No dia em que decorre esta conversa com Bárbara Oliveira, faz manchetes nos meios de comunicação social, o anúncio do reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, de banir, já neste ano letivo, o consumo de carne de vaca dos refeitórios da instituição. Bárbara, a par com outras 14 figuras ligadas ao mundo da nutrição e culinária, não vão tão longe na iniciativa que lançaram à comunidade digital, no fundo a todos nós, um "Setembro Sem Carne".
Antes de avançarmos na conversa para percebermos porque não assenta este movimento numa visão radical sobre o consumo de carne, Bárbara deixa-nos um pedido: "Estou a falar em nome de todos, somos um coletivo de 15 pessoas".
Na prática, este “Setembro Sem Carne”, é um desafio à partilha, ao longo de todo um mês, de receitas criativas. Em comum, todas terão de abdicar da carne, embora o objetivo final, não vise, a curto prazo, que cada um de nós a negue liminarmente. Antes, como nos conta Bárbara, “o nosso objetivo com o #setembrosemcarnept não é, num primeiro momento, um convite a que as pessoas deixem de comer carne. É que diminuam o seu consumo, pois é excessivo. Que cada um de nós, tenha imaginação para criar refeições sem a carne. Quem sabe se dentro de algum tempo, pessoas que comem carne seis vezes por semana, passem a ingeri-la três vezes”.
A este propósito, o do consumo excessivo, diz-nos Bárbara Oliveira: “O Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, publicado em 2017, refere que, em Portugal, um terço da população ainda consome mais de 100 gramas de carne vermelha por dia. Um excesso. O ideal de acordo com uma comissão científica da The Lancet [revista científica sobre medicina],o recomendado no que respeita ao consumo de carne, por dia, é de, até 14 gramas por quilograma e por pessoa, e de carnes brancas a média é de 29 gramas”.
Tudo tem um princípio e para Bárbara e Ana, o mote para a iniciativa que lideram com mais 13 personalidades ligadas à blogosfera, deu-se a oito mil quilómetros de distância, na América do Sul. “Na sequência dos fogos na Amazónia vimos que muitas pessoas partilhavam imagens, comentavam aquele drama. Percebíamos que as pessoas queriam ajudar, mas não sabiam como o fazer”, conta-nos a nutricionista. “Logo, desafiámos as pessoas que nos seguem nas redes sociais a partilharem as suas receitas sem carne. Falei com a Ana e, juntas, desafiámos blogueres influentes, de chefes de cozinha a médicos. Os 15, em conjunto, lançámos, então, o repto à comunidade que nos segue. Nasceu o ´Setembro Sem Carne`.
Na prática, este desafio funciona em modo de partilha: “O que temos feito é, diariamente, cada um de nós, lança uma receita saborosa sem carne. Mais, todas as semanas deixamos uma ementa semanal, com uma lista de compras onde, naturalmente, não consta a carne”.
Um mês sem levar a carne ao prato que já soma mais de 2400 publicações no feed no Instagram da iniciativa. “Isto, para além das publicações que muitas pessoas fazem, através dos stories com o nosso hashtag, ou mensagens diretas que nos chegam”, refere-nos Bárbara Oliveira, que assume não ser vegan ou vegetariana, mas que está a seguir rigorosamente o princípio da iniciativa de que é promotora. “Quem sabe se depois deste ´Setembro Sem Carne`, não abdico completamente desta.
Pode, nesse caso, uma dieta alimentar sem carne ser igualmente rica? “Claro que sim”, responde-nos Bárbara, “o ideal é que seja uma alimentação planeada. Todos os nutrientes que existem na carne, podemos ir buscá-los a outros alimentos. O ´Setembro Sem Carne` é um mês. Se as pessoas quiserem transportar para os meses seguintes este desafio, o meu conselho é que consultem o nutricionista, ou que se informem bem”.
Informação e formação são palavras que bailam no discurso da nutricionista que não olha apenas para o prato, mas para cadeia de implicações que une o prado à mesa. “Todo a cadeia que contribui para o sistema alimentar, decorre das nossas escolhas. Somos nós, com as nossas decisões no supermercado, que incentivamos o atual sistema alimentar. Dai eu dizer que, eventualmente, fará sentido banir as carnes vermelhas das ementas da Universidade de Coimbra. Mas teria de ser uma medida integrada num conjunto de outras medidas. Pelo que vimos, a Universidade de Coimbra está só a banir a carne de vaca. A das aves e, provavelmente, a de porco continuam lá. Logo, não me parece muito coerente”.
Falando em exploração intensiva não deveríamos, para além da pecuária, também olhar, por exemplo, para a agricultura intensiva, nomeadamente a produção de soja? Diz-nos a nutricionista: A produção de soja é uma das principais causas de desflorestação da Amazónia, mas, repare, 80% é para consumo animal e apenas os restantes para consumo humano. Pode haver quem afirme, ´se continuarmos a consumir soja, vamos continuar a incentivar a produção de soja`. Sim, mas seria sempre uma produção muito inferior e há inúmeras alternativas, com as leguminosas, o peixe, os ovos”.
Para Bárbara Oliveira, o “Setembro Sem Carne” não é um fim, antes um caminho. “Agora, formámos uma boa equipa e, provavelmente, vamos continuar a promoção da redução do consumo de carne e de uma alimentação mais saudável”, relata-nos a nutricionista que, confessa, tem à mesa uma predileção, “adoro hambúrgueres de grão. Curiosamente não sou eu que os faço, é o meu namorado” [risos].
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