«Não sei se foi a história que mais me marcou, mas é uma daquelas que recordo melhor. Teria à volta de cinco anos. Morava numa casa térrea de um bairro pobre de Lisboa e tinha vizinhos que identificava pelo nome ou pela alcunha», recorda... Virgílio Castelo.

«Era uma rua com pouco ou nenhum movimento, de tal maneira que me recordo de ter dormido, algumas vezes, num colchão posto na rua, com os meus pais e irmãos e vizinhos, em noites de calor insuportável que as casas, mal construídas, não aguentavam.»

«Entre os vizinhos que me acompanharam até aos dez anos, estava uma senhora de nome Maria, que respondia também por 'das azeitonas'. Nunca soube a razão daquela alcunha.»

«Sabia apenas que a senhora era da mesma terra que a minha tia Carminda: uma aldeia perto de Mangualde, o que para nós, lisboetas há várias gerações, se tornava uma curiosidade misteriosa. A dona Maria das azeitonas vinha de um país que eu não conhecia e que me pareceu sempre muito longe, até fazer a primeira grande viagem pelo interior de Portugal, já com 19 anos.»

«As habitações não tinham casa de banho e a higiene era feita consoante o espaço de cada um. Havia quem tomasse banho na cozinha (como nós), quem se lavasse no chafariz da rua, quem fosse tomar banho ao balneário público ou a casa de parentes com mais posses e quem fizesse a sua higiene em selhas de madeira, largas.»

«Era o caso de Maria das azeitonas. Uma vez por semana, punha a selha no quarto, enchia-a de água e tomava o seu banho. Quando terminava, e depois de se secar, entrava eu em acção.»

«A dona Maria morava mesmo em frente, sendo a janela dela um pouco mais alta que o postigo da nossa porta. Quando ouvia o grito dela a chamar por mim, compenetrava-me porque a missão não era fácil.»

«Ao entrar a visão era sempre a mesma: a dona Maria, virada de costas para mim e de frente para a janela, já de saia vestida, com o tronco ainda nu e o soutien posto, mas não apertado. Era essa a minha missão: pôr-me em bicos de pés e apertar o soutien da Maria das azeitonas.»

«A senhora era excessivamente gorda, não o conseguia fazer sozinha e como tomava banho quando o marido, o senhor Armando, estava a trabalhar, precisava de um auxiliar para tão delicada tarefa. Nunca cheguei a perceber se eu gostava de fazer aquilo ou se apenas cumpria, obediente, mais uma tarefa que a minha mãe me tinha destinado.»

«Sempre pus o dever antes do prazer e não me lembro, se nessa altura, já sentia algum encantamento com o corpo feminino. O que é um facto é que nunca me esqueci deste episódio.»

«Muitos anos depois emocionei-me ao ver o filme Amarcord de Fellini em que um grupo de miúdos mais velhos passava por situações insólitas como esta. Mas, no meu caso, calculo que o que aconteceu foi que a Maria das azeitonas, depois de conferenciar com a minha mãe, me elegeu como o mais inofensivo par de mãos residente na rua do Alto do Varejão (de uma Lisboa que já não existe).»

Declarações recolhidas por: Mariana Menezes