Já é possível avaliar, através de testes genéticos preditivos, o risco de virmos a desenvolver certas doenças oncológicas, neurodegenerativas ou cardiovasculares de origem hereditária. Seis reputados especialistas revelam em que consistem, quem os pode realizar e o impacto que podem ter na sua vida. Quando um familiar direto é vítima de uma doença grave é normal interrogarmo-nos se corremos o risco de virmos a ser alvo dessa patologia, mesmo que não tenhamos quaisquer sintomas.
Se estiverem em causa doenças de origem genética, em alguns casos particulares, a ciência já consegue responder a essa dúvida, graças aos chamados testes genéticos preditivos, também designados pré-sintomáticos.
O que são testes genéticos preditivos?
Como explica Jorge Pinto Basto, médico geneticista, que falou à Prevenir enquanto colaborador do Centro de Genética Preditiva e Preventiva (CGPP), estes testes, que se incluem num complexo universo de exames genéticos, «são realizados em pessoas saudáveis que não têm qualquer manifestação de doença e que têm na família alguém (uma ou várias pessoas) com uma doença genética».
Tratam-se de testes, explica Purificação Tavares, especialista em genética médica, entrevistada enquanto diretora clínica do CGC Genetics, aplicados em casos de indivíduos saudáveis «que têm familiares afetados com gene alterado conhecido e pretendem saber se também têm a constituição genética idêntica para tomar decisões».
«Seja para ter uma vigilância apropriada ou adotar outras medidas. São exemplo os casos de cancro da mama, cancro do cólon hereditário, doenças neurológicas e doenças cardíacas», esclarece ainda a especialista.
Porquê realizar o teste?
Estes testes não permitem prever «a idade em que a doença se irá desenvolver, a sua gravidade ou a rapidez com que os sintomas irão evoluir», conta Jorge Pinto Basto. Mas, em alguns casos (nomeadamente oncológicos), a sua realização pode ajudar a evitar a doença e/ou a acionar uma vigilância médica mais apertada. Noutras situações, um resultado positivo pode, contudo, significar que o aparecimento da patologia, paraa qual a ciência ainda não encontrou uma cura, será inevitável.
É o caso de algumas formas hereditárias de doenças neurológicas, como as doenças de Parkinson juvenil e de Alzheimer familiar, ou também da doença de Huntington e da paramiloidose, provocadas exclusivamente por uma mutação genética. «Uma das condições pré teste para estas doenças é informar o paciente», conta Ana Berta Sousa, na qualidade de médica geneticista do Serviço de Genética do Hospital de Santa Maria e no Hospital da Luz.
«Este só irá saber se tem ou não a alteração genética responsável pela doença mas que nada pode fazer para evitar o seu aparecimento ou para modificar o seu curso», esclarece a especialista Ainda assim, para determinadas pessoas, a certeza apurada pelo teste pode ser útil.
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A consulta de genética
Caso na sua família exista «uma doença genética conhecida e o gene alterado que provoca a doença é conhecido, então pode querer realizar um teste preditivo, de modo a verificar se herdou esse gene alterado», indica Jorge Pinto Basto. Para confirmar este quadro, antes de se avançar para a realização do teste, é necessário fazer a avaliação do risco que a pessoa tem para desenvolver a doença. Essa análise é feita numa consulta de genética especializada.
Durante essa análise, «verifica-se se se trata de uma doença hereditária com mutação causal identificada», refere a especialista. Esse exame «calcula o risco do indivíduo em questão ter herdado a alteração familiar e discute a mais-valia de se fazer ou não o teste genético», sublinha Ana Berta Sousa.
No caso do Hospital de Santa Maria, a pessoa chega à consulta referenciada por um profissional de saúde que considera que aquele indivíduo poderá beneficiar com o aconselhamento genético. De acordo com Jorge Pinto Basto e com a CGC Genetics, a pessoa também pode tomar a iniciativa de marcar uma consulta com um médico geneticista.
Como se realiza esta consulta?
Depois de definido na consulta de genética que terá benefícios em realizar este tipo de teste:
- O primeiro passo será analisar o familiar afetado. «Antes de se efetuarem testes genéticos em pessoas saudáveis, primeiro faz-se um teste de diagnóstico ao familiar que teve a doença», revela Ana Berta Sousa. O objetivo é identificar a alteração genética responsável pela doença. Quando a doença não é causada sempre pela mesma mutação, os testes diagnósticos são mais morosos que os preditivos, podendo demorar vários meses.
- Caso a mutação seja identificada no familiar afetado, é colhida a uma amostra de sangue da pessoa saudável que pretende realizar o teste preditivo, de forma a esclarecer se também herdou a mesma alteração genética. A título de exemplo, no CGPP, entre o início do protocolo de teste preditivo e o resultado decorrem cerca de seis semanas.
- A realização do teste é simples. Basta uma colheita de sangue para a qual não se exigemcuidados especiais. «Posteriormente, vamos extrair o ADN das células do sangue e realizar o teste genético», descreve Jorge Pinto Basto.
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Porque se deve realizar um teste preditivo?
De acordo com Jorge Pinto Basto, entrevistado enquanto colaborador do Centro de Genética Preditiva e Preventiva IBMC, da Universidade do Porto, poderá querer realizar este teste se sabe, à partida, que a sua doença pode ser evitada. Pode também realizá-los se sabe que os seus sintomas podem ser eficazmente tratados ou a doença não pode ser evitada, nem os seus sintomas eficazmente tratados, mas pretende ter essa informação para ajudá-lo a tomar decisões sobre a sua vida reprodutiva, obrigando-o a colocar-se uma série de questões.
Algumas das dúvidas passam pela decisão de ter ou não filhos, ter filhos com a certeza que não transmite a doença, entre outras razões), ou para ter mais conhecimento sobre o risco para os filhos que já tem. Pode também requerer este tipo de testes, se acredita que conhecer mais acerca da possibilidade de vir a ter a doença irá ajudá-lo a tomar outras decisões importantes. Pode também fazê-lo se prefere ficar a saber se é, ou não, portador, acabando com a incerteza, mesmo que isso implique receber uma má notícia.
A importância do apoio psicológico
«Fazer um teste genético é uma experiência marcante, obriga a pensar na vida e na morte. Mesmo quando o resultado é negativo, há quem revele que a experiência é avassaladora. O teste, em si mesmo, modifica as suas vidas ou pelo menos a forma de se posicionar na vida», conta Alexandra Sá Leonardo, entrevistada na qualidade de psicóloga clínica do Serviço de Genética do Hospital de Santa Maria.
Não espanta pois que seja vital o envolvimento do psicólogo clínico em todo o processo. No Hospital de Santa Maria, por exemplo, exige-se a presença de uma psicóloga desde o primeiro momento. «Marcamos uma primeira consulta com o geneticista e outra com a psicóloga. Nunca avançamos para a fase da colheita sem passar pelo menos um mês», assegura. A explicação é simples.
«Para que a pessoa tenha tempo para refletir e decidir se pretende fazer o teste, e sem que a psicóloga confirme que não existem razões para que a pessoa não consiga lidar com o resultado», avança Ana Berta Sousa. Após a entrega do resultado, há ainda uma quarta consulta ou um apoio psicológico continuado, se o utente assim o desejar. Também no CGPP, a avaliação psicológica faz parte do protocolo e é realizada a todas as pessoas que realizam o protocolo de teste preditivo.
A taxa de fiabilidade
«Cada uma das amostras é testada em duplicado. No final, iremos ter quatro resultados. Se os mesmos forem totalmente concordantes, não temos qualquer margem para dúvidas de que, bom ou mau, é aquele o resultado», explica Jorge Pinto Basto. «A probabilidade de erro de um teste preditivo é próxima de zero, se forem cumpridos os controles de qualidade técnica definidos», afirma Fátima Vaz, na qualidade de coordenadora da Consulta de Risco Familiar de Cancro da Mama, do Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
Nesta consulta, identificam-se e acompanham-se indivíduos de alto risco de cancro hereditário, nomeadamente mama e ovário, cólon e reto e melanoma. Segundo Gabriel Miltenberger-Miltenyi, especialista em Genética Médica do Instituto de Medicina Molecular, «quando se detetam mutações que não têm significado conhecido numa doença particular, os geneticistas, muitas vezes, reúnem-se e decidem como podem interpretar os dados e de que forma se pode acompanhar o doente».
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Devemos sempre saber o resultado destes testes?
«Todos os testes preditivos vão influenciar a vida desde o momento em que se recebe um resultado. Mesmo que não se encontre nenhuma mutação, os testes influenciam a vida do doente e da família. Se encontrarmos uma mutação patogénica, isso significa que, dependente da patologia, o doente pode desenvolver essa doença e o acompanhamento futuro será variável», explica Gabriel Miltenberger-Miltenyi.
Ainda que a pessoa tenha realizado o teste por decisão própria e com consentimento informado, «perguntamos se quer saber o resultado, havendo sempre a hipótese de desistir», conta Jorge Pinto Basto. «Se escolher não o receber naquele momento, fica guardado em ficheiros separados dos ficheiros dos hospitais», diz Ana Berta Sousa.
O resultado só pode ser divulgado ao próprio ou a alguém diretamente autorizado por ele. A decisão de saber ou não o resultado pode ser adiada pelo tempo que a pessoa considerar adequado. Não existe propriamente uma unanimidade no que se refere a este assunto.
O caso do cancro da mama e do ovário
Na consulta de risco mama/ovário, o teste preditivo só se realiza «quando existe um risco suficientemente alto de cancro hereditário e apossibilidade de o resultado ser esclarecedor. Além disso, deve existir estratégia de acompanhamento pós-teste», reforça Fátima Vaz. Nos casos em que se encontra uma alteração genética, transmitida numa família, de geração em geração, «fica encontrada a principal (mas não única porque continua a haver cancro da mama esporádico) causa do cancro da mama naquela família».
Assim, identificada a causa, «vamos rastrear para aquela mutação os elementos da família em risco, quem é positivo (herda a mutação) tem risco alto de cancro e deve ser vigiado, quem é negativo tem o risco da população em geral e não necessita de vigilância específica», adianta a especialista.
Em que casos se justificam?
Os testes preditivos, no caso do cancro da mama/ovário, justificam-se em famílias com múltiplos casos de cancro da mama, em gerações sucessivas e em que há mulheres afetadas em idades muito jovens (30 anos, por exemplo) «ou com cancro da mama bilateral», indica Ana Berta Sousa. «Também há homens com cancro da mama nestas famílias ou casos de cancro do ovário ou da próstata», sublinha esta especialista.
«O estudo de uma família deve começar por quem já teve a doença e, depois de identificada a mutação, rastreamos os indivíduos saudáveis para a mutação familiar», exemplifica a coordenadora da Consulta de Risco Familiar no IPO de Lisboa. Ana Berta Sousa salienta que «só aproximadamente 5% dos cancros da mama são situações mendelianas (um gene corresponde a uma doença) e, mesmo nesse caso, nem todas as mulheres da família que herdam a alteração genética virão a ter cancro da mama».
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O que acontece após o resultado
Após um resultado positivo, «podem ser tomadas medidas gerais de promoção da saúde ou o aumento da vigilância (mais cedo e mais frequente), vigilância diferente (além da mamografia, nalguns casos pode ser necessária uma ressonância magnética), cirurgia preventiva ou quimioprevenção», esclarece Fátima Vaz. Para cada caso, são decididas as medidas mais adequadas, que mudam ao longo do tempo, de acordo com a fase da vida das mulheres.
«Mas não esquecer», acrescenta a especialista, «só faz sentido fazer um teste preditivo de cancro da mama se se estiver disposto a emagrecer (em caso de obesidade) ou deixar de fumar (fumadores). Todos somos responsáveis pela promoção da nossa saúde individual. Um grupo raro de indivíduos pode incluir nessa prevenção, após aconselhamento adequado, testes preditivos de cancro hereditário, se houver possibilidade desses testes serem informativos», diz.
Doença de Alzheimer familiar e de Parkinson juvenil (antes dos 40 anos)
Existem alguns fatores que condicionam a eficácia dos testes preditivos que permitem avaliar o risco de desenvolver as formas hereditárias destas doenças neurodegenerativas. Fique a conhecê-las:
- A componente hereditária da doença de Alzheimer é, de acordo com o conhecimento atual, muito pequena. «Isso significa que a maioria dos casos desta patologia não é familiar, mas antes multifatorial, com causas desconhecidas (quer genéticas quer ambientais)», salienta Gabriel Miltenberger-Miltenyi. Também a doença de Parkinson é uma doença multifatorial, surgindo devido a uma componente genética e também ambiental.
- «Só nas famílias em que está identificada a mutação é que faz sentido a realização do teste preditivo. Existem critérios muito específicos para se solicitarem testes genéticos diagnósticos relacionados com estas doenças, como por exemplo, o seu aparecimento precoce», alerta Jorge Pinto Basto.
- A partir do momento em que está diagnosticada uma forma hereditária de Alzheimer ou de Parkinson Juvenil já se pode realizar o teste preditivo a familiares. «Basta que uma pessoa tenha a doença. A existência de mais casos na família também levanta a hipótese de se tratar de uma forma hereditária», adianta o geneticista do CGPP.
Texto: Cláudia Pinto com Alexandra Sá Leonardo (psicóloga clínica), Ana Berta Sousa (médica geneticista), Fátima Vaz (coordenadora de consultas de risco familiar), Gabriel Miltenberger-Miltenyi (especialista em genética médica e investigador), Jorge Pinto Basto (médico geneticista) e Purificação Tavares (especialista em genética médica)
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