Adelaide Fernandes tem 33 anos. É doutorada em Farmácia pela Universidade de Lisboa e professora auxiliar da Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, onde também desenvolve trabalho de investigação. As suas pesquisas no âmbito dos mecanismos de desenvolvimento da esclerose múltipla
valeram-lhe, no início de 2012, uma distinção no prémio Medalhas de Honra L'Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência por uma investigação complexa.

A esclerose múltipla é uma doença inflamatória crónica, desmielinizante e degenerativa do sistema nervoso central que interfere com a capacidade do mesmo em controlar funções como a visão, a locomoção, e o equilíbrio, entre outras. Estas incapacidades resultam da perda da bainha de mielina que envolve os neurónios, a qual é formada ao nível do sistema nervoso central pelos oligodendrócitos e permite uma correta e rápida passagem da informação de um neurónio para outro.

No decurso dos surtos de desta doença, as lesões desmielinizantes apresentam um processo inflamatório no qual a libertação de várias moléculas inicialmente dirigidas à resolução do dano podem ser tóxicas para os oligodendrócitos, atrasando dessa forma o processo de remielinização. Estudos clínicos revelaram que a proteína S100B existe em elevadas quantidades no soro e líquido cefalorraquidiano de doentes com esclerose múltipla ativa, decrescendo após tratamento com imunossupressores.

«A nossa investigação experimental evidenciou que níveis elevados de S100B atrasam a correta maturação dos oligodendrócitos, o que pode estar na base de um atraso ou diminuição do processo de remielinização após um surto de EM e, consequentemente, na origem das incapacidades acima referidas», explica Adelaide Fernandes. Desta forma, o seu projeto pretende, numa fase inicial, elucidar o papel da S100B na EM, avaliando a sua produção no decurso de eventos desmielinizantes (surto) e remielinizantes (remissão), bem como o seu envolvimento no processo de mielinização.

«De seguida, com o objetivo de modular a função do S100B, iremos recorrer ao uso da tecnologia de aptâmeros, que são pequenas moléculas compostas por ácidos nucleicos capazes de se ligarem especificamente a proteínas alvo modificando a sua função, quer prevenindo a desmielinização, quer potenciando a remielinização», sublinha. Esta intervenção permitirá que após os surtos de esclerose múltipla se possa reduzir ou até evitar as várias manifestações debilitantes do doente.

Esta doença afeta mais de um milhão de pessoas em todo o mundo. Os estudos epidemiológicos apontam para a existência de 450.000 pessoas a sofrer desta patologia só na Europa, sendo o número de doentes em Portugal da ordem dos 5.000. A esclerose múltipla é uma doença altamente debilitante, sendo atualmente considerada a maior causa de incapacidade não-traumática em jovens adultos.

Com a progressão da doença, embora no início o doente mantenha uma vida quase normal, estima-se que em vinte anos cerca de 60% dos doentes precisem de ajuda até para se movimentarem. Atualmente, os medicamentos existentes apenas são capazes de atrasara progressão da doença em vez de serem eficazes tanto na prevenção da desmielinização como na recuperação efetiva da mielinização, a remielinização, que se pretende conseguir após um surto da patologia.

«Neste projeto iremos estudar a proteína S100B como um potencial alvo terapêutico na doença. Para tal, numa primeira fase, precisaremos de avaliar o modo como a S100B intervém neste processo de desmielinização e remielinização, para que depois possamos desenvolver novos agentes terapêuticos que modulem a atividade da S100B como sejam os aptâmeros conhecidos por apresentarem elevada especificidade, baixa toxicidade e serem de produção rápida e acessível», afirma Adelaide Fernandes.

«A concretizarem-se estes objetivos, seremos capazes de tratar a esclerose múltipla com maior eficácia, pois conseguiremos dispor de fármacos que, de facto, atrasem ou mesmo evitem a progressão da doença e o surgimento dos sintomas incapacitantes associados à doença», acrescenta ainda. «Dessa forma, melhorar-se-á a qualidade de vida do doente pelo alívio dos sintomas ou mesmo a progressão da doença e o seu impacto económico», conclui a investigadora.