Nasceu em 1935, filho único de um ex-ativista da Independência da Coreia, e viveu marcos históricos como a ocupação do país pelo Japão imperial e a Guerra da Coreia. Em 1960, Rhee Kun Hoo foi preso e cumpriu pena como um dos líderes estudantis da Revolução de Abril, movimento democrático que contribuiria para a jovem democracia da Coreia do Sul. Uma vez libertado, mudou o difícil sistema de saúde mental sul-coreano e foi o primeiro a implementar, por exemplo, a terapia psicodramática no país.

Visionário, ativista e filantropo, dedicou-se em conjunto com a mulher a proporcionar às gerações coreanas orientações para a vida, nomeadamente sobre parentalidade, relações e acompanhamento pós-reforma. A Portugal, o psiquiatra coreano chega com o livro Como Ser Feliz Até aos 100 (edição Nascente), um entre as dezenas de livros que Rhee Kun Hoo já escreveu.

Este é um livro direcionado para todas as idades, escrito de uma forma simples e acessível na abordagem de assuntos sérios — como a depressão, a raiva e a ansiedade —, com ferramentas para resolver situações do quotidiano, baseadas em anos de trabalho clínico.

De Como Ser Feliz Até aos 100 publicamos o excerto abaixo:

Ninguém gosta de envelhecer

Dividimos aproximadamente a vida em cinco estádios: infância, adolescência, início da idade adulta, meia‑idade e velhice. Cada transição para o estádio seguinte resulta em ansiedade e dor devido à incerteza inevitável. E assim, lembrámo‑nos de introduzir aquilo a que chamamos ritos de passagem entre estes estádios, para anunciar a nossa mudança de papel e resolver a ansiedade que experienciamos no processo. No passado, o aniversário dos 18 anos, os casamentos e os funerais eram os principais ritos de passagem, mas, atualmente, a admissão à universidade ou o primeiro emprego relevante parecem ter‑se tornado importantes ritos de passagem.

Paremos um pouco, porém, para ponderar se temos algum rito de passagem para os idosos. Porque não me consigo verdadeiramente lembrar de nenhum. Antigamente, os coreanos consideravam o aniversário dos 16 anos um dia especial e atribuíam‑lhe uma grande importância, mas agora passamos logo para o dos 17 anos, que também tende a ser um acontecimento bastante calmo e discreto, mesmo quando é festejado. Todas estas mudanças tornam difícil determinar qual é a idade em que devemos considerar alguém como «velho» atualmente. É que o próprio conceito de velhice tem evoluído com o tempo, levando a um pouco de dissonância cognitiva da minha parte.

Havia um professor catedrático que sempre admirei e de quem era bastante próximo. Já reformado, ia ao hospital universitário onde eu trabalhava fazer check‑ups regulares. Um dia, ouvi um burburinho vindo do balcão de entrada do hospital. No início ignorei, julgando tratar‑se apenas de um pequeno problema com um paciente descontente, mas, quando aquilo se transformou numa gritaria, saí do meu gabinete. Incrédulo, encontrei o meu professor catedrático a gritar com uma rececionista. Fiz com que entrasse no meu gabinete e perguntei‑lhe o que tinha acontecido. Ele sentiu que aquele funcionário, ao não o reconhecer, não lhe demonstrara respeito suficiente.

«Sou um professor emérito desta casa...»

Obviamente, quando paramos de lecionar e deixamos a escola, passa a haver cada vez menos pessoas que nos reconhecem. De poucos em poucos anos, cada escola torna‑se um cenário totalmente diferente, cheio de novos alunos, então, quem se iria lembrar de um professor emérito, independentemente da honra ou respeito? Além disso, ele nem estava na faculdade de medicina da escola, pertencendo a um departamento totalmente diferente. Quem podia verdadeiramente culpar o funcionário?

“Os indivíduos mais pessimistas têm mais problemas de saúde e morrem mais cedo” – Psicólogo Bruce Hood
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O meu professor catedrático deve ter tido dificuldade em aceitar o seu novo papel e lugar no mundo. Fiquei espantado com o comportamento inesperado de um académico respeitado que também admirava como ser humano. Não se trataria de uma prova inegável dos desafios que nos coloca a passagem à velhice, dado o custo que ela acarreta, até para uma pessoa importante? Nesse mesmo dia, com a minha reforma não muito distante, resolvi pôr em prática viver como um idoso chamado Rhee Kun Hoo — que virá a ser despojado dos seus títulos de professor e doutor. Era uma espécie de treino para o envelhecimento.

Escolhi o metro como local para treinar. Primeiro, os seus utentes eram perfeitos estranhos, pelo que não era muito importante o que pensassem de mim. E, devido à nossa cultura coreana de dar o lugar aos idosos, poderia ver com precisão quão velho as pessoas me consideravam. Na carruagem, evitei os lugares destinados aos idosos e fiquei intencionalmente de pé junto aos lugares normais. Como não era hora de ponta, poucas pessoas tinham ficado de pé, sem ter conseguido arranjar lugar. Olhei atentamente à minha volta e percebi que era, provavelmente, a pessoa mais velha da carruagem. Havia um jovem sentado mesmo à minha frente e tive curiosidade em saber se se levantaria e me convidaria a ocupar o seu lugar, como era habitual. No entanto, durante várias paragens, ele não se mexeu. E até fechou os olhos como que para evitar o meu olhar, o que me fez ter uma estranha sensação de desafio: «Bem, vamos lá ver quanto tempo te aguentas!»

“O nosso ego é o principal obstáculo à felicidade”
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Vou ser sincero consigo: habitualmente, nem sequer penso em me aproximar desses lugares reservados para os idosos e pessoas com deficiência dos metros coreanos. Sempre os considerei como lugares para aqueles que precisavam verdadeiramente deles. E nunca me senti com direito a lugares do metro seja em que altura fosse apenas por ser idoso, não tendo quaisquer problemas ou incapacidades físicas, e sabe deus que pensava o mesmo quando me ofereciam o lugar a mim ou aos idosos em geral. Mas, sinceramente, quando decidi ver como seria tratado enquanto cidadão idoso no mundo, o comportamento daquele jovem começou a irritar‑me. Fiquei parado diante do jovem, com os olhos a disparar punhais, até chegar ao meu destino.

Foi uma primeira experiência chocante, mas não podia formar uma opinião com base numa única experiência isolada, por isso, entrei noutro metro. Desta vez, um aluno do liceu levantou‑se imediatamente.

«Avô, por favor, fique com o meu lugar.»

E, desta vez, fiquei novamente chocado. O quê, avô? E dei por mim tão irritado como fiquei com aquele jovem que não me ofereceu o lugar. Disse embaraçadamente ao aluno do liceu: «Vou sair na próxima paragem, por isso, não é preciso.»

E depois, saí à pressa na paragem seguinte, que nem sequer era o meu destino. Murmurei para mim mesmo: «Que grande hipócrita! Quero ser tratado como um idoso, mas odeio que me chamem avô!»

Até então, sempre me considerara uma pessoa descontraída que não ligava à idade, hierarquia ou autoridade. Não fora sempre o pai não‑autoritário, o estudante universitário afável e o médico despretensioso? E, no entanto, ali estava eu, a irritar‑me por causa daqueles perfeitos estranhos que achava não me estarem a tratar de acordo com a minha idade. Senti as faces a arder de vergonha por esta verdade nua e crua. Não era muito diferente de um adolescente que reclama todos os seus direitos mas evita as responsabilidades — eu queria todo o respeito pela minha velhice, mas não queria ser tratado como um idoso. Que duplicidade de critérios! Desse dia em diante, tenho trabalhado em mim mesmo para mudar esta mentalidade. Para começar, avô era agora uma designação perfeitamente válida para mim, com a minha reforma para breve. Na Coreia do Sul, é costume os homens a partir de uma certa idade serem referidos por este termo respeitoso e amigável. As pessoas da Coreia do Sul dirigem‑se tipicamente umas às outras — especialmente em relações formais — pelos seus títulos profissionais ou grupos etários. Para os que são mais novos do que eu, naturalmente, serei avô, se não doutor. Mesmo assim, ainda devia, de algum modo, estar a resistir a isso. Mas, com ou sem resistência, não ia deter o meu processo de envelhecimento ou dar por mim miraculosamente rejuvenescido de um dia para o outro. Agora, era apenas uma questão de aceitação. E não aceitar a minha idade iria sempre reverter numa perda para mim e para mais ninguém. Porque, afinal de contas, se não aprender a aceitar a minha idade, ficarei sempre ofendido quando alguém me chamar avô.

Como ser feliz até aos 100 anos? Há que aceitar que estamos a envelhecer
créditos: Nascente

Através deste tipo de divagações, vim a reconhecer a minha própria idade e a assumi‑la. Felizmente, agora, já com muita prática, sorrio quando os jovens me pedem para aceitar o seu lugar no metro. Lembro‑me de lhes agradecer. E se não me oferecerem um lugar, também já não sinto raiva. Limito‑me a deduzir que devem estar exaustos. É esta a preciosa paz que ganhei após o rito de passagem crucial para idoso: aceitar a minha idade.

Muitas pessoas do meu círculo social parecem ter tido esta espécie de enfermidade psicológica, para o bem ou para o mal. Lembre‑se de que é perfeitamente normal sentir‑se irritado desta maneira contraditória — não querer sentir‑se velho e, no entanto, ao mesmo tempo, querer ser tratado com respeito pela sua idade. Se um dia der por si a debater‑se com este sentimento contraditório, não se martirize. Em vez disso, considere‑o um rito de passagem. Após este rito de passagem espera‑o, garanto‑lhe, uma vida pacífica.

O colunista político norte‑americano Michael Kinsley, com apenas 42 anos, foi diagnosticado com a doença de Parkinson e teve de se submeter ao envelhecimento a um ritmo muito mais rápido do que a maior parte das pessoas. Ao longo deste tempo de mudança drástica, partilhou o que lhe ia no coração num livro, Old Age: A Beginner’s Guide. Neste livro, Kinsley descreve que ia todas as manhãs dar um mergulho rápido antes de ir trabalhar e, uma manhã, encontrou um idoso. O homem riu‑se de Kinsley e confessou:

«Eu tenho 90 anos!» Kinsley replicou: «Ena, está muito bem para a sua idade!»

O ego dele cresceu e, de peito todo inchado, o homem proclamou: «Eu era juiz!»

Kinsley escreveu que, a seguir, a expressão facial do juiz pareceu denunciar uma perceção de como aquela afirmação era absurdamente irrelevante. Como ele pareceu aperceber‑se de que exagerara. Deixara aquele estranho na piscina a pensar exatamente aquilo que tinha querido dissipar: O velho tolo já passou da idade.

Qualquer um de nós, creio, já teve um momento embaraçoso como este. É claro que eu não sou exceção. Quando era novo, detestava as longas histórias contadas pelos meus professores mais velhos, que começavam sempre por «No meu tempo», mas olhem para mim agora — não sou assim tão diferente, afinal de contas! Sempre tentei manter‑me controlado na presença dos meus professores e colegas mais novos. Agora, imagine um convívio de reformados — é todo um cortejo! A nossa conversa gira em torno das glórias do passado. Porquê? Vou explicar‑lhe: queremos suavizar o nosso presente insignificante. Há um velho ditado que era popular entre os refugiados do Norte durante a Guerra da Coreia: «No Norte, andava sempre com um bezerro de ouro para aonde quer que fosse!» Toda esta gabarolice era, evidentemente, uma maneira de lamberem as feridas em tempos de parcos recursos.

A popular canção coreana «O mundo é um mundo maravilhoso», de Shin Shin Ae, refletia sobre a justiça da vida com uma letra sobre os vencedores continuarem a ganhar na vida enquanto os perdedores continuarem a perder. Mas, verdade seja dita, os vencedores têm a vida facilitada, ao contrário dos perdedores. Os ditos perdedores teriam naturalmente dificuldade em aceitar a sua inferioridade. O psicólogo pioneiro. Alfred Adler, já falecido, reconheceu a inferioridade como uma motivação para melhorar um presente insatisfatório. Então, nem sempre é mau depararmo‑nos com algumas perdas. Mas, no pior dos cenários, isso pode transformar‑se num complexo de inferioridade — conduzindo ao desespero perante a nossa impotência, falta de motivação, ou autoilusão como forma de ocultarmos as nossas características inferiores e tentarmos sentir‑nos superiores aos outros.

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O capitalismo, como é natural, utiliza os sentimentos de inferioridade e as inseguranças. Quando ainda estava a lecionar, um vendedor ambulante foi um dia ao meu gabinete vender enciclopédias. Este vendedor tentou pressionar‑me a comprá‑las, argumentando que um académico, qualquer académico respeitável, aliás, precisava desta série de enciclopédias britânicas. Mas eu não estava convencido de conseguir acabar a coleção inteira e, se fosse preciso, poderia sempre requisitá‑las numa biblioteca. Recusei e disse‑lhe que naquele momento não tinha dinheiro. Este vendedor, em vez de desistir, sugeriu que podia apresentar‑me um ótimo programa de empréstimos, se eu quisesse. Mas eu continuava a abanar a cabeça e foi então que ele tirou um ás da manga.

«Professor, professor! Devia mesmo sentir vergonha de não ter estas enciclopédias!»

Sim, o sujeito estava a brincar com a minha sensação de inferioridade. Respondi: «Claro, sinto‑me profundamente envergonhado.»

O vendedor cedeu e deitou as mãos à cabeça. Chegou a explicar porque recorrera a uma tática tão agressiva no final. Tinha um manual sobre como convencer as pessoas a comprarem as enciclopédias quando elas não cediam, e a última tática do manual era um ataque à sensação de orgulho do potencial comprador. O que teria acontecido se tivesse dinheiro suficiente naquele dia? Acho que talvez tivesse mordido o isco e, posteriormente, lamentado a compra. Na verdade, a inferioridade é uma emoção forte.

Na velhice, tenha atenção aos seus sentimentos de inferioridade. Muitas coisas não correm de feição quando envelhecemos. Primeiro que tudo, a gloriosa saúde da sua juventude já não existe. Com menos energia, é natural que se torne mais vulnerável a sentimentos depressivos. Os seus meios financeiros e influência social também estarão em declínio. Isto é particularmente verdade numa sociedade como a Coreia do Sul, que se preocupa excessivamente com rótulos. A sua universidade, o seu percurso educativo, títulos oficiais e corporativos — todos estes rótulos constituem maneiras de diferenciar as pessoas, de estabelecer uma hierarquia. Então, é compreensível que os reformados que viveram grandes glórias no passado considerem ainda mais difícil aceitar as suas novas realidades, sem esses rótulos que os ajudam a definir‑se. É provavelmente por isso que alguns deles chegam a arranjar novos cartões de visita com todos os seus títulos do passado. Em resumo, querem anunciar que o humilde presente não representa o seu passado glorioso.

Não é que não os perceba. Eu compreendo. Já é difícil aceitar a vida tal como ela é, com todas as mudanças à medida que o tempo vai passando. Sim, todos compreendemos que temos de o fazer, mas os nossos corações continuam a ter dificuldade em aceitá‑lo. Só que recusarmo‑nos a aceitar a nossa nova realidade não nos irá servir de nada, e um sentimento de inferioridade pode levar a reações exageradas. Pode exigir um tratamento VIP em todo o lado, apenas por causa dos seus títulos do passado, acabar por dar lições às gerações mais novas quando isso não é bem‑vindo, ou maldizer o mundo por despeito, como um velho resmungão. Algumas pessoas gastam uma fortuna em cirurgias plásticas para se voltarem a transformar no que pareciam em novas, ou ficam obcecadas em tomar quantidades excessivas de suplementos e em usar equipamento de ginástica — tudo isso para desgosto de todos em seu redor.

Mas envelhecer não é um destino a que alguém possa fugir. Todos acabaremos por passar do nosso tempo. Tal como todas as formas de vida têm de acabar, também nós, humanos, percorremos o caminho do declínio após o nosso auge biológico e social. E, quando isso acontece, enaltecermos o passado não irá alterar o presente. Mesmo que se afunde em tortuosos sentimentos de inferioridade, não pode esperar grandes simpatias vindas de todos os lados. É esta a cruel, mas natural verdade da vida. E como é disparatado este inútil combate com o seu próprio eu passado!

Se me perguntassem acerca de uma competência essencial à vida, responderia sem hesitar jung‑gyeon, a capacidade de ver as coisas como elas são, de nos vermos tal como somos. Na nossa velhice, precisamos deste sentido de autoconsciência astuta. Fitar nos olhos o eu que está a ficar fisicamente diminuído, socialmente retirado, menos competitivo em termos financeiros. Se sentir raiva, aceite‑a e reconheça que está irado. A sua velhice não é uma punição. O seu passado foi glorioso, e o seu presente é como é. Liberte‑se dessa sensação de inferioridade que o está a autossabotar.

Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.