Portugal é o terceiro país europeu que mais usa as redes sociais e, segundo um estudo da Marketest, 4,1 milhões de portugueses têm um perfil online. Os dados de 2013 sobre a utilização das redes sociais são, assim, surpreendentemente reveladores.
Hoje, graças a estes pontos de encontro virtuais, a distância não existe, a comunicação é instantânea e todos podemos estar ligados.
É a concretização do conceito de aldeia global anunciada pelo teórico visionário Marshall McLuhan, muito à frente no seu tempo, nos idos anos da década de 1960. Mas quais os efeitos desta nova forma de nos relacionarmos com o mundo e com os que nos rodeiam e de olharmos para nós? E como é que esta panóplia de (novas) interações interfere nos afetos, nos comportamentos e na saúde?
Quem mais as usa
De acordo com o estudo sociológico «A Utilização da Internet em Portugal 2010», as mulheres estão em maioria nas redes sociais, como o Facebook. E cerca de 75,8 por cento considera mesmo que são fundamentais para a manutenção dos laços sociais. Para a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva, esta tendência é explicada pela maior facilidade da mulher em comunicar. «A cultura de relacionamento fora das redes sociais tende a refletir-se dentro das redes», sublinha.
«De uma forma geral, as mulheres partilham mais do que os homens emoções que sentiram, compras que fizeram, receitas que experimentaram, a festa onde foram, o ex-namorado que encontraram. São mais emotivas, expansivas e pormenorizadas na sua forma de comunicar na vida real, pelo que essa tendência será exportada também para as redes sociais», explica ainda a especialista.
A psicologia das redes Segundo a terapeuta da Oficina de Psicologia, a falta de tempo e as frustrações do quotidiano potenciam a forte permanência dos portugueses nas redes sociais. «Cada vez temos mais para fazer e menos tempo disponível. Temos menos recursos económicos, mas estamos mais exigentes e intolerantes. Isso leva-nos, muitas vezes, a optar pelas redes sociais, onde tudo é mais imediato e cómodo e onde a gratificação é mais instantânea», afirma.
No espetro virtual, «podemos projetar apenas o positivo e nos sentirmos reconhecidos por isso. No fundo, quanto menos agradável se transformar a nossa realidade real e menos capazes nos sentirmos de a transformar, mais vamos tender a procurar uma realidade virtual, mais fácil, cheia de gostos rápidos, de partilhas imediatas e sempre com alguém disponível para conversar connosco», esclarece ainda a especialista.
Investir na imagem virtual
A facilidade e a rapidez no acesso à informação e à comunicação também explicam a sua popularidade. «São uma ferramenta útil para acedermos, de forma selecionada, a informação interessante para nós, para reforçarmos o investimento nas nossas relações de amizade, atenuarmos a distância de quem está longe, para rentabilizarmos melhor o nosso tempo e podermos usá-lo com alguém de quem gostamos», refere Filipa Jardim da Silva.
Apesar das vantagens, a terapeuta também adverte que «as redes sociais contribuem, muitas vezes, para uma noção um pouco distorcida de intimidade pela partilha fácil e contacto imediato com muitos outros. Leva-nos a deixar de praticar competências sociais como a empatia, o contacto visual e a leitura emocional do outro».
«É tentador investir mais na imagem que projetamos virtualmente de nós do que na nossa verdadeira imagem, investir mais em relações virtuais, acessíveis e práticas, do que nas reais, que implicam movimento para ir ao encontro do outro e mais desafios», constata ainda Filipa Jardim da Silva.
A perda de interioridade
«As redes sociais têm um aspeto benéfico que é a redução da solidão, mas depois há também um lado perverso», considera Teresa Paiva, neurologista. «As mulheres sozinhas ficam mais vulneráveis a ser assediadas por pessoas que não conhecem e que, à distância, parecem ótimas. Para além disso, hoje em dia, há a ideia de que a pessoa tem de estar sempre online e em contacto e isso faz com que se perca um pouco a interioridade individual», refere.
«Se é bom não estar sozinho às vezes, também é importante estar sozinho para meditar e nos encontrarmos com nós próprios», refere. O surgimento de novos ritmos neurológicos é outra das consequências. A preocupação com o uso excessivo das redes sociais levou recentemente Susan Greenfield, do Royal Institution of Great Britain, a confirmar alguns receios da ciência. Em declarações ao jornal The Guardian, a neurologista inglesa revelou que «expor as crianças à rapidez da comunicação virtual pode acostumar o cérebro a trabalhar em escaladas de tempo muito curtas e a agravar distúrbios dos défices de atenção».
A preferência pelas recompensas imediatas, ligada à área do cérebro que está envolvida na dependência da droga, é outro dos efeitos sublinhados pela especialista. Teresa Paiva descreve algumas situações clínicas em que a internet se transformou numa adição. «Tenho doentes adultos que estão conectados dez ou 12 horas por dia. Estas pessoas não fazem amizades e ficam alheadas do mundo. Alguns pacientes dormem de dia e ficam online pela noite fora, o que é terrível. São duas doenças: a dependência e a alteração dos ritmos biológicos. A pessoa acaba por ficar isolada da sociedade», alerta.
Pequeno mundo global
Sem serem patológicos como os casos que refere, a neurologista aponta alguns aspetos negativos na definição de identidade. «A pessoa acha-se muito importante. Além de poder criar uma imagem desfasada de si própria, é capaz de relatar pequenas coisas que, de facto, não interessam aos outros. Está conectada com o mundo, mas passa a ter uma centralização num universo pequeno. Nas redes sociais há sempre uma atitude otimista do gosto», refere Teresa Paiva.
«Os pensamentos do quotidiano e os gestos rotineiros que fazemos de forma automática, as banalidades são intelectualmente redutoras. Deixa de haver lugar para as novidades e utilizamos poucas áreas do nosso cérebro. No meio disto, por vezes, também há coisas interessantes. Contrariamente ao que descrevi, uso o Facebook para transmitir os conhecimentos que vou adquirindo e as ideias que acho importantes, mas mais do que isso torna-se limitador», explica.
Para evitar dissabores, António Granado, especialista em jornalismo online e Internet, aconselha «as pessoas a só deixarem entrar na sua privacidade quem lhes parece ser interessante». E o sexo? A sexologista Vânia Beliz destaca aspetos positivos na facilidade de relacionamento proporcionada pelas redes sociais. «São uma lufada para as pessoas mais tímidas, com mais dificuldade no contacto social», considera.
«Claro que existem situações em que se pode utilizar uma máscara para falar com os outros, mas também há muita gente que encontra aqui uma forma mais direta, descontraída e facilitada de abordar o outro. Quando me dizem que as redes sociais destroem relações, que as pessoas traem mais, respondo que quem está descontente com a relação e está predisposto a trair tanto o faz numa rede social como numa ida ao supermercado ou num bar», adianta ainda.
Uma nova sexualidade
Pelo consultório de Vânia Beliz passam casais que vivem experiências sexuais online ou que usam as redes sociais para alimentar fetiches. «Acompanhei um casal que me consultou após a companheira descobrir a preferência do companheiro por outras práticas sexuais no Facebook. Quando leu as conversas, sentiu que vivia com um desconhecido», refere a sexóloga.
«Hoje em dia, podemos trair ou fazer sexo sem sair de casa e sem penetração. Os encontros amorosos online têm alterado o conceito de sexualidade. Desde que exista excitação e prazer há envolvimento. Até pode não existir masturbação. Se a nossa atitude magoa o outro temos de perceber que estamos desfasados da realidade», conta.
Identidade pública
A perda de privacidade e a presença de dados pessoais nos meios digitais em rede é, afirma José Jorge Barreiros, sociólogo da comunicação, «a primeira grande mudança social subsequente da conectividade permanente. Tudo o que está em rede pode ser registado, gravado e escrutinado como nunca antes foi possível. Existindo esta possibilidade, haverá sempre quem tenha interesse em daí retirar benefício».
Neste campo, o sexo feminino é quem se mostra mais zeloso. «Pode parecer paradoxal, mas também existem resistentes femininas ao uso das redes sociais, nomeadamente pelos receios e riscos que podem comportar, sobretudo para quem não souber lidar bem com softwares e hardwares, bem como com as zonas cinzentas que as redes permitam», diz ainda este especialista.
As fronteiras a preservar
Na ausência de legislação que proteja cada cidadão, a única forma de salvaguardar a confidencialidade de dados pessoais é estabelecer fronteiras razoáveis. Na opinião de Vânia Beliz, «é a nossa postura que assegura o equilíbrio entre o que é ou não saudável. Se a pessoa recebe uma mensagem de teor mais melindroso e dá continuidade à conversa expõe-se a situações desagradáveis. Se não responde, a outra desiste».
António Granado, editor multimédia da RTP, também sublinha essa necessidade. «Os perigos que as redes sociais podem trazer têm, fundamentalmente, a ver com a falta de educação das pessoas face a elas. Se não queremos que as coisas se saibam não as devemos partilhar», afirma ainda.
«Não precisamos de escrever à segunda-feira que estamos apaixonados, à quarta que já acabou e no sábado que já encontrámos outra pessoa. Os outros não têm de estar a par da nossa vida privada. Podemos ter valores diferentes, mas não nos podemos esquecer que vivemos numa sociedade que nos julga», exemplifica Vânia Beliz.
A segurança dos filhos
A proteção de dados torna-se ainda mais relevante quando se trata de zelar pela segurança dos mais jovens, mais vulneráveis e os principais utilizadores da internet. Na opinião de José Jorge Barreiros, «existe ainda alguma dificuldade, por parte dos pais e dos professores, em compreender o significado que as redes sociais têm para os mais novos e como contribuir para um uso equilibrado».
Segundo o estudo EU Kids Online, uma investigação europeia orientada em Portugal por Cristina Ponte, investigadora da Universidade Nova de Lisboa, os pais portugueses estão cada vez mais preocupados com os encontros online e há cada vez mais crianças com menos de oito anos a acederem à Internet. Não ter computador no quarto e estar presente quando os seus filhos navegam na Internet são estratégias essenciais.
Teresa Paiva alerta que os «estudos já comprovaram que as crianças que usam muito o computador, a internet, os SMS, a televisão têm uma diminuição acentuada do coeficiente de inteligência. A internet usa frases curtas e uma linguagem muito primitiva. Há também uma quebra do coeficiente verbal», acrescenta ainda esta especialista.
Equilíbrio no espaço virtual
A fronteira entre o que é uma utilização saudável das redes sociais e o uso excessivo segue o mesmo princípio da vida real. «O equilíbrio que procuramos no dia a dia (conjugando momentos de prazer com trabalho, contrabalançando partilha com privacidade, investimento na imagem exterior e na interior), aplica-se também às redes sociais. É necessário evitar os extremos e as dependências tanto na vida real como na virtual», aponta Filipa Jardim da Silva.
Uma opinião partilhada por Teresa Paiva. «Na internet, aplica-se a mesma máxima que serve para tudo na nossa vida. Comer e dormir é bom, comer e dormir demais ou a menos é mau. Utilizar a internet e as redes sociais é bom. Usar demais é que é mau», adverte a especialista.
«Temos oito horas para dormir, sobram 16. Se ocuparmos duas em deslocações, mais duas para comer e oito para trabalhar, sobram quatro horas. O que é que a pessoa usa nessas quatro? Para quem trabalha e tem família, uma ou duas horas já é muito», refere ainda Teresa Paiva.
O novo paradigma de fazer versus comprar
Graças às redes sociais, o lema «és aquilo que fazes» está a substituir o princípio «és aquilo que possuis». O consumo frívolo e competitivo pode estar a ser ultrapassado por uma nova forma de comprar, mais inteligente e cooperativa, defende Rory Sutherland, Vice-presidente do Grupo Ogilvy UK, num artigo publicado na edição especial da revista Wired, dedicada às inovações mundiais em 2014.
Estaremos a entrar numa «era dourada» em que nos definiremos muito mais por aquilo que fazemos e contamos do que pelos objetos que possuímos. Hoje, «uma ida a um restaurante pode conceder-nos mais estatuto do que comprar uma televisão enorme», escreve. A culpa é das redes sociais, «mais eficazes em documentar experiências do que posses» e melhores «a divulgar criatividade do que riqueza».
O top 3 das redes sociais favoritas dos portugueses
Este é o ranking apurado pelo estudo Marktest sobre Os Portugueses e as Redes Sociais 2013:
- Facebook (94, 6%)
Inclui news feed com a atividade da rede de amigos e permite a partilha de fotos, eventos, vídeos, grupos, páginas, chat e o envio de mensagens pessoais. Não aceite pedidos de amizade de desconhecidos que não partilham amigos em comum. Para sua segurança, desative a tecnologia GPS do Google Latitude, um serviço de localização.
- YouTube (38,9 %)
Partilha de vídeos online de música, cinema, estilo de vida. Sabia que no Youtube existem mais de 200 canais dedicados a desporto e cerca de 600 centrados em alimentação e saúde, com muitos vídeos sob a lógica do faça você mesmo.
- Google+ (34,1%)
Permite as mesmas funcionalidades do Facebook, está anexado à conta do Gmail e é fácil perceber quem está conectado. Se tem um blogue esta não será a melhor opção, uma vez que não conseguirá fazer um post automático.
Porque gostamos das redes sociais?
As conclusões do relatório «A Utilização da Internet em Portugal - Relatório de 2010» desenvolvido no âmbito do World Internet Project (WIP):
Elas
- 87,9% porque podemos manter contactos à distância com pessoas conhecidas.
- 82,4% porque a maioria das pessoas que conheço está presente nestes sites.
- 80,6% porque podemos fortalecer laços sociais com pessoas que já conhecemos.
Eles
- 89,3% porque posso partilhar pensamentos, comentários, vídeos e fotos.
- 87,3% por causa do contacto com pessoas que estão longe.
- 86% porque a maioria das pessoas que conheço está presente nestes sites.
Texto: Fátima Lopes Cardoso com António Granado (especialista em jornalismo online e editor multimédia da RTP), Filipa Jardim da Silva (psicóloga clínica), José Barreiros (sociólogo da comunicação), Teresa Paiva (neurologista) e Vânia Beliz (sexóloga)
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