Aviso: Conteúdo explícito! Este artigo não é para menores de 18 anos. Se acha que sabe tudo sobre sexo, o melhor é continuar a ler. Sabia que no século XIX os médicos masturbavam as mulheres para tratar uma doença inexistente? E também sabia que o vibrador surgiu porque um desses especialistas passou a sofrer de síndrome do túnel cárpico? E viu "Masters of sex", "Mad men", "Boas vibrações" e "Relatório Kinsey"?
Nos últimos 15 anos, temos visto estrear cada vez mais filmes e séries televisivas sobre descobertas acerca da sexualidade humana. Telma Pinto Loureiro, psicóloga clínica, explica porquê. "A arte é das áreas que melhor representa esta evolução, assistindo-se à complexificação da sua representação, lado a lado, com as novas formas de pensar a sexualidade", refere esta especialista portuguesa.
Tanto mais que a sexualidade humana já era representada na antiguidade, na arte, na literatura e na cerâmica, como se pode ver em museus em várias partes do mundo. Da Roma Antiga, diz Ana Gomes, psicóloga clínica e investigadora, subsiste ainda "uma grande variedade de artefactos eróticos característicos desta época". No entanto, nessa altura, a informação sobre sexualidade estava longe de ser pública. Vagina excessivamente húmida, insónia, irritabilidade e nervosismo eram alguns dos sintomas de histeria feminina, como realça a especuialista.
Se não conhece o filme "Boas vibrações" de 2011 é provável que não saiba que era um diagnóstico muito popular no século XIX. E, que para tratar a histeria feminina, em plena era vitoriana, os médicos faziam uma massagem pélvica que envolvia inserir um dedo nos genitais femininos e friccionar suavemente. O objetivo era provocar uma sensação muito intensa nas pacientes ou paroxismo histérico, hoje conhecido por orgasmo.
A invenção do vibrador
Na época, a masturbação era vista como um comportamento impróprio para senhoras e acreditava-se que as mulheres não eram capazes de sentir desejo sexual. Por isso, ninguém estranhou que os consultórios tivessem uma grande afluência. Em Londres, a classe médica pensava que estavam perante uma epidemia de histeria feminina. O problema é que os poucos especialistas que aplicavam o tratamento não tinham mãos a medir.
E, dado que chegavam a demorar mais de uma hora por paciente, começaram a sofrer de síndrome do túnel cárpico. Joseph Mortimer Granville, interpretado por Hugh Dancy em "Boas vibrações", era um deles. Pior, como conseguia provocar paroxismos histéricos mais rapidamente tinha mais clientes que os restantes médicos. Assim, Joseph Mortimer Granville dedicou-se a encontrar uma solução.
E, por acaso, inventou o vibrador elétrico. O propósito original do aparelho era aliviar dores musculares, daí que fosse apenas vendido a médicos. Contudo, a maioria das mulheres deixou de recorrer a especialistas assim que o vibrador começou a ser comercializado em 1899, nessa altura já como um eletrodoméstico. No final da vida, Joseph Mortimer Granville tentou dissociar-se do uso indevido do aparelho.
O especialista em botânica e insetos que dava aulas sobre casamentos
Numa linha mais académica, o filme "Relatório Kinsey", uma longa-metragem de 2004, traça a biografia do tímido biólogo Alfred Kinsey, interpretado por Liam Neeson. Este cientista não só desenvolveu investigação sobre vespas na Universidade de Indiana nos Estados Unidos da América (EUA), como nos anos da década de 1930 concordou em leccionar uma aula cujo tema central era o casamento e a vida de casal.
E, quando os alunos começaram a fazer perguntas sobre sexo, apercebeu-se de que havia pouca literatura científica sobre o assunto. Assim, em 1938, começou a tarefa hercúlea de entrevistar mais de 10.000 homens e mulheres sobre os seus sentimentos e comportamentos sexuais. Esse trabalho todo culminou na publicação de dois dos livros mais controversos na História dos EUA, "O comportamento sexual no homem" em 1948 e "O comportamento sexual na mulher" em 1953. O primeiro foi um sucesso, com mais de 500.000 vendas em pouco tempo. Nele, Alfred Kinsey afirmava que o ponto mais alto de virilidade ocorre aos 17 anos.
Nessa obra, afirmou ainda que as relações homossexuais são mais frequentes do que a sociedade dos anos da década de 1950 pensava. Alfred Kinsey usou os lucros para fazer mais investigação e publicar a sequela, mas esta não vendeu tão bem. Dado que abordava abertamente a sexualidade humana num momento em que o tema era tabu, o processo de pesquisa também não foi facilitado. Pelo caminho, perdeu financiamentos.
Nessa altura, foi também alvo de investigações anticomunistas. Foi ainda foi processado pela Alfândega dos Estados Unidos da América por causa da sua coleção de fotografias eróticas. Apesar de tudo, o legado de Kinsey perdura no Kinsey Institute for Research in Sex, Gender and Reproduction, «considerada uma instituição de referência no estudo científico da sexualidade humana», elucida a psicóloga Ana Gomes.
O que saber antes de entrar no vale dos lençóis
À exceção do trabalho de Alfred Kinsey, nos anos da década de 1950, havia pouca informação acerca da fisiologia e anatomia da sexualidade humana. William Masters, ginecologista e obstetra no Hospital da Universidade de Washington, em Saint Louis, também nos EUA, tinha o desejo de desenvolver a maior experiência sobre os comportamentos sexuais dos norte-americanos. Por isso, em 1957, recorreu aos serviços de uma auxiliar.
Para conseguir o seu intento, contratou Virginia Johnson para o ajudar a medir a excitação sexual em seres humanos. Segundo mostra a série televisiva "Masters of sex", de 2013, Virginia Johnson conduzia as entrevistas por ter mais tato. Através de métodos de mensuração por eles desenvolvidos, descreveram os mecanismos da lubrificação vaginal e o fenómeno das contrações rítmicas do orgasmo, em ambos sexos.
Também descobriram que as mulheres podem ter vários orgasmos, que os seres humanos os sentem de forma semelhante e que a excitação sexual se distingue em quatro fases. Excitação, plateau, orgásmica e resolução. Os resultados da investigação foram publicados em dois livros, menos polémicos que os de Alfred Kinsey, "Human sexual response" em 1966 e "Human sexual inadequacy" em 1970.
A (nova) liberdade sexual dos tempos que correm
Ao longo dos anos, a dupla foi fortemente criticada por vários motivos. Os seus contemporâneos censuraram-nos mesmo por terem utilizado prostitutas nos estudos científicos e, atualmente, são alvo de críticas por, entre 1968 e 1977, terem promovido um programa para curar a homossexualidade. Porém, Telma Pinto Loureiro conclui que William Masters e VirginiaJohnson são incontornáveis na história da sexologia.
Esta especialista considera o seu trabalho determinante "para se conhecerem melhor os contornos da resposta sexual humana e os distúrbios associados", como frisa. Nos finais do século XIX e no período após a II Guerra Mundial, a sociedade fervilhou com descobertas acerca da sexualidade humana. O aparecimento da pílula contraceptiva na década de 1960 é destacado como o momento mais significativo na experiência sexual da mulher.
"A pílula contribuiu para uma maior liberdade sexual e legitimação do prazer sexual feminino", diz Ana Gomes. Uma realidade refletida em "Mad men". Já no campo da sexualidade masculina, as psicólogas reconhecem a importância da descoberta do viagra para tratar a disfunção erétil. O medicamento lançado na década de 1990 "ajudou muitos homens, mas camuflou outras necessidades masculinas também urgentes", esclarece Maria Joana Almeida. E, de facto, Ana Gomes comenta que se disseminou na atual sociedade portuguesa a ideia de que temos de ser bons em tudo o que fazemos. Incluindo sexo!
Esta pressão adicional, "embora desejável até certo ponto, pode tornar-se contraproducente e minar por completo o prazer e a satisfação sexual", acrescenta. De qualquer modo, ambas as psicólogas concordam que nunca tivemos tanta liberdade para definir a nossa vida sexual pois, segundo a investigadora portuguesa, "temos vindo a assistir ao esbatimento progressivo do chamado duplo padrão sexual".
Um padrão sexual "caracterizado por ser permissivo e exigente para os homens e repressivo para as mulheres", acrescenta ainda. Maria Joana Almeida, psicóloga clínica e sexóloga, faz um balanço do comportamento sexual dos portugueses e assinala o trabalho de Rosemary Basson e Leonor Tiefer como referência na sexologia contemporânea. Entre 1997 e 2007, registaram-se uma série de mudanças ao nível da sexualidade.
Uma das mudanças registadas em Portugal foi "a idade da primeira relação sexual diminuiu de uma idade de jovens-adultos para a adolescência", sublinha a especialista. Também se verificou uma "maior frequência de determinados comportamentos, como a masturbação, o sexo anal, as relações e/ou atrações entre pessoas do mesmo sexo, que pode indiciar menos vergonha de admitir a sua prática", analisa ainda.
O que mudou com a legalização da interrupção voluntária da gravidez
Entre as transformações sociais, políticas e culturais, a psicóloga destaca "a legalização da interrupção voluntária da gravidez, que libertou as mulheres do peso da gravidez indesejada e do estigma de ter recorrido a serviços ilegais ao longo da sua vida reprodutiva". Maria Joana Almeida sublinha ainda a importância de, agora, termos "consultas por todo o país, gratuitas, que oferecem métodos contracetivos e fazem aconselhamento".
Esta especialista realça ainda que a viragem para o novo milénio, em Portugal, viu as minorias LGBTQI [lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexuais e pessoas com dúvidas] conquistarem direitos, um avanço que tem sido progressivo, apesar de ainda haver margem. Mais recentemente, a psiquiatra canadiana Rosemary Basson defendeu que o modelo de desejo sexual feminino convencional estava errado.
Enquanto antes se pensava que a excitação era o fator decisivo para haver um encontro sexual, esta especialista afirma que, na realidade, a maioria das mulheres parte para o ato sexual neutra e termina sentindo desejo. Já a psicóloga norte-americana Leonor Tiefer, outra especialista, propõe uma classificação das dificuldades sexuais mais contextualizada social e relacionalmente, "menos medicalizada", sugere.
Dispa a mente de preconceitos
Todos conhecemos o famoso manual "Kama Sutra", também referido como "Kamasutra", o livro que sugere inúmeras posições sexuais. Mas a sexologia, enquanto campo científico multidisciplinar que se debruça em particular sobre a sexualidade, surge na segunda metade do século XIX pelas mãos do médico alemão Iwan Bloch. Dermatologista de formação, o especialista é citado como o primeiro sexólogo da história.
Desde então que esta disciplina procura "responder a questões relacionadas com o desenvolvimento sexual, a orientação sexual, o funcionamento sexual, as disfunções sexuais, entre outras", informa Ana Gomes. Em Inglaterra, distinguiu-se o sexólogo Havelock Ellis, que desafiou os preconceitos em relação à homossexualidade e à masturbação em vigor na era vitoriana.
O autor da obra "Inversão sexual", publicada originalmente em 1897, cunhou ainda os termos autoerotismo e narcisismo, fundamentais para o domínio da psicologia.
Além de brinquedos eróticos e outros artefactos, galerias de arte Wellcome Collection em Londres tem mostrado a evolução da ciência do sexo em exposições como "The institute of sexology", que exibiu mais de 200 objetos de coleções privadas de sexólogos. Obras de arte, fotografias, filmes, pornografia e outros documentos raros, que ajudam a perceber em que medida a nossa atitude evoluiu em relação ao sexo.
Os comportamentos sexuais, passando pelas parafilias e a ideia de normalidade, também se percebem, assim, melhor. Além de Alfred Kinsey e Joseph Mortimer Granville, essa mostra acompanhou o percurso de outros sexólogos, como Iwan Bloch, Magnus Hirschfield e Sigmund Freud, que Ana Gomes diz terem "um lugar de destaque na história da sexologia, porque foram alguns dos precursores do estudo da sexualidade humana", assegura.
Texto: Filipa Basílio da Silva
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