Onde foi o avô?
Quero vê-lo e dar-lhe a mão...
Se agora está no céu
Posso ir lá de avião.
- Onde foi o avô? by Luísa Sobral
Mãe, o avô foi para o céu? perguntava Luís (nome fictício). Porque perguntas isso filho? questionava a mãe. Ouvi dizer na escola que quando as pessoas morriam iam para o céu, disse-lhe Luís. Adélia (nome fictício) nunca conheceu o seu pai, avô do Luís. Anos mais tarde ouviu falar novamente dele.
Precisamente quando Adélia desconfiou de algumas características suas e recorreu a um psicólogo para fazer uma avaliação de despiste e confirmou-se um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Enquanto ouvia e ia respondendo às perguntas havia um acumular de certezas de que o seu pai também haveria de o ser.
Apesar de nunca o ter conhecido, a sua mãe falava das coisas que ele fazia. E Adélia tinha tomado muita atenção a tudo. Até porque era a única informação que tinha do seu pai.
Se pensarmos que há oitenta anos que se diagnostica autismo e que hoje em dia sabemos que 1 em cada 54 crianças são autistas, parece justo perguntar onde é que estão os autistas seniores, ou não?
E apesar desta pergunta poder parecer disparatada para alguns. Para mim é sinónimo da forma como se vem tratando o autismo ao longo dos anos. Não é de hoje que se sabe que o autismo é uma condição ao longo da vida. Mas uns e outros, por negligência ou outro tipo de interesse, foi criando esta ideia de o autismo existir apenas na infância.
Ideia de que além de não ser verdade, é absurda. Até porque se assim fosse estaríamos a partir do princípio de que havia uma cura para o autismo após o final da infância, facto que se sabe não ser igualmente verdade.
A forma como tratamos a nossa população sénior não é novidade em Portugal. Até porque a população sénior no nosso país e ao longo destes últimos anos tem crescido significativamente. E muitos são os debates que se têm realizado em relação às políticas publicas para esta parte da população, assim como das suas condições de vida. São cada vez mais as pessoas idosas que são abandonadas pelos seus familiares nos hospitais!
Os idosos nos Lares queixam-se de que os seus familiares não os visitam com regularidade! Os relatórios das autoridades demonstram que o número de pessoas idosas em isolamento social extremo aumentou nos últimos anos e piorou devido à situação de pandemia! Estas e outras frases enchem os jornais diários e abrem os noticiários.
Mas continuamos sem saber quantos destes idosos são autistas. E não é totalmente disparatado pensar que alguns destes idosos tenham um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Se atendermos a algumas das características presentes neste mesmo diagnóstico, as dificuldades nas relações interpessoais e uma diminuição no contacto e relações sociais, podemos pensar que algumas destas pessoas idosas se encaixam neste perfil.
Não que nas pessoas idosas com um desenvolvimento típico não existam algumas características que se possam pensar como podendo ser enquadras no Espectro do Autismo, porque as há. Assim como em tantas outras pessoas ao longo do ciclo de vida. E não, isto não quer significar que todos temos um pouco de autista!
Se qualquer um de vocês que estiver a ler este texto pensar num familiar seu com mais de 65 anos, facilmente terá a noção de um conjunto de necessidades e apoios diversos que necessita, certo?
Seja do ponto de vista da saúde física, mas também mental. A deslocação física passa a ser feita com maior dificuldade, seja porque já não conduzem, mas também porque a utilização dos transportes públicos ou percursos a pé se tornaram mais difíceis. E como tal, o acesso à saúde, lazer, etc., passou a ser mais exigente.
As dificuldades cognitivas passam a ser mais evidentes, seja na velocidade do processamento, mas também em outras áreas cognitivas importantes como a memória, vamos assistindo a um declínio cognitivo que é próprio em todos nós a partir desta etapa.
Além das dificuldades verificadas na esfera emocional, nomeadamente com uma maior labilidade e volatilidade emocional. Além de ser esperado um acentuar da sintomatologia depressiva.
Se pensarmos que as pessoas autistas apresentam elas próprias além do seu diagnóstico todo um conjunto de outras perturbações psiquiátricas associadas, além de outros problemas de saúde física. Só por aqui podemos antever que uma pessoa autista com 65 anos ou mais possa necessitar de todo um conjunto maior de cuidados e de apoios no seu quotidiano. Sendo que também podemos expectar que as dificuldades no estabelecimento da relação interpessoal com esta pessoa possam ser maiores.
Contudo, quando pensamos nas pessoas autistas sénior, sentimos não poder fazer nada até porque não conhecemos a realidade existente. E por isso torna ainda mais difícil o desenvolvimento de algum tipo de acção por desconhecimento da situação. E, por conseguinte, a própria reflexão em torno do tema é inexistente pelo facto do tema ser ele mesmo igualmente inexistente.
O autismo é uma condição ao longo da vida e é fundamental poder olhar para esta etapa da vida, e não apenas de uma forma compartimentada mas sim com uma perspectiva desenvolvimental.
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