Uma das queixas mais frequentes na consulta de Psiquiatria é a insónia, com 60% dos doentes a apresentarem este sintoma na primeira consulta, e um dos sintomas a que dão maior importância.
Normalmente, é pedido um “comprimido para dormir”, algo que alivie o sofrimento de noites de insónia, que consequentemente trazem dias difíceis, num ciclo vicioso de más-noites-maus-dias.
A boa notícia é que antes do “comprimido para dormir”, existem vários hábitos saudáveis de sono, conhecidos como higiene do sono. Alguns destes hábitos incluem a diminuição do consumo de bebidas excitantes (café, chá preto, etc), ter rotinas (hora de deitar e hora de acordar mais ou menos constantes, quando é possível) e reduzir a quantidade de luz direta antes de dormir. E é neste último ponto que este artigo pretende incidir.
Os humanos são animais diurnos, daí verem a cores, e a luz tem funções na regulação do relógio biológico.
Foi apenas em 2002 que se descobriu que os humanos têm recetores de luz (células ganglionares fotossensíveis da retina) que expressam um pigmento sensível à luz azul (melanopsina), mais especificamente a uma fração da luz que se encontra entre os 460nm e ou 480nm, que corresponde à cor azul no espectro da luz. Estas células constituem menos de 1% da retina, mas são fundamentais na fisiologia e saúde humana. Assim, é através destas células que o sistema nervoso central coordena a libertação de vários neurotransmissores e hormonas essenciais para a atividade e saúde humana. Por exemplo, é antes de acordar e quando aumenta a exposição matinal à luz, que se inicia a libertação de cortisol (conhecida como hormona do stress), sendo que à noite, com a diminuição da quantidade de luz, há uma diminuição do cortisol e um aumento da melatonina (além de conhecida como hormona do sono, também tem ações antioxidantes). Estas ações ocorrem no núcleo supraquiasmático (SCN) do hipotálamo anterior, o “relógio” do corpo humano. Daí que algumas patologias da retina cursem com alterações do sono.
Assim funcionou o corpo humano ao longo de milhares de anos, até Thomas Edison ter descoberto a lâmpada elétrica e esta ter sido comercializada por todo o mundo. Desde então, a humanidade venceu as trevas (mesmo os melhores candeeiros a gás não tinham a potência de uma lâmpada) e mudaram também os nossos horários.
Passámos também a ter ecrãs, primeiro nas nossas salas, posteriormente foram ficando mais pequenos, e agora nas nossas mãos, 24 horas por dia, a emitir luz.
No entanto, a nossa biologia não acompanhou a evolução tecnológica, e continuamos a ter as nossas células recetoras de luz na retina, e sempre que são estimuladas mandam uma mensagem para o Sistema Nervoso Central (SNC): ainda é de dia, aumenta o cortisol, diminui a melatonina.
Assim, dormir não é só fechar os olhos, é preparar o sono, nomeadamente a quantidade de luz que chega aos nossos olhos. Hoje, quando se for deitar, à sua hora habitual lembre-se de evitar ecrãs nos 30 minutos anteriores a essa hora, e ao fim de uma semana, verá que passará a ter um sono mais tranquilo e reparador.
Um artigo do médico João Cardoso, Psiquiatra nas Clínicas Leite. Texto originalmente publicado na Revista Com Olhos de Ver das Clínicas Leite.
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