e humilhantes nos tempos em que vivemos.

É bom que se tenha consciência que as vítimas têm sempre de explicar de forma lógica e minuciosa os factos ocorridos, explicar o porquê do sucedido e qual a sua postura perante os factos. O nível de exigência toca efetivamente no absurdo e traduz a perpetuação dos estereótipos de género que abonam unicamente a favor do homem, quase sempre o agressor, mas que a sociedade teima em replicar de forma escondida. Sim, porque é comum ouvir-se publicamente que estas questões estão ultrapassadas e que hoje-em-dia os direitos dos homens e das mulheres são iguais. Mas, na verdade não são!

As mulheres continuam a ser ridicularizadas quando se queixam de assédio, já que a maioria das pessoas até brincam com o assunto e dizem que os piropos podem ser engraçados e que até há mulheres que gostam, quando isto é banalizar e legitimar o crime em questão.

O mesmo é falar das vítimas de violação, onde parece que a importância de dizer um não explicito ao ato sexual continua a ser algo intransponível, pois, o silêncio é quase sempre valorado como aceitação.

Do que precisamos para acabar com estes pensamentos estereotipados na nossa sociedade? Porque continuamos a ser tão mesquinhos paras as mulheres vítimas de violência? Porque é que se pensa sempre que podem estar a exagerar ou a mentir?

Uma coisa será o princípio da presunção da inocência do agressor constituído como arguido num processo-crime, até que se prove o contrário por meios de prova que corroborem a versão das vítimas, e outra bem diferente é o respeito e reconhecimento que se deve ter por todas as vítimas. 

Certo é que, apesar de apregoada a igualdade entre homens e mulheres proclamada na Constituição da República Portuguesa, todos sabem que a mesma está longe de ser alcançada e quando falamos desta tipologia de crimes escolhemos criteriosamente as palavras para se fazer compreender hábitos e práticas nefastas e recorrentes que todas as mulheres vítimas de violência sentem no seu dia-a-dia. Principalmente, os temas de violência sexual e assédio sexual têm de ser tratados com pinças para não serem mal interpretados e levantarem ondas de protestos acusatórios.            

Um artigo de opinião da Advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.