Por ordem alfabética, aqui vão os 11 ‘magníficos’, qualquer deles com experiência nestas questões: Alexandre Relvas Júnior, responsável de produção da Casa Relvas, produtor alentejano com vários milhões de litros de vinho anualmente; António Graça, diretor de Investigação & Desenvolvimento da Sogrape, o maior produtor de vinho português; Charles Symington, responsável de produção da Symington Family Estates, o segundo maior proprietário de vinhas de Portugal; Hamilton Reis, responsável enológico do produtor alentejano Cortes de Cima, com vinhas na Vidigueira e costa alentejana; João Pedro Araújo, proprietário da Casa de Cello (Vinhos Verdes) e Quinta da Vegia (Dão); João Roquette, administrador do Esporão; José Perdigão, proprietário da Quinta do Perdigão (Dão); Luis Pato, proprietário e produtor de vinhos na Bairrada; Luis Patrão, responsável de produção na Herdade de Coelheiros, norte Alentejo; Mateus Nicolau de Almeida, que detém um projeto com o seu nome em Foz Côa (Douro); Sara Dionísio, proprietária da Casa de Mouraz (Dão).
A sustentabilidade ambiental é uma preocupação na sua atividade enquanto produtor de vinho? Desde quando?
Praticamente todos os entrevistados tornaram a sustentabilidade uma preocupação desde o início da atividade, deles ou da empresa. Alguns desde os anos 80. Luis Pato foi o mais pragmático, avançando a economia de recursos: “sustentabilidade, sim, por uma razão muito óbvia...eu pago os trabalhos e os produtos usados”. Mateus Nicolau de Almeida aponta esta direção: “desde sempre. Sem radicalismo, mas com bom senso”. José Perdigão, desde sempre fã do respeito pela natureza, fala da educação que recebeu dos pais: “não pisar os canteiros de flores, não deitar papéis, latas ou garrafas para o chão, tratar bem os animais, apagar a luz quando não é necessário, não estragar água e ajudar o próximo”. Neste sentido, Alexandre Relvas Júnior, António Graça e Charles Symington levam o conceito mais longe que o ambiente e falam em outras práticas de sustentabilidade, como a económica, financeira e a social. A Symington tem mesmo um grupo de sustentabilidade a trabalhar com quatro equipas distintas e promete novidades para breve.
Quais as práticas mais relevantes que se podem/devem implementar na vinha em prol da sustentabilidade ambiental?
Alexandre Relvas começa por destacar a “preservação dos solos, pois é aí que tudo começa e tudo acaba”. Depois, José Perdigão refere todas as condicionantes para a implantação de uma vinha “orientação solar, ventos dominantes (…), o relevo e a consequente drenagem das águas subterrâneas ou pluviais”. Luis Patrão e Hamilton Reis concordam, referindo este último a “sinergia entre a casta e o Terroir”, que dará plantas com melhores resultados e com menos requisitos de regas, adubações, combate a pragas e doenças, etc. Cortes de Cima, já agora, está a adotar a viticultura biológica e este ano terá cerca de 50 hectares neste regime.
Mateus Nicolau de Almeida fala de “plantar o máximo de pés de vinha por hectare e evitar a monocultura extensiva”. Nesta área, António Graça refere a prática da “conservação da diversidade dos recursos genéticos da videira”, em aplicação na Sogrape. Muitos referem o uso eficiente da água, mas falaremos disto mais à frente.
Luis Patrão não foi o único a falar do ecossistema que rodeia a videira, mas foi quem melhor colocou a questão: “temos de olhar de uma forma holística para a propriedade, para promover os habitats dos auxiliares de pragas da vinha, a criação de corredores ecológicos (…)”. Mesmo a fauna não foi esquecida: toda a espécie de aves, insetos (como as libelinhas, grandes amigas da vinha) e répteis, mesmo as colmeias.
Quanto a produtos para a vinha e para o solo, foi praticamente unânime a opinião contra os herbicidas sintéticos. Quanto a produtos para o controlo de doenças ou pragas, é também unânime que, mais ou menos amigos do ambiente, devem ser usados com o máximo cuidado e no sentido de maximizar o efeito com a dose mínima. Mas, como diz o provérbio, “é melhor prevenir que remediar”. E a prevenção implica uma presença assídua na vinha e meios de controlo que possam dar alertas a tempo: Charles Symington fala, por exemplo, de “estações meteorológicas, sondas de humidade no solo e medições do nível de stress hídrico das plantas”. Outra arma na Symington (mas não só) é a viticultura de precisão, que usa imagens aéreas para racionalizar toda a espécie de intervenções na vinha. Hamilton Reis e Charles Symington referem ainda a afinação e racionalização dos equipamentos.
A partilha de informação foi considerada importante: José Perdigão fala, por exemplo, de “troca de informação com os produtores vizinhos” e António Graça deixa um aviso para as empresas: “importa garantir uma contínua formação dos colaboradores“.
E as práticas na adega?
Pois bem, água e energia estão no topo da lista. Como diz Hamilton Reis, “estes dois fatores simbolizam a grande fatia de impacto ambiental na produção de vinho”. Por isso, vários entrevistados nos assinalaram que é fulcral a formação dos colaboradores na conservação da água e energia. Como que a dizer que só depois poderemos colocar tudo o resto em prática.
Comecemos pela água, líquido muito gasta na adega. Alexandre Relvas diz que, nos últimos 4 anos, a Casa Relvas conseguiu reduzir em 50%, o rácio litro de água por garrafa de vinho produzida. A Symington está no mesmo rumo, usando novas práticas de lavagem e higienização e instalando sistemas para monitorizar consumos. Por outro lado, quase todos têm adotado estratégias de reutilização de água, usando novos sistemas de purificação e ou filtragem. Ou seja, parte da água consumida em lavagens de cubas, equipamentos ou garrafas, acaba por retornar à adega, ou à vinha.
Relativamente à energia, vários produtores já estão a usar painéis solares e fotovoltaicos para produção de energia elétrica e de água quente. Luis Patrão fala também de “escolher equipamentos com melhor eficiência energética, e ainda melhorar os isolamentos térmicos de depósitos e dos edifícios”. Em Cortes de Cima vai-se mais longe e até a abertura e fecho de portas da adega é realizada considerando as temperaturas exteriores. João Pedro Araújo usa um isolante natural nas paredes da adega, “um coberto vegetal”.
António Graça fala de “sistemas de iluminação mais eficientes”, um ponto partilhado por vários produtores. Nas adegas da Symington as bombas de transfega começam a fazer parte da história. A gravidade trata do resto. Esta casa usa inclusivamente um software de gestão de consumo de energia que cobre 75% da energia contratada.
José Perdigão toma ainda em consideração outros pormenores: tentativa de eliminar o plástico, caixas sem fita-cola, produtos de limpeza bio, tintas biodegradáveis, etc.
Finalmente, vários produtores referiram o reaproveitamento de subprodutos naturais para produção de composto e/ou mulching (uma espécie de cobertura sobre a terra). Falamos por exemplo de engaços, peliculas, massas já prensadas e borras. Em alguns casos estes subprodutos podem ir para alimentação animal ou são incorporados diretamente na vinha.
Nas empresas mais avançadas existe já uma forte aposta para o tratamento dos resíduos, até chegar aos 100%num futuro próximo.
E na logística/distribuição do produto?
Mateus Nicolau de Almeida não hesita neste ponto: “Aqui é mais difícil ser sustentável”. Porque, diz Sara Dionísio, “nem sempre depende de nós”. O que depende do produtor não é muito, de facto: escolher garrafas mais leves (menor pegada de carbono) e/ou recicladas, reciclar tudo o que é possível e usar o mínimo possível o plástico. Na Casa Relvas, até a pega plástica do Bag-in-Box foi eliminada! Foi ainda referido o uso de caixas de cartão recicladas e com um mínimo de tinta. Entre 2015 e 2017, a família Symington quer reduzir em 23% as emissões de CO2 por litro de vinho engarrafado.
O transporte de vinho por barco à vela foi referido por dois produtores (Casa de Mouraz e Quinta do Pessegueiro). Sara Dionísio evita ainda transportes de vinho no Verão, porque exige ar condicionado. E Mateus Nicolau de Almeida já usou uma técnica para minorar substancialmente a pegada de carbono: “vinho a granel (em pipas) que depois é engarrafado, no destino, pelo importador”.
Como compatibilizar a sustentabilidade ambiental com a sustentabilidade financeira de um produtor de vinho?
Começamos com o pragmatismo de Luis Pato: “a sustentabilidade só existe se for rentável”. Outros produtores o dizem ou deixam transparecer. João Roquette, por exemplo, fala que “o custo de um kg de uva produzida na Herdade do Esporão baixou pelo aumento da fertilidade dos solos (…). A melhoria da qualidade das uvas permitiu-nos melhorar a nossa proposta de valor e fazer as vendas crescer”. Ou seja, o investimento na sustentabilidade foi financeiramente compensador. Por outro lado, uma parte das práticas para a sustentabilidade acabam por ter menos custos para a exploração, como nos diz Charles Symington: “poupança de água, de energia elétrica, gasóleo, movimentos de tratores e máquinas agrícolas… Hamilton Reis resume: “A gestão ambiental não tem de chocar com a gestão financeira, sendo que muitas vezes estão em sintonia”. Na vinha existe um bom exemplo, focado também por João Pedro Araújo: o “nível económico de ataque” a doenças da vinha; apostando na prevenção e atacando apenas quando é estritamente necessário conseguem-se poupanças consideráveis e ganhos ambientais. José Perdigão com 20 anos experiência, diz que a sua empresa “é autossustentável com a produção de vinho em apenas 8 hectares, em modo de produção biológico”.
Acha que o consumidor está disposto a pagar mais por um vinho produzido a partir de uma viticultura orgânica ou sustentável?
Alguns entrevistados, como Luis Pato e Alexandre Relvas, acham que não, que o consumidor português não vai pagar mais. João Pedro Araújo diz que o “consumidor esclarecido sim, o consumidor médio, não.” Sara Dionísio é a mais otimista: ela acha que o consumidor até paga mais “se o diferencial for razoável”. A experiência de Charles Symington é diferente: “O nosso Altano Bio é o vinho com maior sucesso comercial, com crescimentos de vendas significativos”. Finalmente, João Roquette coloca a questão de outra forma: “o consumidor está disposto a pagar mais por um vinho melhor” (…) e lembra duas observações: “os vinhos biológicos tendem a ter mais equilíbrio, integridade e sentido de lugar”; e que “alguns dos mais reconhecidos vinhos do mundo são biológicos há décadas”.
Lá fora, o panorama pode ser bem diferente, especialmente nos países mais ricos. Todos acreditam que os consumidores estão cada vez mais alertas para os produtos ecológicos.
Viticultura orgânica ou produção integrada, qual o melhor caminho para a sustentabilidade?
Charles Symington não tem dúvidas a este respeito: “Ainda não é totalmente claro qual dos sistemas é melhor para a sustentabilidade”. A empresa usa os dois, em grandes extensões. A balança só pende para o orgânico (ou biológico) nas vinhas do Douro Superior, mais seco que as restantes sub-regiões. De referir ainda que a Symington, que possui um departamento de I&D na viticultura e outro na enologia, usa extensivamente o sistema de Produção Integrada, que é, segundo o responsável de produção da casa, “extremamente respeitadora do ambiente. A viticultura biológica não tem porque ser melhor que a integrada”. António Graça acrescenta: “na maioria das regiões onde a Sogrape está presente, a produção integrada oferece melhor sustentabilidade geral”. João Pedro Araújo e Alexandre Relvas concordam.
No polo contrário estão, por exemplo, Sara Dionísio, Luis Pato, João Roquette e João Nicolau de Almeida. Hamilton Reis filosofa: “a produção integrada é um caminho, sendo que a viticultura orgânica pode ser um destino”.
O cobre, uma das mais importantes ferramentas da viticultura orgânica, é cada vez mais contestado. O cobre é uma solução ou um problema?
Esta é uma questão muito quente do momento. Na Symington já fazem muitos ensaios para diminuir doses de cobre ou arranjar substitutos na vinha em modo de produção biológico. Neste momento ainda não existem conclusões, mas vários produtores que continuam com o cobre, e o defendem apenas o usam “em pequenas quantidades” (João Roquette). O segredo, apontado por todos, está em saber a altura certa para conseguir a máxima eficácia com o cobre, com a dose mínima.
Existe uma relação entre práticas sustentáveis ou orgânicas na vinha e a qualidade do produto final?
João Roquette diz que sim: “é uma melhoria gradual e notória”. Charles Symington não tem tanta certeza, até porque, diz ele, “não existem resultados cientificamente suportados”.
Pelo meio ficam muitas opiniões, a grande maioria situada nesta zona: se tudo o resto for igual ou semelhante, os vinhos de agricultura sustentável serão melhores. Mateus Nicolau de Almeida resume bem: “do meu ponto de vista/prova, os vinhos de agricultura orgânica bem-feitos transmitem melhor a informação do terroir”. Luis Patrão acrescenta: “existem inúmeros estudos que demonstram que produtos provenientes de modo produção biológico são mais ricos e completos”.
Em direção a mundo mais sustentável
No final, a sensação com que ficamos é que vários produtores de vinho, no seu geral, não só estão despertos para o assunto, como também aplicam práticas avançadas em todo o caminho do vinho. São estes produtores que costumam dar o exemplo que outros, com menos conhecimentos e/ou menos meios, acabam por seguir. O conhecimento é aqui a melhor arma. E depois há sempre a considerar o futuro. Como nos disse Charles Symington, resumindo bem o pensamento da sua família: “Uma das nossas regras é deixarmos à geração seguinte uma empresa melhor do que a que encontrámos”. Se todos fizerem isso, o futuro deste planeta só pode ser melhor.
Artigo publicado na revista Grandes Escolhas, Edição nº28, agosto de 2019.
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