O fim de um relacionamento é frequentemente acompanhado por uma avalanche de emoções e questões internas: "Será que fui eu o problema?", "Serei capaz de amar e ser amada novamente?", "Sou suficientemente boa?" ou "Esta dor algum dia passará?". Estas são perguntas naturais no processo de luto amoroso. Para auxiliar na procura de verdadeiras respostas e promover a cura emocional, a psicóloga clínica Joana Gentil Martins ofereceu aos escaparates nacionais o seu mais recente livro: Como Reconstruir um Coração Partido​ (edição Planeta).

Neste guia prático, a autora oferece ferramentas baseadas em estudos científicos atualizados para ajudar os leitores a compreender a natureza das suas relações, superar a perda e os pensamentos negativos, reconstruir a autoestima e preparar-se para futuros relacionamentos saudáveis. O livro inclui reflexões, dicas e exercícios práticos, além de um plano de 30 dias para ultrapassar o fim de uma relação. ​

Joana Gentil Martins é licenciada em Psicologia pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. Prosseguiu os seus estudos com um mestrado em Psicologia Aplicada pela Universidade do Minho e especializou-se em terapias cognitivo-comportamentais com adultos. É membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses e formadora certificada. ​

A psicóloga é oriunda de uma família com uma forte tradição na área da saúde — é trisneta do professor Francisco Gentil, fundador do Instituto Português de Oncologia (IPO), e neta de António Gentil Martins, médico cirurgião pioneiro na separação de gémeos siameses em Portugal e antigo bastonário da Ordem dos Médicos.

Além de Como Reconstruir um Coração Partido, Joana é autora de outros títulos, como Torna-te o Amor da Tua Vida, onde aborda a importância da autoestima e A Coragem para Seres Tu Própria, que incentiva os leitores a aceitarem-se e valorizarem-se tal como são. ​

O livro da Joana é sobre dor, mas também sobre esperança. Comecemos pela dor. Porque é tão doloroso o fim de uma relação? De tal forma que, não raro, afirmamos que estamos com o “coração partido”.

A dor do fim de uma relação, seja ela qual for, é uma das experiências emocionais mais intensas e desorganizadoras que uma pessoa pode viver. É um processo de luto. Quando estamos apaixonados ou emocionalmente ligados a alguém, o nosso cérebro liberta neurotransmissores como a dopamina e a oxitocina. Estas, são substâncias associadas ao prazer e apego. Quando a relação termina, há uma rutura abrupta desse sistema de recompensa, criando sensações semelhantes a uma síndrome de abstinência. Além disso estudos de neuroimagem mostram que a dor emocional ativa as mesmas áreas cerebrais da dor física. Ou seja, sentimos mesmo um vazio no peito, uma pressão, uma angústia profunda. É uma dor não só emocional, como física. É a perda de uma rotina, de uma fonte de afeto, de um futuro imaginado, quebra de expectativas e, por vezes, de uma parte de nós mesmos.

Todos já escutámos frases como “o tempo cura tudo”. É natural que o tempo atenue dores. Mas, o que gostaria de lhe perguntar é se tendemos a subestimar as dores de amor? Onde podem estas dores levar-nos?

Sim, subestimamos frequentemente a dor de um coração partido. Existe uma certa banalização do sofrimento amoroso, como se fosse algo que devêssemos “ultrapassar rapidamente” ou “resolver com distração”. Muitas vezes há quem diga “isso foi só um término”, sendo que a palavra “só” desvaloriza o processo de luto que a pessoa passa. Mas a verdade é que a dor de amor pode ser tão ou mais intensa do que a dor provocada por outras perdas significativa. Ignorar essa dor pode ser perigoso. Pode levar à ansiedade, à depressão, à perda de autoestima e/ou ao isolamento social. O problema não está no tempo em si, mas no que fazemos com ele. É algo que digo no livro: Há quem diga “não te preocupes, o tempo cura tudo”, mas eu nunca vi o tempo curar. Eu já vi sim o que as pessoas fazem durante esse tempo fazer a diferença. Agora o tempo sozinho, não. É preciso um trabalho ativo, e é aí que este livro pretende ajudar.

Muitas vezes há quem diga 'isso foi só um término', sendo que a palavra “só” desvaloriza o processo de luto que a pessoa passa.

A Joana escreve no seu livro que “não existe uma fórmula mágica, exata, ou até rápida, para ultrapassar o fim de uma relação”. Nesse sentido, o que propõe o livro da Joana?

O livro propõe um caminho prático para ultrapassar o fim de uma relação de forma saudável. Ele parte do princípio de que cada pessoa tem o seu tempo, as suas feridas e a sua forma de viver o amor e processar uma perda. Cada caso é único. Por isso, em vez de prometer uma cura mágica, ofereço estratégias baseadas em estudos científicos e na Terapia Cognitivo-Comportamental, que uso também em consulta, para apoiar no processo de luto.

A psicóloga Joana Gentil Martins escreveu uma “carta” de empoderamento das mulheres: “A coragem de olharmos para nós como seres imensamente válidos”
A psicóloga Joana Gentil Martins escreveu uma “carta” de empoderamento das mulheres: “A coragem de olharmos para nós como seres imensamente válidos”
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Um dos destaques do livro é o desafio dos 30 dias, que propõe um exercício por dia, sempre com foco em autoconhecimento, autorrespeito, rutura de padrões negativos e aumento da autoestima. Caso a pessoa tenha tido uma relação que terminou recentemente pode começar logo por este desafio, uma vez que os primeiros dias após o término são quando nos sentimos mais perdidos.

Também escreve que com as suas palavras e os seus exercícios superamos a dor do fim de uma relação de uma “forma saudável”. Quer explicar-nos?

Superar de forma saudável significa permitir-se sentir, mas também aprender e crescer com a experiência. Muitas pessoas tentam superar relações com distrações, começando logo outra relação, a focar no trabalho ou outras distrações. Fugimos do sentir, do sofrimento. Vivemos numa cultura que quer que estejamos sempre bem. Mas isso só adia a dor. No livro, proponho uma abordagem que ajuda a identificar crenças disfuncionais como, por exemplo, “nunca mais vou ser amada”; a desconstruir idealizações, a desenvolver o amor-próprio e a criar novas formas de viver e de amar. Os exercícios têm uma lógica progressiva, que respeita o processo de luto e incentiva os leitores a começarem pela relação mais duradoura que vão ter: pela relação consigo mesmos.

Porque nos diz que o “fim de um relacionamento não é o fim do amor, é precisamente o contrário”?

Porque só sentimos luto quando houve amor. A dor que sentimos no fim de uma relação não é um sinal de fraqueza, é a maior prova de que nos entregámos, que investimos afetivamente, que houve uma ligação verdadeira. E isso é amor. Mas o amor não desaparece com o fim de um relacionamento. Ele transforma-se. Pode parecer que o amor terminou, mas na verdade, o amor começa a redirecionar-se, e está em vários locais, incluindo em nós próprios. O amor está em mais sítios do que imaginamos: está nas amizades que nos apoiam, nos gestos de autocuidado que temos connosco próprios, na coragem de pedir ajuda, na forma como nos tratamos nos dias difíceis. Está até na nossa capacidade de continuar a acreditar que, um dia, vamos amar de novo. No fundo, digo que não é o fim do amor, é precisamente o contrário porque precisamos de amor para ultrapassar o fim de uma relação, começando pelo amor por nós mesmos. E também porque deixamos de estar apenas focados no amor romântico e começamos a encontrar amor em outros lugares. Ultrapassar o fim de uma relação exige amor-próprio, compaixão e paciência connosco mesmos. Exige reconhecermos a nossa dor sem nos julgarmos por ela.

Muitas pessoas tentam superar relações com distrações, começando logo outra relação, a focar no trabalho ou outras distrações. Fugimos do sentir, do sofrimento.

Homens e mulheres encaram de forma diferente o fim de um relacionamento?

Tendem a encarar de formas diferentes, sim, e isso tem tanto a ver com fatores sociais quanto psicológicos. As mulheres, em geral, são socialmente mais encorajadas a expressar emoções, a procurar apoio, a falar sobre o que sentem, o que pode facilitar o luto e conseguirem ajuda. Já os homens, muitas vezes, foram ensinados a reprimir a dor, a não demonstrar vulnerabilidade, e por isso tendem a procurar distrações mais rápidas, como novas relações ou foco excessivo no trabalho. No entanto, esta diferença não é uma regra, cada pessoa vive o fim de uma relação à sua maneira. O importante é termos espaço e permissão para sofrer, sem julgamentos. E sejam homens ou mulheres ou outros, poderem procurar ajuda.

A psicóloga Joana Gentil Martins escreveu uma “carta” de empoderamento das mulheres: “A coragem de olharmos para nós como seres imensamente válidos”
A psicóloga Joana Gentil Martins escreveu uma “carta” de empoderamento das mulheres: “A coragem de olharmos para nós como seres imensamente válidos” A psicóloga clínica Joana Gentil Martins. créditos: Planeta de Livros

Joana, o “amor é cego”?

Falo no livro sobre esta expressão que é justificada por esta diminuição da ativação do córtex pré-frontal. Entramos numa espécie de “fase de idealização”, muitas vezes chamada de “cegueira da paixão”. Chama-se desta forma porque tendemos a ignorar os aspetos negativos da relação ou a minimizar os defeitos da outra pessoa; focamo-nos apenas nas qualidades positivas, o que é reforçado pela química cerebral; e isso é biologicamente vantajoso porque facilita a formação de um vínculo emocional, mas pode levar a decisões que mais tarde julgamos como pouco racionais.

A Joana dedica inúmeras páginas do seu livro a explicar-nos o que é o amor. Considera que nos dias que correm nos falta entendimento sobre o que é, verdadeiramente, o amor?

Considero que vivemos tempos em que o amor é romantizado ao extremo por filmes, séries e redes sociais. Criámos uma imagem do amor como algo sempre leve, intenso, mágico. Mas esquecemo-nos de que o amor verdadeiro também é feito de esforço, comunicação, empatia e escolhas. Amar não é encontrar alguém perfeito, mas estar disposto a crescer e construir com o outro. Muitos casais desistem ao primeiro conflito porque acreditam que “o amor acabou”. Quando, na verdade, o amor precisa de ser cultivado, como acabo por escrever no livro: o amor não é só um sentimento, é uma escolha diária.

Colocando a pergunta anterior de outra forma: estamos a saber cultivar os três pilares que sustentam a relação amorosa? Ou seja, como escreve no seu livro, o amor romântico, o companheirismo e o amor factual.

Depende muito de pessoa para pessoa, de relação para relação. Mas estamos a viver muito à pressa. Damos mais atenção à química inicial, ao amor romântico, e menos ao companheirismo, ao cuidado diário, à presença. É preciso cultivar os três pilares.

coração
coração créditos: Planeta

A Joana considera que o seu livro também é um estímulo a que nos desenredemos de relação tóxicas ou que, no mínimo, não nos estão a fazer bem?

Sim. O livro convida à reflexão sobre as relações que as pessoas têm nas suas vidas, sejam elas amorosas, de amizade, familiares, de trabalho, entre outras. Muitas pessoas permanecem em relações infelizes por medo de ficarem sozinhas, por culpa ou por dependência emocional. No livro, ajudo o leitor a identificar sinais do que é uma relação saudável versus tóxica e a reconstruir a sua autoestima.

Há uma forma menos dolorosa de se dizer a alguém que a relação terminou?

A dor faz parte do fim. Mas há formas mais respeitosas de comunicar essa decisão. Ser claro, honesto e empático é essencial. Evitar jogos ou desaparecimentos [ghosting]. Terminar uma relação deve ser um ato de responsabilidade emocional. E, se for feito com respeito e verdade, pode até ser um ponto de viragem saudável na vida de quem é deixado, mesmo que, no início, tenha dor associado.

“A autoestima não é algo que compramos, é algo que precisamos de desenvolver e requer um trabalho diário” - Joana Gentil Martins, psicóloga clínica
“A autoestima não é algo que compramos, é algo que precisamos de desenvolver e requer um trabalho diário” - Joana Gentil Martins, psicóloga clínica
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A Joana traz para o seu livro a questão do luto no fim de uma relação. Hoje, vivemos tempos acelerados, espicaçados pela urgência das redes sociais, pela premência de encontrar um novo amor. Neste contexto, quão importante é sabermos fazer o luto?

O luto é essencial. Tal como no luto por uma morte, também no fim de uma relação há um processo de despedida, de reestruturação da identidade, de aceitação da perda. Se não vivermos este processo, arriscamo-nos a repetir padrões, a entrar noutras relações sem estar emocionalmente disponíveis. O luto precisa de tempo.

Para onde devemos canalizar a nossa energia no fim de uma relação?

Para dentro. É tempo de olhar para nós mesmos, cuidar de nós. É importante canalizar a energia para atividades que nos façam bem, para pessoas que nos apoiem e para hábitos que nos fortaleçam. É importante as pessoas saberem que o amor-próprio não é egoísmo, mas é sim a base de todas as relações futuras.

A Joana dedica um capítulo aos “sabotadores da superação”. Que sabotadores são estes?

São pensamentos e comportamentos que impedem a pessoa de superar o fim de uma relação. Como, por exemplo, espiar as redes sociais da ex-pessoa, manter contacto constante, culpar-se por tudo ou negar a dor, entre outros. No livro, ajudo o leitor a identificar esses pensamentos e comportamentos e a substituí-los por atitudes que realmente promovam a superação.

Em que ponto devemos procurar o apoio de um psicólogo?

Devemos avaliar três fatores: duração, intensidade e o impacto na vida diária. Sempre que nos sentimos presos na dor após o fim de uma relação, e essa dor se mantém por muito tempo (duração), se torna demasiado intensa (intensidade), e começa a interferir nas nossas rotinas, no sono, no apetite, no trabalho ou nas relações (impacto na vida diária) é muito importante procurar ajuda psicológica. E não há vergonha nenhuma nisso. Pelo contrário, reconhecer que precisamos de apoio é um sinal de força. A terapia oferece um espaço seguro onde podemos compreender o que sentimos, ressignificar a dor e reconstruir a nossa autoestima, passo a passo. Cuidar de nós após o fim de uma relação não é um luxo, é uma necessidade. E pedir ajuda é um dos atos mais bonitos de amor-próprio que podemos ter.