Se num tempo anterior à pandemia associada ao COVID-19 já era difícil, para alguns, distinguir se pensamentos de carácter obsessivo-compulsivos relacionados com o medo de contaminação eram fundamentados ou irracionais, agora esta tarefa poderá ter-se tornado ainda mais complicada.
Todos nós somos ocasionalmente invadidos por pensamentos desagradáveis e intrusivos, que fogem do controlo e originam mal-estar, medo, ansiedade, sofrimento e preocupação. No entanto, algumas pessoas tendem a fazê-lo de forma muito persistente, tomando estes pensamentos o nome de obsessões.
Uma das obsessões mais frequentes e estudadas é a de contaminação. Os conteúdos dos pensamentos obsessivos estão relacionados com o medo excessivo de contrair uma doença, ficar em perigo, pelo contacto com sujidade, germes e bactérias que se antecipam estar em todo o lado (por exemplo, “tenho a sensação intensa e persistente de estar sujo, infetado ou em perigo”; “imagino espaços públicos como antros de sujidade, germes”). Aliados a estas obsessões estão frequentemente comportamentos, chamados de compulsões, que se tratam de tentativas ilusórias para obter o controlo sobre o perigo antecipado e de, assim, aliviar a ansiedade sentida (por exemplo, lavar ou tomar banho várias vezes ao dia por um período longo de tempo; evitar sair de casa ou para espaços públicos; limpar várias vezes objetos e superfícies com álcool).
Tendo em conta a disfuncionalidade que tais obsessões e compulsões representam, muitos que as experimentam, pelo menos até agora, estavam cientes de que estes pensamentos, muitas vezes automáticos e espontâneos, poderiam ser irrazoáveis, sentindo vergonha e um grande medo de perder o controlo sobre si.
Perante a pandemia associada ao COVID-19 e as novas medidas de higiene que tal veio convocar a todos, é esperado que esta mesma consciência e sensações, encorajadoras da procura de ajuda e de tentativas para controlar comportamentos obsessivo-compulsivos, possam ter ficado mais difusas e gerado maior resistência a lidar com estas vulnerabilidades.
Deste modo, aqui ficam algumas sugestões que o podem ajudar a seguir um plano de segurança razoável, sem comprometer o seu bem-estar físico e psicológico.
1. Esteja consciente do tipo de pensamentos e medos que o assaltam nesta fase de desconfinamento, a sua frequência, intensidade e duração, assim como, os comportamentos que adota para aliviar ansiedade e as implicações negativas que podem estar a ter na sua vida.
2. Distinga preocupações e comportamentos que correspondem ao senso comum, de medos e ações orientados por pensamentos obsessivos. Escolha uma pessoa em quem confie, que possa ajudá-la a perceber que preocupações e medidas de segurança a tomar são racionais e razoáveis. Esta pode ajudá-lo a perceber o que pode ser o seu medo excessivo de contaminação a ditar, como ser um bom modelo a seguir.
3. Permita-se construir um plano de segurança baseado nas recomendações de organizações de saúde certificadas, sem a este acrescentar novos comportamentos:
3.1 Em sua casa, desinfete superfícies uma vez por dia apenas e sem demorar mais do que alguns minutos. Se fica em casa e não recebe visitas, pense se o espaço poderia estar contaminado e se desinfetá-lo mais vezes é realmente necessário.
3.2 Lave as mãos com sabão por 20 segundos apenas depois de ter estado fora de casa, antes de iniciar uma refeição, depois de utilizar a casa-de-banho e depois de tossir, espirrar ou de se assoar. Se sabão e água não estiverem à sua disposição, use apenas gel desinfetante para as mãos que contêm pelo menos 60% de álcool.
4. Experimente concentrar-se nos pensamentos obsessivos em vez de evitá-los, ignorá-los ou fugir deles através das compulsões. Permita-se sentir o medo e ansiedade a aumentar, sem nada fazer perante tais sensações. Dê atenção ao pensamento durante apenas 2 minutos (use um cronómetro se necessário), gritando no final deste tempo (em alto ou para si) “ACABOU!”. Repare como, por segundos, o pensamento parou e aos poucos e irá sentir-se mais relaxado. Pratique com frequência este exercício para cada pensamento que surja.
5. Lembre-se que também aqui não é possível atingir “a perfeição”. Embora os cuidados e esforços aplicados o ajudem a proteger-se e sentir um maior controlo, ninguém consegue garantir a sua proteção e a dos que o rodeiam por completo.
6. Procure ajuda na psicoterapia. Através de técnicas e estratégias poderá diminuir a ansiedade e o mal-estar provocado pelos pensamentos obsessivos e compulsões associadas.
Sofia Sousa de Macedo - Psicóloga clínica
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